“As heroínas dos meus romances históricos são sempre mulheres fortes”

Isabel-Ricardo
[Fotografia: Isabel Ricardo/Facebook]

Tinha apenas 11 anos quando escreveu o primeiro livro. Agora, neste mês de junho e em plena Feira do Livro, a autora portuguesa Isabel Ricardo vai celebrar três décadas de trabalho literário dirigido a crianças e jovens, tendo obra traduzida em inglês e histórias premiadas e reconhecidas dentro e fora de portas.

À Delas.pt, a escritora olha para o seu percurso sob o ponto de vista da paridade entre meninos e meninas na ficção e a forma como esta pode interromper a desigualdade e criar novas estruturas sociais que interrompam ciclos seculares de prejuízo para as mulheres. Um mundo onde a literatura e as heroínas da História têm caminho a fazer, como aponta a autora.

Nesta conversa por escrito, Isabel Ricardo, que em criança trazia livros às escondidas dos pais da Biblioteca da Nazaré e ‘fugia’ para ir escrever as suas histórias, lança olhar sobre o seu percurso literário, mas também sobre o futuro para a sua carreira e para a literatura.

Em que medida a crescente importância da igualdade de direitos para as meninas é refletida nas suas narrativas e aventuras ou na escolha das personagens que faz para as suas histórias infantis que escreve?

A questão dos valores é um alicerce muito patente nos meus livros, principalmente nos que se destinam aos mais novos. Procuro sempre não descurar a componente pedagógica e que as histórias tenham alguma profundidade, transmitindo conhecimentos que estimulem a imaginação e a capacidade de raciocínio, tanto em menino ou menina, e valores humanos que considero importantes para que venham a tornar-se adultos melhores, mais sensíveis e responsáveis.

A igualdade, a tolerância, o direito à diferença, a cooperação, a inclusão, a amizade, o respeito pelos outros (sejam eles pessoas, animais ou a própria natureza), a solidariedade e a generosidade são alguns dos valores que saltitam das minhas histórias. Enfim, os valores essenciais para uma harmoniosa vida em sociedade. Gosto igualmente de incentivá-los a amar a nossa Língua e a nossa História.

Como se tem vindo a refletir na sua obra?

No meu primeiro livro publicado, A Floresta Encantada, com o qual estou a comemorar este ano 30 anos de carreira literária, a personagem principal é uma menina sonhadora, a Rita. É uma fábula, com uma mensagem ecológica, e criou milhares de leitoras e leitores. Nos meus livros infanto-juvenis, rapaz e rapariga têm direitos iguais. Nem poderia ser de outra forma. Não escrevo só para meninas ou para meninos, escrevo para ambos. Em Os Aventureiros – série com uma função pedagógica na medida em que, além de cativar os mais jovens para a leitura, faz uma divulgação histórica e cultural dos diversos locais onde as ações se desenrolam, atualmente, com 14 volumes – são três rapazes e uma rapariga somente pelo facto de me ter inspirado nos meus sobrinhos para a criação das personagens da coleção. Se tivesse três sobrinhas e um sobrinho, teriam sido esses as personagens. Já em Guerreiros da Luz – uma série juvenil cativante que promove Portugal no mundo, tendo em conta que a língua portuguesa é o ponto fulcral do enredo – uma das três personagens principais é uma rapariga (Sofia Gama e a Profecia do Templário), e irá descobrir-se, no decorrer da pentalogia, que ela é o elo mais importante. Na trilogia Porto do Graal, anda não terminada, são dois rapazes e duas raparigas e todos têm os mesmos direitos e deveres, a mesma importância. Prezo muito a igualdade entre sexos, com todas as suas diferenças, claro. O direito à diferença é muito importante, até nos meus livros infantis.

“Nos meus livros infanto-juvenis, rapaz e rapariga têm direitos iguais. Nem poderia ser de outra forma”

O Fantasma das Cuecas Rotas, que é direcionado a crianças dos três aos nove anos, além de as divertir, tem uma componente pedagógica, mostrando-lhes que “Somos todos diferentes, mas todos iguais.” Em O Dragão Trapalhão e A Morceguita Destrambelhada, o tema é a descoberta de que todos somos importantes. Todos temos o nosso lugar no mundo e é bom ser diferente.

Escreve romances históricos e já escreveu sobre mulheres heroínas. Que outras mulheres gostava de poder retratar na sua ficção?

As heroínas dos meus romances históricos, além de serem as personagens principais, são sempre mulheres fortes, mulheres guerreiras, como todas nós somos. Mulheres que batalham pelo que querem e não desistem perante nenhum obstáculo. Pretendo continuar com uma personagem feminina que já entrou em A Revolução da Mulher das Pevides, romance histórico que decorre durante a primeira invasão francesa em Portugal, a Ana Luzindra, uma mulher nazarena guerreira, e que existiu. Irei voltar a retratá-la nas invasões seguintes. Nos livros infanto-juvenis, as raparigas são igualmente fortes e decididas, com virtudes e defeitos.

Com 30 anos de literatura em Portugal, mas também fora, por onde quer caminhar e porquê?

Quero continuar a publicar muitos mais livros em excelentes editoras, como atualmente acontece (Edições Saída de Emergência, Porto Editora, Editora Minotauro, Underline Publishing) e que fiquem acessíveis a todas as crianças, jovens e adultos. Atualmente, conto com 37 livros publicados e vêm alguns mais a caminho. Um dos meus sonhos é ter os meus livros publicados no maior número possível de países e em todas as línguas.

“Nos livros infanto-juvenis, as raparigas são igualmente fortes e decididas, com virtudes e defeitos”

Estou a concretizar um sonho antigo: ter os meus livros publicados também em outras línguas. Saber que irão para as mãos de tantas crianças, jovens e adultos por todos esses países, promovendo Portugal, a sua língua, a sua História e a sua cultura deixa-me extremamente feliz. Acrescido a isso é o facto de me sentir muito honrada por seis livros, entre centenas de propostas de dezenas de países, terem sido escolhidos para serem apoiados à tradução para inglês pela DGLAB – Direcção Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas e o Instituto Camões, no âmbito do LATE – Linha de Apoio à Tradução e Edição, 2020, 2021 e 2022. É sobretudo prestigiante e o reconhecimento do meu trabalho.

Para mim os livros sempre foram mágicos, proporcionando-me sensações maravilhosas, de descoberta, de viagens, de sentimentos… Sinto a mesma magia desde sempre. Não se alterou ao longo dos anos. Quero sempre transmitir essa emoção aos meus leitores desde pequenos e continuar a encantá-los, a entusiasmá-los e a cativá-los para a leitura.