‘Baleia Azul’ não é um jogo mas no 4gamers ensina-se a combatê-la

Os psiquiatras infantis rejeitam a ideia de que a ‘Baleia Azul’ seja um jogo e desincentivam o uso deste termo, que pode ser considerado apelativo ou desafiador pelos jovens. Em vez disso consideram-no um esquema de manipulação de abuso de menores, que em Portugal já fez vítimas e tem deixado pais e autoridades em alerta. Este fim de semana a Procuradoria-Geral da República (PGR) decidiu atribuir ao Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) a investigação dos casos relacionados com a ‘Baleia Azul’, em colaboração com a Unidade Nacional de Combate ao Cibercrime e à Criminalidade Tecnológica (UNC3) da Polícia Judiciária. Jogo ou esquema, o que é certo é que a ‘Baleia Azul’ beneficia da apetência que os jovens de hoje têm pelas tecnologias. Essa relação é, de resto, o tema do workshop ‘Internet: Sim ou Não?’, que se realiza este domingo, 7 de maio, às 17h, no evento de jogos ‘4gamers’, a decorrer no Parque das Nações, em Lisboa. A psicóloga Bárbara Ramos Dias, que trabalha com adolescentes, participa na sessão, onde, entre outros temas, se procurará ensinar os pais a ajudar os filhos a circular de forma segura na internet. Ao Delas.pt, a psicóloga da BRD Teen antecipa o que vai tratar neste workshop e explica a que sinais de comportamento os pais devem estar atentos.

Porquê falar do jogo da ‘Baleia Azul’ no âmbito deste encontro do 4gamers?
Uma vez que este evento pretende reunir todos os amantes dos jogos virtuais, como jogadores profissionais, streamers, youtubers e seguidores, acredito que este seja também um local apropriado para uma “campanha” de sensibilização e prevenção de possíveis problemas ou comportamentos menos saudáveis. Assim, tal como o fenómeno ‘Baleia Azul’, são vários os desafios que invadem as redes sociais e por isso, que chegam até estes utilizadores natos através deste meio de comunicação. Acredito que, antes de se ouvir falar desta problemática, já grande parte destes utilizadores tinham conhecimento acerca do mesmo. Por esta mesma razão, torna-se imprescindível não só, alertar os pais, mas falar diretamente para os adolescentes. Sabe-se também que, muitos são os seguidores destes adolescentes, vendo-os como uma figura de referência e modelo a seguir, sendo que, tendem grande parte das vezes seguir os seus comportamentos. Com este evento, não pretendemos falar sobre o fenómeno ‘Baleia Azul’, mas sim, sobre um problema que vai mais além, como, a falta de comunicação entre pares, a importância da confidencialidade de cada utilizador, o possível impacto de os seus comportamentos online têm nos outros.

Em que vai consistir o seu workshop? Crê que os jovens presentes estejam disponíveis para ouvir e falar sobre este tipo de jogos?
O nosso workshop irá incidir sob a problemática que nos últimos dias tem sido amplamente discutido, ou seja, sobre os jogos virtuais e virais que suscitam a curiosidade das nossas crianças e adolescentes. Esperamos que a partilha de experiências no workshop entre pais e, posteriormente entre adolescentes enriqueçam a visão que todos temos sobre motivações e soluções que podemos procurar juntos, para uma forma de atuação mais assertiva face a esta ferramenta. A nossa missão neste evento, é sensibilizar os pais e os mais novos, não só quanto aos perigos da internet, mas também, quanto à sua mais-valia no processo de desenvolvimento e conhecimento, sendo esta uma ferramenta que nos permite conhecer o mundo com um simples click. Esta é um dos meios de comunicação que mais se tem desenvolvido na última década, e quando utilizada de forma consciente e responsável, torna-se bastante útil no nosso dia a dia. Acredito que, tendo em conta a discussão sobre o fenómeno da ‘Baleia Azul’, os pais serão os mais interessados nesta temática, sob forma de adquirirem ferramentas e um maior conhecimento de como prevenir e atuar. A verdade é que muitos pais não compreendem as motivações que advém, desta vontade e interesse dos seus filhos pelos jogos, e que, veem determinado comportamento como um sinal de isolamento. Na BRD Teen, após todo o mediatismo deste caso, temos recebido não só pedidos de ajuda de pais, como, algumas dúvidas de adolescentes que pretendem saber mais e compreender aquilo que se passa. Isto faz-nos pensar e acreditar, que este é uma tema que vai agradar a qualquer geração, e mais importante que isso, que irá ter um papel ativo na prevenção e consciencialização de todos.

Até agora, fontes oficiais falam em oito vítimas portuguesas relacionadas com o jogo da baleia azul, mas também sabemos que as vítimas mais graves foram adolescentes do sexo feminino. Há mais raparigas a submeterem-se a este jogo e a este tipo de jogos do que rapazes? Se sim, porquê?
Na minha opinião, não existe uma relação direta destes jogos com o género. Qualquer criança e adolescente que apresentem maior fragilidade emocional ou que estejam em sofrimento psicológico, são mais suscetíveis a serem manipulados e aliciados a entrar neste tipo de fenómenos.

E nas mutilações observam-se diferenças? As raparigas vão mais longe, por exemplo?
Os comportamentos auto lesivos estão na base de uma resposta desadaptiva face à gestão de emoções difíceis e intensas. O período de adolescência, é um período marcado por grandes alterações e mudanças na vida de qualquer criança / adolescente, sendo que, tudo aquilo que lhes acontece é sentido de uma forma bastante intensa. Quanto maior for a intensidade do sofrimento psicológico, maior poderá ser a intensidade da auto-lesão, e isto, em nada tem a ver com o género, mas sim com o período de vida, grupo de suporte e nível de desenvolvimento de cada um.

Quais os sinais que devem colocar os pais de alerta? Há sinais diferentes para rapazes e raparigas? Se sim, quais? Nada indica que existam diferenças quanto aos sinais de alerta entre géneros. O importante é ter presente a ideia de que, um sinal de alerta é qualquer
alteração de comportamento, e por isso, mais uma vez, saliento a importância dos pais e
da escola, nomeadamente, dos professores estarem atentos a esta questão. Como sinais, temos: o isolamento, afastamento da família e/ou amigos; perda do interesse nas atividades que costumava fazer, ou considerava prazerosas, e perda do interesse nas pessoas; alterações ao nível do sono (insónias ou dormir mais do que o habitual); alterações ao nível do apetite; irritabilidade, crises de raiva; recusa em ir à escola; bulliyng; interesse anormal por filmes de terror; preocupação e interesse excessivo por temas de morte e violência; publicação de imagens de baixa auto estima nas redes sociais, como frases ou estados (ex: seu eu desaparecesse, um dia desapareço, ninguém me compreende); e comportamentos auto destrutivos, como a auto mutilação e exposição a situações de risco.

O que pode ser feito para evitar que os jovens adiram a este “esquema de manipulação”, como lhe chamam os psiquiatras infantis?
Este tipo de comportamento não é muitas vezes fácil de perceber e, portanto, a ação deve incidir sempre na prevenção de comportamentos disruptivos. É preciso perceber se a criança tem tendência à reserva dos seus sentimentos, dificuldade em expressa-los ou a entendê-los. Tomemos como exemplo a ansiedade. É comum termos jovens em consultório que apresentam sinais ansiogênicos, mas que não os sabem nomear, e por isso torna-se motivo de confusão e desconforto. Por esta razão, a comunicação como parte da dinâmica familiar é essencial em qualquer processo de crescimento saudável e extremamente necessário, para que os jovens não tenham receio de perguntar e expor as suas duvidas ao invés de procurar informação e respostas, noutras fontes menos fidedignas e confiáveis. Outro aspeto a ter em conta, é o modelo de comunicação existente no seio familiar. Este deve ser motivador, sendo que os pais devem reforçar a criança pelo bom comportamento, e não criticá-la constante, negligenciando as suas emoções. Caso a prevenção já não seja uma opção, o acompanhamento terapêutico é de extrema importância ao nível do trabalho da gestão de emoções, reforço de auto estima e auto confiança, na aquisição de ferramentas e no desenvolvimento de comportamentos resilientes, bem como, tolerância à frustração.