Aqui há gato: porque é que os homens não gostam dos felinos?

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Conheceram-se, encantaram-se e marcaram jantar em casa dela. Maria caprichou na decoração e na ementa, superou-se nas qualidades de anfitriã. Rui chegou, trouxe um bom vinho e tudo corria bem até o gato entrar na sala… Ficou tenso, sempre atento aos movimentos do bicho e tudo piorou quando passaram ao sofá. O gato inspecionou o metro e oitenta dele de ponta a ponta, como é apanágio da espécie, e quis ir para o colo. Ele deixou mas ficou visivelmente desconfortável: não é alérgico nem tem nenhuma fobia mas acha-os (muito) traiçoeiros. Maria passou a ver João com outros olhos…

Está longe de ser o único. Noutro caso, o gato de Alice saltou para a cama no primeiro dia em que dormiu com o novo amante em casa dela. Para ela foi bom, sinal de que o bicho gostou dele ao ponto de repetir as suas rotinas na presença de um “estranho”; para ele foi mau e teve um efeito anticlímax: o desejo sexual baixou consideravelmente perante a ideia de o gato poder assustar-se com a movimentação da cama e arranhá-lo. A noite sexy acabou por se transformar num ronronar a dois. Na verdade, a três.

Ideias antigas
O cão é “o maior amigo do homem”, tido como confiável e muito fiel e, por isso, eleito como animal de estimação por mais de três milhões de portugueses, segundo um estudo da Marktest de 2015. Já os gatos, embora presentes em 2,4 milhões de lares (27,5%) segundo o mesmo estudo, continuam a ser vistos por muita gente como imprevisíveis e traiçoeiros.

Acontece com ambos os sexos mas acaba por parecer mais estranho quando são homens adultos e corpulentos a demonstrar receio. Rui assume-o: “Eles não precisam de nós, não são educáveis nem adaptáveis. Nunca se sabe como irão reagir. Se me arranharem eu vou chatear-me e os donos não vão gostar… Gosto de animais, nunca faria mal a um gato mas prefiro que fique bem longe de mim.” Chegou a pedir a uma namorada para fechar a porta do quarto à noite, não fosse o bichano entrar.

Esta ideia de que são imprevisíveis e “que não conhecem o dono” era comum até há meia dúzia de anos, diz Maria do Céu Sampaio, da Liga Portuguesa dos Direitos do Animal. A sua popularidade tem vindo a aumentar graças a campanhas das protetoras de animais mas persistem algumas ideias feitas. Por exemplo, “os gatos pretos continuam a ser os mais abandonados”, provavelmente por ainda serem associados a bruxaria ou azar.

Ela própria teve fobia mas, na enorme aflição que foi o incêndio do Chiado, em 1988, ajudou a salvar muitos, um a um, içada por cordas pelos Bombeiros. Depois ficou fã. Considera-os excelentes animais de estimação para quem tem menos tempo, por não requerem vários passeios por dia, como um cão, e defende que são especiais:

“São independentes. É preciso conquistá-los, como as mulheres [ri-se], dar-lhes atenção. Não gostam de ser dominados. Aliás, para quem é dominador podem ser uma boa escola para aprender a sê-lo menos”.

Virá daí o desconforto de alguns homens?

Preconceitos modernos
Cerca de 80% dos clientes da Dr. Bigodes, empresa de veterinários ao domicílio na Grande Lisboa e no Porto são gatos. “É natural, são bichos que não estão habituados a sair de casa e por isso ficam nervosos numa ida à clínica, bem como ao sentirem os odores de outros animais, o que pode alterar dados importantes para o diagnóstico, aumentando a temperatura corporal e a queda de pelo, por exemplo”, explica Bruno Santos. Aproximadamente, 80% dos donos dos gatos são mulheres, metade delas a viverem sozinhas com o bichinho de estimação. Homens a partilhar a casa com o felino rondam 10 a 15%.

Sem uma explicação para esta diferença entre sexos, o veterinário afirma que os homens continuam a preferir a obediência dos cães e que os gatos são ainda vistos como pouco afáveis, sobretudo quando não se tem contacto com a espécie. Curiosamente, alguns homens que foram obrigados a conviver com felinos, porque a mulher os levou para casa, tornaram-se os seus maiores admiradores e são os mais preocupados com o seu bem-estar.

Gostar muito de felinos também pode ter consequências menos boas para os respetivos donos. Para combater outro preconceito, o de que homens que preferem gatos são tendencialmente homossexuais, foi criada a página de Facebook brasileira Homens Que Amam Gatos, hoje com mais de 21.000 fãs:

“Eles são sempre associados à figura feminina. Principalmente no Brasil, que é um país machista, um homem aparecer abraçado com um gato pode ser considerado gay. Queremos mostrar que o gato também é um fiel companheiro, tem o seu jeito particular de ser, discreto, e traz alegria e companheirismo. Se a relação com um cão é de dependência afetiva, com um gato é de camaradagem masculina em sua essência mais pura”.

Receados ou amados, ao fim de uma longuíssima convivência com humanos os gatos são tudo menos indiferentes aos humanos. É o que dá não se conseguir fazer deles gato-sapato.