As histórias e as exigências das visitas presidenciais a Portugal

Em visita a Portugal. Xi Jinping, presidente chinês, terá pago dois milhões de euros para fechar o Ritz, que até teve de fazer obras para que as limusines blindadas passassem nos portões da garagem. Cerca de duas semanas antes, o homólogo angolano, João Lourenço, instalava-se na mesma unidade hoteleira, mas, pode dizer-se agora, de forma absolutamente mais discreta. Aliás, o Ritz Four Seasons acabaria por ser base de trabalho e palco de um cocktail com autoridades portuguesas e angolanas.

À boleia da visita oficial chinesa que tem congestionado o trânsito na capital, republicamos – abaixo – uma reportagem de 2016 onde contamos décadas de visitas oficiais a Portugal e histórias de caprichos e exigências de altos dignitários e das suas passagens pelas suites presidenciais do país.

Assim que tomar posse como Presidente da República, o que tem lugar na quarta, 9 de março [de 2016], Marcelo Rebelo de Sousa passa a ter a sua própria residência oficial, mas não só. A chegada ao cargo traz-lhe ainda outras instalações condizentes sempre que estiver fora do palácio. Cada vez que se ausentar de Lisboa para visitar outras regiões terá à sua espera suites à medida e à proporção do seu estatuto: as presidenciais. Fomos conhecê-las ao detalhe.

É, porém, bom lembrar que este território há muito deixou de ser exclusivo das mais altas figuras das nações. Celebridades, músicos, líderes espirituais, empresários de topo e anónimos ilustres são cada vez mais os ocupantes dos melhores quartos de cada unidade hoteleira.

O Palácio de Belém… no Porto e em Viseu

Mário Soares foi, durante décadas, hospede do hotel INFANTE SAGRES, no Porto, o mesmo espaço que recebeu, em fevereiro de 1999, o ex-presidente Jacques Chirac em visita de Estado a Portugal ou que, uma década antes, acolheu o zairense Mobutu Sese Seko.

Na lista de ocupantes, destaque ainda para João Nino Vieira (Guiné-Bissau), que esteve em terras lusitanas várias vezes e nem sempre em hotéis, e para o brasileiro José Sarney. Há, ainda, uma curiosidade digna de nota neste hotel: a estada de Dalai Lama deixou um hábito que, crê-se, dá sorte. O líder espiritual tibetano optou por dormir no chão, com o quarto iluminado por velas, e uma dessas velas queimou o tampo de pele da secretária. Desde então se diz que tocar na mesa é bom presságio.

E se Mário Soares, que dorme sempre no mesmo quarto, terá trocado o apartamento mais luxuoso do Infante Sagres por uma acomodação mais modesta quando foi ao Porto na campanha de 2006, Cavaco Silva escolheu a suite mais ampla do hotel SHERATON PORTO na mesma ocasião. O atual Presidente da República acabou por dormir num quarto que arrecadaria, nove anos depois, o prémio nacional de Melhor Suite Presidencial em hotel nos World Travel Awards 2015.

Em Viseu, na inauguração do MONTEBELOVISEU HOTEL & SPA, Jorge Sampaio, então em funções, foi convidado a hospedar-se naquela que concorre para ser a maior suite do país, com 500 metros quadrados e dois pisos. Em 1998, Sampaio escolhera a suite presidencial do CROWNE PLAZA numa das suas visitas ao Porto. Um apartamento que, curiosamente, já albergou políticos como Cavaco Silva e, em 1994, o primeiro-ministro espanhol Felipe González. A lista deste hotel ameaça ser interminável. Vejamos: reis da Suécia, princesa Diana e príncipe Carlos, os atores Grace Jones, John Malkovich e Liza Minelli, os músicos/cantores Bob Dylan, Bryan Adams, BB King e Fafá de Belém. Na verdade, as suites presidenciais estão longe de ser prerrogativa de chefes de Estado. Elas são também, e cada vez mais, áreas de discrição requisitadas pelas mais altas personalidades e de quadrantes bem distintos.

Putin e Clinton partilharam o mesmo quarto

«Mais do que partilhar o mesmo quarto, os dois governantes partilharam a mesma cama. Em épocas diferentes, é claro!» Quem o diz, em tom de bem-humorada síntese, é uma das responsáveis de comunicação do DOM PEDRO PALACE. Situada numa das mais altas colinas de Lisboa, esta suite com mais de 400 metros quadrados tem sido uma das mais requisitadas sempre que há visitas de Estado a Portugal. A razão, explicam, é simples. «Dizem-nos que é fácil fazer a segurança porque a base de implantação do edifício é pequena, o prédio tem poucas entradas e não há partilha de espaço com o resto do hotel», conta a manager. Não faltam exemplos de personalidades mundiais a figurar na lista deste cinco estrelas. Em 2000, o Dom Pedro ganhou o cognome de Casa Branca em Portugal. «Cada vez que os telefones tocavam, tínhamos de responder” White House in Portugal”», recorda a responsável. O então presidente norte-americano, Bill Clinton, em visita a Portugal, reservou a suite presidencial para si e o FBI ocupou todo o piso inferior durante três noites.

Em outubro de 2007, era o presidente russo Vladimir Putin, a propósito da participação na cimeira UE-Rússia, quem ocuparia o 21º andar com vista panorâmica. Mais recentemente, já em novembro de 2010, a exclusiva suite foi ocupada pelo primeiro-ministro italiano Sílvio Berlusconi, quando da participação na cimeira da NATO. Consta que terá pedido trinta toalhas e cobertores de lã, prescindindo de edredão. Fruta fresca, iogurte e mel terão sido outras exigências. E se a listagem de figuras de Estado que passaram pelas Amoreiras é vasta, há outras personalidades que garantiram o seu bocadinho de céu. «Plácido Domingo ficou connosco duas vezes e pediu para ser instalado um piano», revelam.

Merkel no Ritz, Beyoncé e Jay Z no Tivoli Lisboa

Uma das maiores paradas de personalidades internacionais ocorreu a propósito da realização da Cimeira da NATO, em 2010. A chanceler alemã, Angela Merkel, e a sua comitiva terão ficado no RITZ FOUR SEASONS. No total, foram reservados 34 quartos, uma informação que o hotel não confirma ou divulga. Menos secretas têm sido as visitas que mereceram entrada no livro dos 40 anos deste cinco estrelas. Helmut Kohl, antecessor de Merkel ,foi um dos hóspedes que tiveram vista desafogada sobre o Parque Eduardo VII quando passou por Lisboa, nos anos 1980.

Ainda nessa década, o Ritz recebeu a visita dos presidentes Raúl Alfonsín, da Argentina, Jaime Lusinchi, da Venezuela, e Óscar Arias, da Costa Rica. E se nos anos 1960 o hotel recebeu o secretário de Estado norte-americano Henry Kissinger, já nos anos 1990 foram José María Aznar, primeiro-ministro de Espanha, Joaquim Chissano, presidente de Moçambique, e Jean-Pascal Delamuraz, presidente da Confederação Suíça, quem fez parte do livro de honra.

Apesar de se chamarem presidenciais, as suites mais luxuosas destes hotéis têm estado disponíveis também para outras figuras mediáticas. A longa lista do Ritz inclui nomes como Audrey Hepburn, Ingrid Bergman, Antonio Banderas, Melanie Griffith, Igor Stravinsky, José Carreras, Mario Vargas Llosa e Bill Gates.

Mais recentemente, Beyoncé e Jay Z escolheram o TIVOLI LISBOA para se instalarem quando visitaram a capital. O SHERATON LISBOA destaca a passagem de individualidades como o ex-presidente da URSS Mikhail Gorbachev e o homólogo dos EUA, Bill Clinton, a par de outros chefes de Estado que participaram na Cimeira da NATO em 2010. Mais recentemente, em 2014, o PENHA LONGA RESORT, no Parque Natural de Sintra-Cascais, reservou todo o espaço para acolhero Fórum Anual do Banco Central Europeu. Christine Lagarde, diretora do FMI, Mario Draghi, presidente do BCE, e o Nobel Paul Krugman, entre outros, ficaram hospedados neste resort. Se ocuparam ou não as duas suites presidenciais, esses são pormenores que o hotel, que dispõe de uma (ainda mais luxuosa) suite imperial, não revela. Sabe-se, porém, que Bill Clinton já jogou golfe no green do resort.

Duches alcatifados, banhos de água das pedras e dardos na sala

Este é um dos mundos mais peculiares e curiosos no universo da hotelaria, onde o anonimato é quem mais ordena mas onde as histórias e os pedidos mais insólitos surpreendem. A suite presidencial do TIVOLI VICTÓRIA conta com algumas. «Um cliente pediu especificamente pastéis de Belém e fomos a Lisboa comprar», afirma a assessoria do hotel. O cinco estrelas de Vilamoura já recebeu figuras como o príncipe Eduardo de Inglaterra, a meia-irmã de Barack Obama, Auma, Steve Forbes, Franz Beckenbauer e Pamela Anderson. Mas há mais histórias: «Tivemos uma cliente que alugou a suite por uma noite para uma festa de aniversário da filha com seis amigas, que incluía jantar, massagista, maquilhagem e cabeleireiro na suite.» O insólito é que a filha e as amigas tinham 6 anos.

O SHERATON LISBOA já teve de responder a exigências diversas requeridas por quem ficou na suite mais luxuosa e que partiram sobretudo de grandes estrelas musicais, cujo anonimato salvaguardam. Limpar as instalações com álcool, forrar o duche com alcatifa, preparar banhos de imersão em água das pedras e transformar uma das divisões em sala de dardos são apenas alguns exemplos.

No RITZ FOUR SEASONS não exigiram duche alcatifado, mas antes chão de casa de banho e quarto forrados de material esponjoso. Em matéria de privacidade, as exigências já incluíram janelas tapadas com películas pretas, móveis próprios do cliente para decoração, lâmpadas e candeeiros alterados. Bono foi mais longe. O vocalista dos U2 terá exigido, em 2010, que a sala de reuniões do INFANTE SAGRES fosse equipada para suportar outro tipo de serviços: um ginásio de luxo. Isto porque o cantor precisava de fazer fisioterapia à coluna, na sequência da queda num ensaio.

O THE YEATMAN, em Gaia, e o BELMOND REID”SPALACE, no Funchal, também lidam com exigências insólitas. A suite do primeiro já foi palco de vários pedidos de casamento, chegadas de helicóptero diretas ao quarto e pedidos de decoração mais arrojada. E os dois apartamentos de luxo do segundo também têm histórias para contar: «Uma famosa cantora internacional exigiu um piano no quarto, que teve de entrar pela varanda, para que pudesse treinar antes da sua atuação, mas como vinha muito cansada, nem olhou para ele», revela a assessoria do clássico madeirense.

Sendo de uso exclusivo, até pelos preços que são praticados, certo é que estes quartos de nível superior (que têm como requisito obrigatório deter as valências de um apartamento) vão conhecendo hóspedes de quadrantes cada vez mais diversos, mas também vão sendo palco de usos mais distintos. «A nossa suite presidencial já foi reservada para reuniões de conselhos de administração de empresas e penso que a escolha se deve ao facto de ser um local menos formal mas muito confortável», refere José Arimateia, responsável de comunicação do grupo Visabeira, detentor do MONTEBELO VISEU HOTEL & SPA. E não é caso único. As unidades de luxo dos vários hotéis ampliam cada vez mais os serviços e estão equipadas com sala e mobiliário de jantar. Tal permite a receção de convidados e o serviço de refeições incluindo, a pedido, a presença de um chef e de mordomos.

Há, porém, quem defenda que a ética do setor exige que as suites passem a ser presidenciais apenas depois de terem recebido um detentor, português ou estrangeiro, desse mesmo cargo. Tal máxima, dizem, aplica-se também às reais e imperiais. Há, porém, quem defenda que a designação – tal como já sucedeu com as reais e as majestic – esteja a cair em desuso. Os hotéis mais tradicionais seguram o título presidencial, mas cada vez mais – afiança quem conhece o setor – as unidades contemporâneas tendem a diversificara terminologia. Para lá destas especificidades, há uma premissa inabalável:o luxo. E esse está sempre lá, em cada pormenor que evoca a exclusividade.

Imagem de destaque: Divulgação

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