Armas: “As mulheres no Brasil estão mais vulneráveis”

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Ana Cláudia Arantes [Fotografia: Sara Matos/Global Imagens]

O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, acaba de armar milhões de cidadãos numa só noite. O decreto, anunciado a partir do Palácio do Planalto, em Brasília, na quarta-feira, 8 de maio, vem alargar o direito de porte de armas a políticos, advogados, jornalistas, camionistas e outras categorias, somando-os aos já autorizados caçadores, atiradores e colecionadores.

E para lá do aumento exponencial de brasileiros que vão poder passar a usar armas, o limite de cartuchos autorizados por pessoa, por ano, também dispara: de 50 para mil unidades.

Uma lei que tem vindo a ser publica e amplamente contestada e que tem levado especialistas a alertar para o perigo que tal configura, não excluindo as mulheres como elementos agora ainda mais vulneráveis, num país onde o femicídio tem crescido.

É exatamente dessa vulnerabilidade que a médica e autora brasileira Ana Cláudia Arantes falava ao Delas.pt, em janeiro último, quando as primeiras medidas pela liberalização de acesso às armas no Brasil estava a começar a ficar definida.

“Nos primeiros 11 dias de janeiro, houve mais de femicídios no Brasil, e isso tende a aumentar. Agora, o homem vai estar com arma em casa, vai estar bêbado ou apenas zangado, nervoso e mata”, analisa a médica. Certo é que dois meses depois desta primeira análise feita ao Delas.pt, o Brasil já somava, a 7 de março 344 casos de violência sobre as mulheres, dos quais 207 foram episódios consumados e 137 na sua forma tentada, segundo dados citados pelo diário O Globo.

“O homem vai estar com arma em casa, vai estar bêbado ou apenas zangado, nervoso e mata”

 

“Vamos ter de sobreviver e nada dura para sempre. Podemos viver nesta violência durante um tempo, mas vai mudar. Até lá as mulheres, no Brasil, estão mais vulneráveis”, reconhece a médica que se tem ocupado com os cuidados paliativos e converteu a sua experiência em livro, recentemente editado em Portugal.

Mulheres pobres e ricas diante de um mesmo perigo

Para Ana Cláudia Arantes, esta ameaça é transversal. “Esta questão da violência sobre as mulheres não está apenas restrita ao universo dos pobres. Isto também acontece nos prédios de luxo, também aí as mulheres são violentadas, e talvez estejam mais silenciosas.

“Também nos prédios de luxo as mulheres são violentadas”

Creio mesmo que possivelmente as mais pobres não tenham medo de ir à polícia falar da lei Maria da Penha, mas a alta executiva de uma grande empresa talvez não tenha essa coragem”, analisa a especialista.

Por isso, a médica olha para estes “tempos sombrios” com “profunda tristeza”. “No Brasil, já não vivíamos numa situação simples nível económico, social e outros, mas vivemos agora com uma permissão governamental para expressão de violência e do preconceito”, diz a autora que, mesmo assim, vê esperança nas lutas que possam ser travadas entre os que estão mais próximos, “mesmo que discordem entre si”.

“Ao mesmo tempo que a polícia é colocada no centro da violência e do preconceito, também temos dois policiais que se casam e fazem disso um momento público”. “Não vai ser fácil, mas se fosse fácil não era feito com gente”, afirma.

Igualdade salarial adiada, direitos do trabalho ameaçados

Para lá das armas e da violência sobre as mulheres, Ana Cláudia Arantes não esconde outras preocupações que podem estar a ameaçar o universo feminino brasileiro. “Vamos assistir a uma inviabilidade de equidade em relação ao mercado de trabalho. Ou seja, se uma mulher já não ganhava o mesmo que homem, não é agora que essa realidade vai acontecer”, considera.

“Vivemos com uma permissão governamental para expressão de violência e do preconceito”

Admite mesmo que vem ai uma época de “menos reconhecimento para as mulheres e que passa pelos direitos trabalhistas relativos à gravidez, aos primeiros anos de vida, o acesso à escola e mesmo o tipo de educação”.

Imagem de destaque: Sara Matos/Global Imagens

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