Se a célebre frase “o dinheiro não estica” faz parte do seu quotidiano todos os meses, talvez a solução passe por implementar mudanças na forma como gere o seu orçamento pessoal e familiar. O Delas.pt esteve à conversa com Rui Bairrada, CEO da clínica de finanças pessoais Doutor Finanças, para saber onde gastam os portugueses o seu dinheiro, se são os homens ou as mulheres os que mais resistem ao impulso de gastar, e de que forma podemos poupar e melhorar a nossa gestão do dinheiro.
O Doutor Finanças existe desde 2014 online, e inaugurou no dia 25 de setembro a sua primeira loja física em Lisboa. A clínica é especializada em gestão financeira, atuando como um intermediário entre clientes, bancos, financeiras e seguradoras. O processo, segundo o próprio CEO, é semelhante ao de uma ida ao médico: primeiro faz-se um check-up, depois um diagnóstico ao qual se segue uma prescrição, e por fim um tratamento. O processo é totalmente gratuito para os clientes que, após analisarem a sua situação, poderão decidir se pretendem avançar e seguir as sugestões dos profissionais da clínica ou não.
Como surgiu a ideia de abrir a clínica?
Sempre foi nosso apanágio estar o mais perto possível dos portugueses, daí termos tirado a gravata e ter colocado a bata. A bata traz um efeito de proximidade, de confiança com as pessoas. Também ao longo destes quatro anos muitas pessoas pelo país nos iam perguntando quando é que nós abríamos o primeiro espaço físico, porque há muitas pessoas que gostam de tratar destes assuntos de finanças pessoais cara a cara. Acabou por ser um processo natural e normal.
Normalmente há esta ideia de que são as mulheres que ficam responsáveis pela gestão das finanças dos seus agregados familiares. São mais elas que vos procuram ou considera que esta ideia já está ultrapassada?
Isso é um mito. Hoje em dia, não conseguimos ter essa distinção, tanto nos procuram homens como mulheres. Se falarmos em produtos específicos, se calhar as mulheres dão o primeiro passo, mas nos créditos, seguradoras e financiamentos temos sempre que funcionar em termos de agregado familiar, em termos de casal. E mesmo nas formações que damos tentamos ao máximo incluir o marido e a mulher, porque se não estiverem os dois em sintonia, dificilmente vão conseguir organizar as suas finanças. É uma ideia que existia no passado, mas que hoje em dia está cada vez mais desmistificada.
“As mulheres são um bocadinho mais emotivas em relação ao dinheiro, existe menos racionalização na decisão.”
No caso das mulheres em concreto, tem ideia se há algum tipo de crédito ou alguma dificuldade que seja mais comum?
No caso das mulheres, há mais propensão aos créditos de curto prazo, aos cartões de crédito, aos créditos de consumo, recorrer a crédito para viagens… As mulheres são um bocadinho mais emotivas em relação ao dinheiro, existe menos racionalização na decisão. Mas também diria que isso tendencialmente tem vindo a diminuir ao longo dos tempos, e hoje não há diferença de género quando falamos em finanças pessoais.
Quem é que gasta mais dinheiro: homens ou mulheres?
É igual… Vivemos num mundo global, em que as mulheres têm exatamente as mesmas oportunidades de acesso à informação do que os homens. Se me perguntar quem é que gasta mais dinheiro em roupa, é claro que são as mulheres. Mas se me perguntar quem é que gasta mais dinheiro em gadgets, eu diria os homens. Portanto há alguns critérios de consumo em que se pode fazer a divisão por género, mas hoje em dia acho que não existe uma diferenciação tão grande. Cada vez mais temos que pensar nas despesas enquanto agregado, enquanto família, enquanto marido e mulher… Gastam os dois dinheiro naquilo que acharem que é importante gastar. E é essa a mensagem que também gostamos de passar. No caso dos casais, organizem as suas finanças, os vossos gastos, despesas e receitas em conjunto, e tomem decisões cada vez mais conscientes e não emocionais.
“O grande problema dos portugueses é não saberem onde gastam o dinheiro.”
Então, no geral, em que é que os portugueses gastam mais dinheiro?
O grande problema dos portugueses é não saberem onde gastam o dinheiro. Esta é a principal dica de poupança que eu posso dar hoje. Eu passo a vida a dar este exemplo a toda a gente e brinco muito com isto. A maior parte dos portugueses faz gestão do seu orçamento familiar por talão multibanco. Imagine, vai ao multibanco e levanta €30, €20 ou €10, e olha para o saldo e questiona-se “para onde é que foi o dinheiro?!”. Passamos a vida a dizer isto. O grande problema não está em gastarem o dinheiro, mas sim em não saberem onde gastam o dinheiro. A principal dica que podemos dar é que façam um orçamento familiar.
Como é que podemos fazer esse orçamento?
Fazer um orçamento familiar é responder a esta pergunta, “onde gasto o meu dinheiro?” É durante o mês apontar todas as despesas e chegar ao final do mês a saber para onde foi o dinheiro. Sendo que, na parte do dinheiro, nós os portugueses o que fazemos é começar o mês a aumentar a riqueza dos mais ricos… É uma frase que eu costumo dizer um bocadinho a brincar.
Aumentar a riqueza dos mais ricos?
Nós recebemos o ordenado e pagamos à EDP, pagamos aos bancos, pagamos às grandes empresas, aos mais ricos de Portugal, e depois se sobrar alguma coisa logo fica para nós. Temos que fazer exatamente ao contrário: fui eu que trabalhei, primeiro vou-me pagar a mim próprio, transferindo €10, €20 ou o que seja para outra conta, e depois então é que vou pagar as minhas despesas correntes. Em vez de eu começar o mês com €1000 vou começar com €900 e vou fazer exatamente o mesmo que fiz no mês passado, com uma pequena diferença: comecei a criar valor e poupança. E mais do que tudo isto, paguei-me a mim, que é essencial.
Qual é o maior defeito dos portugueses na gestão das suas finanças pessoais? Mantém esta ideia de ser o facto de não saberem onde gastam o dinheiro?
É não fazer o orçamento. Claramente, é essa a principal mensagem. Nós precisamos mesmo de responder à pergunta e a pergunta responde-se fazendo o orçamento e percebendo onde é que efetivamente estamos a gastar o nosso salário, e por que é que não estamos a poupar. Esta última pergunta muitas vezes responde-se também com o orçamento, porque se calhar estou a gastar dinheiro em sítios em que não faz sentido gastar.
O que devemos fazer para poupar?
Aquela dica é boa, a de pagarmos primeiro a nós mesmos. E faz sentido, nós temos que mudar esta mentalidade, temos que valorizar o nosso esforço, e nós não valorizamos. Eu esforço-me imenso todos os meses para ir trabalhar, causa imensos cuidados e transtornos como o trânsito ou ouvir o chefe, e depois não me valorizo por esse esforço. Valorizar-me é pagar-me primeiro a mim mesmo, e essa é a forma mais fácil de conseguirmos poupar.
“A maior dica de poupança que podemos dar é essa: façam o orçamento familiar.”
A ideia é então começar por retirar o dinheiro que sei que não necessito de utilizar para as despesas correntes, e colocá-lo de lado numa outra conta.
Cada pessoa gere o seu valor da forma que melhor lhe convir. Mas a ideia é: assim que recebemos o ordenado, temos uma ordem permanente, para outra conta, para outro banco, com o “nosso” salário e ir definindo o valor. E o que é giro é que quem começa a fazer isto, na maior parte das vezes, à medida que os meses vão passando, vai aumentando esse valor, porque consegue cada vez mais organizar a sua vida. E aquela viagem que eu acho que nunca consigo fazer, porque distribuo sempre o dinheiro pelos outros, esses pequenos sonhos começam a concretizar-se. É uma forma muito simples, nada muda no nosso estilo de vida, e se eu tirar esses €20 ou €30 de lado os meus hábitos vão manter-se, a única diferença é que no final daquele mês em vez de ficar com a conta a zeros começo a criar poupança.
Que outras dicas considera relevantes?
Há imensas, mas eu acho que as principais, pelo menos as que nós lutámos mais aqui no Doutor Finanças, são coisas mais de mudança de mentalidades. Nós escrevemos imenso sobre finanças pessoais, damos formação pelo país e cada vez estamos a investir mais nessa área. Vamos lançar agora um projeto de literacia financeira nas escolas, a crianças dos seis aos sete anos, em que vamos ter um manual. Mas o mais importante, e está na base de tudo, a maior dica de poupança que nós podemos dar é essa: façam o orçamento familiar.
Os destinos de viagem mais procurados pelos portugueses para os próximos meses
