Garry Marshall morreu, esta terça-feira, aos 81 anos, em Burbank (Califórnia), e o seu nome vai ficar para sempre ligado ao filme Pretty Woman: Um Sonho de Mulher, que lançou Julia Roberts para a fama mundial.
Mas o sucesso do realizador, produtor, argumentista e, ocasionalmente, ator – chegou a fazer, entre outras interpretações, vozes para os Simpsons e os Looney Tunes – está longe de se confinar à comédia-romântica de 1990 cuja história fala de uma prostituta (Julia Roberts) que se apaixona por um cliente, um homem de negócios rico e bem-sucedido, interpretado por Richard Gere, e vê a sua vida mudar com essa relação.
Apesar de ser o seu filme mais conhecido, o que Pretty Woman na realidade representa no seu percurso cinematográfico é a tendência para dar às mulheres quase sempre um destaque central nos seus filmes. Tendência, essa, que se reforça, precisamente a partir desse trabalho.
Mas antes dele, Garry Marshall, que também foi o criador de séries de TV de sucesso como Happy Days, já tinha feito das atrizes Bette Midler e Barbara Hershey as protagonistas do melodrama Eternamente Amigas (1988). Ao contrário do Pretty Woman, este filme retrata duas mulheres bem diferentes de Vivian Ward, a prostituta interpretada por Julia Roberts. À semelhança do que viria a acontecer em muitos dos seus títulos seguintes, que se foram centrando cada vez mais em personagens femininas. Ora mais românticas e ingénuas, mas nem por isso superficiais, ora mais complexas, fortes e capazes de superar traumas e desafios.
Além das atrizes mencionadas, a maior parte das grandes estrelas femininas (e não só) de Hollywood trabalhou com o realizador. Michelle Pfeiffer, Juliette Lewis, Diane Keaton, Anne Hathaway, Julie Andrews, Kate Hudson, Jane Fonda, Lindsay Lohan e Felicity Huffman foram protagonistas das comédias e dramas dirigidos por Garry Marshall.
Veja a nossa fotogaleria com alguns dos filmes onde essas atrizes entraram
“Um dia de Mãe” foi o seu último filme a chegar aos cinemas. Estreado este ano, é uma comédia dramática protagonizada por Jennifer Aniston e por outras duas atrizes repetentes na sua filmografia: Kate Hudson e Julia Roberts. Mas será, sem dúvida, a atriz de Noiva em Fuga (filme que Marshall estreou em 1999 e que conta também com Richard Gere) aquela que mais colaborou com o realizador.
Pretty Woman para o século XXI
Quando em abril deste ano deu uma entrevista à ‘Vanity Fair’, o cineasta ainda não sabia quem iria fazer a personagem de Roberts, na adaptação de Pretty Woman a musical da Broadway.
“A Julia Roberts já disse: ‘eu vou à noite da estreia’. Mas não sei quem vai fazer o papel, ainda não fizemos o casting”, referiu na entrevista, quando ainda estava a meio do processo criativo. Contudo, já nessa altura, o realizador manifestou a vontade de introduzir algumas alterações para tornar o musical “ainda melhor” e “certamente mais positivo”, como sublinhou. O espetáculo deveria servir também como uma oportunidade de atualizar a personagem Vivian, dando-lhe um poder que não teve há 26 anos.
“Vamos ser honestos: tradicionalmente, uma prostituta num filme ou tem de morrer ou ser castigada. O Pretty Woman é um dos primeiros onde ela não é particularmente punida, e fomos criticados por tê-lo feito. Mas o que o J.F. Lawton [autor do guião] quis afirmar que ‘qualquer um deve poder errar sem ter que se morto por causa disso.”
Mesmo assim, segundo outro artigo da mesma revista, o argumento original de J.F. Lawton era um drama sobre prostituição muito mais negro e o seu final bem menos risonho que o que veio a ser trabalhado para o filme. Essas alterações, aconteceram, em boa parte devido à pressão de Laura Ziskin, produtora-executiva deste clássico das comédias românticas.
No ano seguinte à estreia de Pretty Woman, Laura Ziskin explicou à revista ‘People’ que “não quis fazer um filme cuja mensagem fosse um rapaz simpático que aparece, te oferece boas roupas, muito dinheiro e te faz feliz”. Assim, em vez de o final mostrar Vivian e a amiga a partirem sozinhas para a Disneylandia, como previa o guião inicial, o filme termina com Edward (personagem interpretada por Richard Gere) a resgatar a jovem prostituta de uma vida infeliz e trágica. E para a produtora também Vivian “o salva de volta”, ainda que essa mensagem não seja tão evidente e pareça ter passado despercebida a algumas atrizes, como Michelle Pfeiffer e Jennifer Jason Leigh, que recusaram o papel, considerando-o sexista.
Talvez por isso, Garry Marshall tenha dito, na entrevista à Vanity Fair, que gostaria de recuperar para o musical uma deixa de Vivian, que, estando no guião, não chegou a aparecer na versão em filme. “Quando as coisas corriam bem, a Vivian dizia: ‘A letra V costumava ser de vítima, agora significa Vivian’”, contou o realizador, para quem esse simbolismo teria de estar presente no novo espetáculo. “Eu não gosto que as mulheres sejam vítimas. É altura de parar com isso”, acrescentou ainda.
O cineasta chegou a apontar o ano de 2017 para a estreia da adaptação à Broadway de Pretty Woman, mas com a sua morte o futuro da produção é incerto. O que é garantido são as dezenas de filmes que nos deixou e onde não faltam mulheres muito diferentes entre si e com outro V, o de vencedoras.
Imagem de destaque: REUTERS/Fred Prouser