A idade pesa na representação? Sete atrizes portuguesas respondem

Recentemente, quando ganhou o prémio para Melhor Atriz Feminina de Série Televisiva, nos SAG Awards, a atriz Nicole Kidman, de 50 anos, usou o seu tempo de discurso para falar dos entraves que a idade coloca, muitas vezes, às atrizes e lembrou: “Há 20 anos, nesta fase das nossas vidas, éramos afastadas [da indústria] – agora já não é assim. E que bom que é que as nossas carreiras possam ir além dos 40 anos de idade”, sublinhou.

Também a atriz Isabella Rosselini foi dispensada pela marca de cosméticos Lâncome quando chegou aos 42 anos. Agora, 23 anos depois e com 65 anos de idade, voltou a ser contratada pela mesma marca.

Na data em que se celebra o Dia Mundial do Teatro – 27 de março – o Delas.pt pergunta a várias atrizes portuguesas sobre se a idade é um posto na representação, ou se, pelo contrário coloca entraves na procura de trabalho e na obtenção de papéis. Sofia de Portugal, Anabela Moreira, Alda Gomes, Fernanda Serrano, Rita Lello, Custódia Gallego e Graça Lobo traçam a sua visão sobre a realidade portuguesa, nesse aspeto, e revelam se se reveem ou não nas palavras de Nicole Kidman. As opiniões estão longe de serem unânimes.

Questionário:

1- Os exemplos de Nicole Kidman e Isabella Rossellini também se refletem na realidade portuguesa, seja na área da representação, seja na imagem da atriz noutros trabalhos (como a publicidade)?

2- Sente que perdeu papéis por estar a envelhecer, teme perder, no futuro, ou acha que essa questão já não se coloca e as atrizes têm trabalho em qualquer idade?

(Bianca Bernard)

Sofia de Portugal, 46 anos:
1) Em Portugal é mais cedo, com 35 anos. Normalmente ou as atrizes têm um estatuto de vedeta ou em televisão, em cinema, é-se bastante arredado. Por vários motivos. O primeiro é económico, porque quando nós temos mais know how temos um escalão superior. As companhias teatrais com menos dinheiro trabalham com estagiários, maioritariamente, e é por uma questão de sobrevivência, não que não nos reconheçam talento, mas não têm possibilidades de pagar a atores a partir de determinado estatuto. A TV tem a lógica comercial, portanto a partir dos 35 anos as atrizes fazem de “avós” e só aquelas que têm muitos seguidores é que de alguma forma podem aguentar um bocadinho mais. Entre os 35 e os 55 anos há – toda a gente sabe, toda a gente fala disso – uma espécie de deserto até se ser velha. Passa-se diretamente de uma mulher de uma idade normal para velha. É como se os criativos não escrevessem para essas idades. O mercado tem um grau de crueldade tremenda com as pessoas mais velhas não é só com as mulheres. Com as mulheres é mais trágico porque é mais cedo – a partir dos 35. Aos atores homens acontece a mesma coisa, mas mais tarde.

2) Sim, claro que sim. Eu tenho a sorte de dar aulas e de criar os meus próprios projetos, tenho a sorte de ser também encenadora e criadora. Desenvolvo trabalho para a minha faixa etária. Se não fosse isso, seria muito trágico para mim. Tenho essa sorte.

(Pedro Rocha / Global Imagens )

Anabela Moreira, 42 anos
1)É uma questão universal e obedece a padrões que nós próprios cultivamos, conscientemente ou não. Endeusamos a juventude. Temos medo de envelhecer? A grande maioria. Perguntem à maioria das mulheres ou dos homens sobre este assunto e será fácil perceber o padrão. Se essa questão existe dentro de nós como podemos ficar chocados ao encontrá-la espelhada no nosso dia-a-dia? Não tenho ilusões sobre isso. Se é a juventude que nos fascina como podemos querer que seja a nossa maturidade a fazer a diferença?

2) Acho que os papéis que tenho tido desde os 30 são sem dúvida muito mais interessantes que todos os que tive até essa idade. Não posso querer fazer papéis de uma mulher de 20 e não os quero. E compreendo que existe uma industria que privilegia a juventude. Acredito que nos trabalhos que realmente valem a pena essas questões não se colocam. Tenho tido mais ofertas do que nunca e considero-me privilegiada em poder escolher os projetos em que participo.

(Carlos Ramos)

Alda Gomes, 39 anos:

1) É natural que quando uma atriz chega aos 40, esteja mais madura e queira novos desafios profissionais. É natural que seja mais exigente e isso requer também mais oportunidades e espaço no meio de trabalho. Tudo se adapta, tudo segue o seu curso normal. Na realidade portuguesa, as coisas estão a entrar nesse caminho. Eu vejo o lado positivo desta questão: mais idade, mais experiência e maturidade. Tão bom que é podermos fazer o que mais gostamos em qualquer idade e ainda para mais sendo mulher.

2) Eu não consigo prever o futuro, mas acredito que as coisas estão bem encaminhadas. As atrizes têm trabalho em qualquer idade e vão continuar a ter, disso não tenho qualquer dúvida. E sim, que bom que é que as nossas carreiras possam ir para lá dos 40, 50, 60 etc… porque representamos, no palco, na televisão, no cinema, mulheres reais de todas as idades. Tenho muita sorte, até porque estou a viver uma belíssima fase profissional com vários trabalhos em simultâneo: estou em cena com o musical ‘A Terra dos Sonhos’, estou a gravar o filme ‘Linhas de Sangue’, sou voz de companhia de um hipermercado, embaixadora da LEV… O segredo é não desistir de acreditar.

(Jorge Amaral/ Global Imagens)

Fernanda Serrano, 44 anos:

1)Penso que sempre existiu esse estigma. Nesta altura, pelo contrário. Acredito sim que a idade traz maior credibilidade, segurança e esperança a todas as mulheres, sejam elas atrizes, arquitetas, terapeutas ou advogadas. A idade traz vantagens e é tida como uma grande mais-valia.

2)Recordo-me de estar no início da minha carreira, teria 20 anos e de com alguma esperança e muita curiosidade, olhava para atrizes de 30 e com uma certa “inveja”, pensava que interessante mulher e atriz. Que os melhores papéis seriam para mulheres desta faixa etária e não para miúdas como eu. Limitei-me a aprender, observar, trabalhar muito e esperar pelos “tais” personagens. Aos 30, realizei que o melhor ainda estaria por vir e que as atrizes, que eram e são a minha referência, com então 40 e 40 e muitos, estavam no seu auge da interpretação, da feminilidade, do entusiasmo e da exuberância, continuei em frente. Agora que cheguei aos 44, sinto que estava tudo certo, que fiz o percurso que deveria ter feito, que tive papéis absolutamente maravilhosos, tenho muita sorte pelas escolhas que fiz e oportunidades que tive e que criei, e que o melhor ainda está para vir. A todos os níveis. A verdade é que é muito confortável e motivador pensar assim. Sempre trabalhei muito e bem, com papéis decisivos, diversificados e que cimentaram o meu percurso, fiz muita publicidade e continuo a fazer, porque agora, mais que nunca, sei que a idade para além de sabedoria e calma, espelha a confiança e a segurança. Assim venham os cinquenta, sessenta e setenta. Sempre brilhantes!

Custodia Gallego
(Leonardo Negrão / Global Imagens)

Custódia Gallego, 59 anos:

1)De alguma forma sim, se bem que eu acho que é sobretudo na ficção [televisiva]. Não no teatro e no cinema, porque no teatro, usam-se muito mais peças clássicas e não só peças contemporâneas. Acho que tem a ver com a distribuição de géneros e de idades na própria sociedade. A ficção de televisão é a ficção do quotidiano, do nosso dia-a-dia, da atualidade. E nesse sentido, até há pouco tempo, a sociedade era maioritariamente masculina e menos feminina, pelo menos ativamente, mais jovens do que mais velhos e nesse sentido sim. Se calhar, num núcleo familiar há quatro casais de 30 anos, sete filhos de 15 e 16 e dois pares de avós ou se calhar já só um par de avós. Evidentemente que nesse núcleo só há duas pessoas mais velhas e 10 abaixo dos 30 anos. É uma estatística que não sou capaz de calcular assim. Acho que é natural que as pessoas mais velhas, como em todas as profissões, vão tendo menos possibilidade de trabalho do que tinham há dez ou há 20 anos. Mas acho que é uma coisa que tem a ver com as histórias, com a sociedade e com a maneira com que a gente lida com as várias idades.

2) Não, isso não. Quanto mais para trás vou mais dificuldade eu me lembro de ter parado de ter trabalho, mas isso deduzo que seja pela experiência que a gente tem e pela quantidade de gente com a qual já trabalhámos, se valemos a pena ou não valemos a pena para eles (testemunho recolhido por Florbela Lourenço).

(José Carlos Pratas)

Rita Lello, 48 anos:

1) Acho que a profissão de ator – nem é de atriz, é de ator – é uma profissão de toda a vida, há personagens para toda a vida. E se pensarmos no teatro, por exemplo, que é a área nobre da representação, essa barreira da idade do ator/idade da personagem já foi esbatida e transgredida há muito tempo. Já no século XIX as senhoras com 70 anos faziam a Julieta. E hoje em dia está completamente diluída a questão da idade, talvez não no teatro comercial, mas no teatro de pesquisa e no mais erudito – se quisermos chamar-lhe assim. Essa questão não é uma questão.

2) Não. As minhas personagens têm-me acompanhado. Normalmente, tenho feito personagens um bocadinho mais velhas do que eu, mas quando digo mais velha são três anos que a personagem tem a mais do que eu tenho, na sinopse. O que quer dizer que depois ela tem a minha idade. Os atores têm a idade que parecem, não têm a idade que têm. É por isso que digo que, no que diz respeito a estar profissão, a idade é uma questão virtual, para mim não se põe. Até agora, nunca senti. Na televisão tenho tido sempre convites e as personagens têm acompanhado a minha idade naturalmente. Talvez quando tinha “vintes” estivesse a fazer personagens com “trintas” e muitos, mas neste momento faço personagens com menos dois anos que eu, ou mais dois anos que eu.

(Fernando Farinha)

Graça Lobo, 78 anos:

1) A idade condiciona imenso. Portugal, no teatro, está como Hollywood está no cinema. E senti isso, agora já me estou nas tintas, já me é indiferente.

2) A partir dos 40 não senti, porque eu era uma beleza, era eu que escolhi-a as coisas que fazia. Senti a partir dos 50 e tal. Eu é que produzia os meus espetáculos, fazia aquilo que queria, mas, de facto, quando deixei de poder fazer aquilo que eu queria tinha 53 ou 54 anos e verifiquei – e estou a verificar agora com as minhas colegas – que cá em Portugal não se fazem espetáculos com papéis para atrizes mais velhas. Tem de ter tudo vinte aninhos, com umas carinhas larocas e corpinhos larocas – o que eu acho muito bem! – mas é preciso mais para se ser atriz. Eu não vejo por aí nenhuma miúda com uma carinha laroca e um corpinho laroca a ser um espanto de atriz, não vejo. As pessoas com idade refinam, de facto, em tudo: na medicina, na ciência, nas artes.