As adoções dos filhos de mães solteiras que levaram o Papa a pedir perdão

A visita do Papa à Irlanda não foi marcada apenas pelo escândalo dos abusos sexuais cometidos por padres católicos naquele país, desde 2002, e pelo alegado encobrimento dos casos, por parte das hierarquias. A Igreja Católica é também acusada, juntamente com o Estado irlandês, de práticas ilegítimas de adoções de crianças nascidas de mulheres solteiras. Situações que ocorreram ao longo de várias décadas e que foram silenciadas até há pouco tempo.

“Imploro o perdão do Senhor por esses pecados, pelo escândalo e traição sentidos por muitos na família de Deus”, disse Francisco, este domingo, durante uma visita ao Santuário de Knock, a cerca de 180 quilómetros de Dublin.

Os casos das mães solteiras pressionadas para darem os seus filhos, pela igreja e por uma sociedade católica conservadora, só recentemente foram revelados. Um artigo publicado no New York Times, no final de maio deste ano, noticiava que, entre as décadas de 1950 e 1970, um número indeterminado de mulheres grávidas não casadas foi levado a entregar os seus filhos para adoção, em processos que recorriam a práticas obscuras, como a falsificação de certificados de nascença que atestavam os pais adotivos como pais biológicos.

A agência de adoção investigada, e a que o artigo faz referência, foi a St. Patrick’s Guild, gerida pela congregação Irmãs da Caridade. Nela foram detetados 126 casos de crianças que terão sido adotadas nessas circunstâncias, mas os números do fenómeno poderão ser muito superiores e mais abrangentes. Os 126 casos identificados naquela agência fazem parte de um conjunto de 13.500 processos de adoção, tratados entre 1946 e 1969, o que leva Fergus Finlay, responsável pela organização irlandesa da instituição de solidariedade e proteção de crianças, Barnardos, a defender que cerca de 150 mil casos de adoções na Irlanda deverão ser investigados, se se confirmar que essas práticas ocorreram noutras agências.

Quando o escândalo rebentou, o primeiro-ministro irlandês, Leo Varadkar, afirmou no parlamento que estas revelações abriam “mais um capítulo negro” da história recente do país e que o governo iria contactar todos os que foram identificados como sido afetados pelo processo e prestar-lhe as informações agora conhecidas sobre as suas reais origens.

Muitas dessas crianças são agora adultos com idades entre 50 a 70 anos, que não fazem ideia de que foram adotados. “As suas identidades, o seu passado, a ideia sobre quem são e de onde vieram – estas coisas só se percebem que são fundamentais quando não as temos”, afirma Fergus Finaly, citado pelo artigo do New York Times. As autoridades governamentais adiantaram, na altura, a intenção de avançar com uma comissão independente para fazer uma investigação alargada.

Estes casos não são exclusivos da Igreja Católica irlandesa. Em 2016, um documentário do canal britânico ITV levou o cardeal Vincent Nichols, chefe da Igreja Católica em Inglaterra e Gales, a pedir desculpas pela sua participação no “sofrimento” de jovens mulheres solteiras que se sentiram pressionadas a dar os seus filhos para adoção, nas mesmas décadas a que reportam as situações relatadas na Irlanda.

“Infelizmente para as mães solteiras, a adoção era considerada [a opção] no melhor interesse da mãe e da criança, devido ao estigma associado e à falta de apoios para mães sozinhas”.

Segundo refere o jornal The Guardian, estima-se que cerca de meio milhão de crianças tenham sido dadas para adoção ao longo de 30 anos, quando a Igreja Católica, a Igreja Anglicana e o Exército de Salvação geriam, no Reino Unido, casas de acolhimento para mães e bebés e agências de adoção.

O documentário da ITV conta as histórias de algumas mulheres que deram os bebés para adoção nesse período. Em 1968, quando as adoções atingiram os mais altos números no país, foram entregues para adoção mais de 16 mil bebés filhos de mães solteiras.

O cardeal, que é atualmente arcebispo de Westminster, acrescentou, na declaração que o documentário divulga no final do filme, que “as práticas das agências de adoção, fossem religiosas, de caridade ou estatais, refletiam aquelas atitudes [de estigma] que muitas vezes carecem de cuidado e sensibilidade.”

“Pedimos desculpa pelo sofrimento causado pelas agências que atuaram em nome da Igreja Católica”, declarou então.

Nesta visita do Papa Francisco à Irlanda também não foram esquecidos os 796 bebés encontrados em valas comuns, em 2017, na localidade de Tuam, em caves da ‘Bon Secours’, um instituição dirigida por freiras católicas, para mães solteiras, que funcionou entre 1925 e 1961. Veja as imagens na fotogaleria, em cima.

 

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