O adeus a Aretha Franklin, a “rainha da soul”

Esteve internada num hospital de Detroit e regressou a casa nos últimos dias, por onde passaram inúmeros amigos para se despedirem da voz da soul. A cantora morreu esta quinta-feira, 16 de agosto, aos 76 anos.

É mais rico crescer rodeado de enormes, ainda que a liturgia dos primeiros tempos se faça de fantasmas tão grandes como os vultos. Do gospel de Mahalia Jackson, Dinah Washington, e James Cleverland, à soul de Sam Cooke e Jackie Wilson. Todos são presença assídua na casa de Clarence La Vaughn Franklin, o pai de uma então jovem Aretha Louise.

Aquela que a revista Rolling Stone haveria de cunhar como a maior voz de todos os tempos, nasceu em 25 de março de 1942, em Memphis, Tennessee, descendente do tal pregador da igreja Batista, da sua vida itinerante, e de inefáveis orgias capazes de impressionar a descontração de um Ray Charles. Aos dois anos, Aretha instala-se em Buffalo, Nova Iorque, e aos quatro chega com a família a Detroit, onde o pai ergue a sua própria congregação. Aos 10 perdia a mãe e poucos anos depois já era mãe do primeiro filho, fruto da relação com um colega da escola.

Mais atentas à missa cantada que ao sermão, gravadoras como a Motown Records não demoram a pregar ouvido à sua voz, apoiada pela figura paterna, que a incentiva a dar os primeiros passos na indústria da música. Em 1956, com apenas 14 anos, Aretha lança “Songs of Faith”, registo gospel que pavimenta caminho para uma incursão mais secular. De volta a Nova Iorque, diz sim aos avanços da Columbia Records em 1961, e ao contrato que lhe vale trabalho com o reputado produtor John Hammond, ligado a nomes como Billie Holliday e Count Basie, e demasiado enfeitiçado por estes para vislumbrar em Aretha uma inclinação muito mais para a soul e o R&B que para o jazz.

Faixas como “Today I Sing The Blues”, “Won’t Be Long”, “Cry Like a Baby”, e “Sweet Bitter Love” fazem o furor que podem, ainda que o maior sucesso comercial tenha soado apenas depois de 1967, quando Franklin transita para a Atlantic Records, começando a trepar no top da Billboard. É esta a fase dourada da cantora, que coincide com o lançamento de temas como “I Never Loved a Man the Way I Love You”,” I Say a Little Prayer”, e a emblemática “Respect”, bandeira da luta pelos direitos civis e do movimento feminista. Enquanto isso, a vida pessoal segue destino inverso à ascensão profissional. Em 1969, divorcia-se do antigo agente Ted White, figura pouco recomendável de Detroit que a apresentara ao álcool e às drogas, pondo fim a uma relação conturbada e marcada pela violência doméstica.

Seguir-se-ia o enlance com o ator Glynn Turman, em 1978, numa cerimónia conduzida pelo pai de Aretha. Pouco depois, em 1980, surge a ligação à Arista Records e a Clive Davis, responsável pelo relançamento da sua carreira nesta década. É também o tempo de parcerias com nomes como George Michael (1988) ou Mary J. Blige (2008). Em 2010 chegava o diagnóstico de cancro do pâncreas. Em 2015, cinco anos depois de conhecer o diagnóstico de um cancro no pâncreas, rubricou uma memorável interpretação de “(You Make me Feel Like) A Natural Woman”, no Kennedy Center, no palco que homenageou Carole King.

Foi já bastante debilitada que deu entrada no hospital, em Detroit, no começo desta semana. Aretha voltaria ainda a casa mas por essa altura sucediam-se já as visitas e despedidas de amigos como Stevie Wonder, as homenagens em palco, de nomes como Beyoncé, e as previsíveis elegias fúnebres, um pouco por todo o lado.

[Fotos Reuters]