Bairro de Paris “invadido” com frases em português contra violência sobre mulheres

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Um dos bairros de Paris acordou esta quinta-feira, 19 de setembro, com cartazes, escritos em português, numa ação de rua contra a violência sobre as mulheres, uma iniciativa do movimento “Collages Feminicides”, que tem feito este tipo de ações ilegais nas ruas, refere uma reportagem da Agência Lusa.

A ideia de colar os cartazes em português, a par do francês e outras línguas já usadas, partiu de Marguerite Stern, filha de pai português.

“Eu deixei o Femen [movimento feminista onde as militantes pintam os seus corpos], em 2015, fui viver para Marselha, uma cidade violenta para uma mulher e deixei de lado a militância. Mas depois acabei por perder o meu trabalho por causa das minhas convicções e tive a ideia das folhas A4 com estes slogans. Comecei a fazer isto sozinha e quando me mudei para Paris tinha este espaço livre e decidi pô-lo à disposição de outras mulheres”, disse Stern em declarações à Lusa.

A mudança de Marguerite Stern para Paris coincidiu com o 100.º femicídio do ano em França, um número que foi divulgado no final de agosto e mostra que em 2019 o número de mulheres mortas pelos seus companheiros ou ex-companheiros pode voltar a subir no país. Coincidiu também com a abertura de um debate alargado promovido pelo governo entre as autoridades e várias associações para estudar a melhor forma de combater a violência contra as mulheres.

Fotografia: DR

 

Para a ativista lusodescendente, a iniciativa do governo é “ridícula” porque a solução é simples e está identificada, segundo os ativistas: investir cerca de mil milhões de euros para resolver o problema da violência, com investimento na formação da polícia, acompanhamento jurídico e educação.

O movimento, constituído por mulheres que pintam e colam slogans sobre a violência cometida contra as mulheres pelas ruas de Paris, tem ganho destaque nas redes sociais pelas frases fortes que tem espalhado pelos muros de Paris como “Não queremos mais contar os nossos mortos” ou “Ela deixa-o, ele mata-a”.

A participação é informal e o projeto cresceu amplificado pelas redes sociais, especialmente através da rede social Instagram. Desde o início de setembro, quando o coletivo ganhou força, já passaram por aqui cerca de 150 voluntárias em duas semanas.

As consequências destas colagens ilegais – não está autorizada a colagem destes cartazes pelas autoridades – não assustam Luísa Semedo. Conselheira das Comunidades Portuguesas, esta portuguesa voluntariou-se para ajudar o coletivo através das redes sociais e afirma que a desobediência civil se tornou um meio de resistência.

“Não tenho medo nenhum. Chega a um momento em que a injustiça é tal que a desobediência civil é um dever. Quando se sente que os poderes públicos não estão a tratar de uma causa que é urgente quer dizer que alguma coisa está mal e já não se vai lá com palavras”, explicou Luísa Semedo, que passou ao coletivo as frases “O machismo mata todos os dias” e “Nem uma mais” em português que agora fazem parte da paisagem urbana parisiense.

A portuguesa espera que esta ação seja replicada em Portugal – como já aconteceu na Turquia e outras cidades francesas: “Acho que é perfeitamente possível porque ainda é uma questão importante em todos os países”.

E é por isso que o coletivo tem insistido em frases em diversas línguas como o inglês, espanhol, alemão ou turco, assim como a localização das colagens.

Depois de já terem colado frases nas Pirâmides do Museu do Louvre, o coletivo quer continuar a inundar o centro da cidade, onde milhares de turistas tiram fotografias diariamente.

A escolha dos muros é aleatória. Quem passa tira fotografias, fica a ler as mensagens até estarem completamente coladas e várias pessoas dizem “obrigado” ou “bravo” a quem está a colar.

O apoio é importante para Maïwenn, que vê nesta ação um significado mais profundo: “A violência acontece na minha casa. Quando ele não está contente, quem sofre é mais a minha mãe, mas eu também”.

A família de Maïwenn é anónima, mas cada vez mais famílias de vítimas de femicídio têm pedido ao coletivo mensagens personalizadas para homenagear as mulheres que perderam.

A família de Françoise, uma sexagenária morta pelo marido em dezembro de 2016, em Malo-les-Bains não hesitou. A frase “Françoise, morta pelo marido a 18.12.2016, ela faz-nos falta” vai ser colada brevemente num muro em Paris.

LUSA

 

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