Associação pede a deputadas angolanas que não deixem criminalização do aborto avançar

mulher grávida

Uma associação que defende direitos sexuais e reprodutivos em Angola escreveu às deputadas angolanas pedindo que não seja aprovada a criminalização total do aborto, como previsto na última versão da proposta de código penal, alegando ser anticonstitucional.

A posição foi assumida pela Associação Observatório de Políticas Públicas da Perspetiva de Género (ASSOGE), liderada pela ativista Delma Monteiro, numa carta dirigida ao Grupo de Mulheres Parlamentares, a que a Lusa teve hoje acesso, na qual se recorda que “as práticas abortivas são um facto” em Angola, acontecendo “de forma ilegal e insegura”, em “ambientes domésticos como nas clínicas, nos hospitais e nos centros de saúde públicos, praticadas pelos profissionais de saúde ao serviço do Estado e com os recursos do Estado”.

“Acreditamos que a criminalização do aborto não inibirá a prática do mesmo e terá um impacto negativo no sentido de aumentar as mortes maternas decorrentes de abortos ilegais e inseguros”, lê-se na carta enviada pela ASSOGE às deputadas angolanas.

Afirmam, aludindo a estudos sobre a legalização do aborto em países africanos como África do Sul, Cabo verde, Moçambique e Tunísia, que esta medida resultou “na redução significativa das mortes maternas”.

“Podemos afirmar que o aborto seguro salva milhares de vidas femininas que atualmente recorrem à prática ilegal”, enfatizam, ao mesmo tempo que sustentam que se a criminalização total avançar, configurará uma “inconstitucionalidade”.

“Pois viola diretamente um direito humano fundamental”, escrevem, apontando nomeadamente preocupações com abortos médicos em casos de agressão sexual, violação, incesto ou quando a gravidez põe em risco a saúde mental e psíquica da mãe ou do feto, que passam a ser proibidos.

Recordam que “a maioria das unidades sanitárias em Angola tem carência de ácido fólico e ferro”, uma “medicação fundamental” durante a gravidez para prevenir a anemia, má formação do feto, aborto espontâneo e a morte materna perinatal.

“Nestas condições, o risco de morte da mulher é elevado. Adiciona-se a esta situação um quadro de pobreza e baixo nível de escolarização e informação feminina, que empurra um número considerável de mulheres ao aborto inseguro e ilegal”, reconhece a ASSOGE.

Segundo a associação, que trabalha há três anos na área dos direitos sexuais e reprodutivos, nomeadamente no programa de planeamento familiar bem como técnicas, métodos, profissionais e tratamento para as mulheres nas unidades sanitárias públicas, ocorrem atualmente 477 mortes maternas por cada 100.000 partos em Angola. Deste total, 72 vítimas mortais são decorrentes de abortos inseguros.

Numa posição divulgada a 31 de março, o MPLA, partido no poder em Angola, não se comprometeu com uma nova versão do Código Penal, no que toca à criminalização total do aborto, admitindo que o assunto necessita de uma solução “equilibrada e realista”.


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A posição está expressa no comunicado da reunião do bureau político do Comité Central, na qual o partido “foi informado” sobre o processo de apreciação do projeto de Código Penal, que inicialmente previa a descriminalização da interrupção voluntária da gravidez nos casos de saúde e violação.

Na versão final, já no parlamento, em março, a proposta do Governo foi alterada e passou a proibir toda a prática de aborto em Angola, medida saudada entretanto pela Igreja Católica e criticada, com protestos de rua, por alguns setores da sociedade angolana, com o grupo parlamentar do MPLA a retirar o documento da votação final, para reapreciação, sem novas datas para decisão conhecidas.

A 18 de março, já depois das alterações no parlamento, com a proposta de criminalização total do aborto com penas de prisão, um grupo de mulheres promoveu uma marcha de protesto, alertando para o número de gestantes que morrem diariamente ao realizarem abortos clandestinos.