“Só faço livros que compraria para as minhas filhas”

Barbara Cantini
Barbara Cantini, a autora e ilustradora de Mortina [Fotografia: viarossi.it ]

Tem oito anos e não está viva. É esta a história de Mortina, uma menina zombie italiana que, mais do que aterrorizar crianças, quer puxá-las para a brincadeira e para o gosto da leitura.

Um livro que até pode ter, nas entrelinhas, as mensagens da aceitação pela diferença, mas não é necessariamente pela pedagogia absoluta que a autora quer fazer a diferença. Afinal, e com toda a simplicidade, “o que apenas quis escrever foram histórias, possivelmente de leitura agradável”.

Em conversa por escrito ao Delas.pt, a ilustradora e escritora italiana Barbara Cantini conta como chegou a este universo à la Família Adams e de como as suas filhas, sobretudo a mais pequena, se disponibilizam para servir de modelo. Uma viagem pelo mundo de um horror simpático à boleia de Mortina – Uma História de Morrer a Rir.

Porque concebeu uma personagem como a Mortina?

Desde pequena que tenho vivido fascinada pela ambiência creepy e de humor negro, como a família Adams, Um Cadáver de Sobremesa, Frankenstein Júnior para depois seguir o Rocky Horror Picture Show, Tim Burton, Edward Gorey. Tudo isto (e muito mais) contribuiu fortemente para alimentar o meu imaginário. Sempre quis criar qualquer coisa deste género e a escolha de uma menina zombie (mais do que um vampiro ou outra coisa) encaminhou-me para este solução que permitia um jogo de palavras entre Morta-Mortina-Martina.

Mortina de Bárbara cantini
Capa do livro infantil Mortina [Fotografia: DR]

Como chegou a ela e a esta história?

Há uns anos, durante a formação em animação e para o exame, desenhei uma série de personagens de uma família que chamei de ‘Casa Stramba’, que eram muito imaturos e ainda muito influenciados pelo estilo da família Adam, mas diria que já carregavam em si a semente da ideia da Mortina e da sua família. Aliás, o primeiro quadro e a escolha do nome da personagem vêm desse período. Quando, dez anos depois, voltei à ideia, e comecei a pensar na história da minha personagem: onde vivia, com quem, o que queria, e assim nasceu a primeira história.

Depois dos três livros da Mortina, vêm aí mais?

Inicialmente, pensei na Mortina como um livro único. Foi o meu primeiro editor a sugerir que fizéssemos a série, assim a personagem e o seu mundo se permitissem a essa possibilidade. Agora, há três volumes, mas dado o êxito, têm-me perguntado por um quarto livro, que já escrevi – está previsto para junho (em Itália) – e que vou agora começar a desenhar. Depois, creio que deverei parar com a Mortina. Mas como dizem por aí: “nunca digas nunca”.

O que lhe dizem as suas filhas – Eleonora e Camilla – desta narrativa?

As minhas filhas são as primeiras “leitoras” e elas adoraram automaticamente as várias personagens. A mais pequena, por vezes, serve de modelo a algumas poses das ilustrações. Por exemplo, a cena em que a Mortina desce as escadas disfarçada de menina viva, Camilla fez todas as poses segundo as minhas instruções, fotografei-as e serviram-me de inspiração para o desenho correspondente. Desta forma, consigo eficazmente obter uma atitude real de uma criança.

“A minha filha mais pequena, por vezes, serve de modelo a algumas poses das ilustrações”, diz a ilustradora

Creio que procura, com os seus livros, levar as crianças a pensar na diferença e o que significa ser isso. Que tipo de reação tem recebido? E dos adultos? E dos pais?

O livro – e já disse isto em várias ocasiões – não nasceu com uma intenção pedagógica de falar da diversidade, aceitação. Claro que falamos de amizade, mas o que apenas quis escrever foram histórias, possivelmente de leitura agradável. Espero que os meus livros contribuam para incutir, nos mais pequenos, o desejo da leitura e do mergulho em outras aventuras.

E que reações tem recebido?

Os meus intentos parecem estar a ser bem sucedidos porque tenho recebido muitas mensagens (não apenas de Itália) de pais que me agradecem por ter levado, com a Mortina, os seus filhos a lerem, superando não apenas o escasso interesse nos livros, mas também as reais dificuldades de leitura. Há depois as mensagens que passam nas entrelinhas como a empatia, a aceitação e a diversidade, que só me podem deixar feliz.

E que reações quer mesmo provocar nos leitores?

Gostava que ficassem ligados à personagem. A Mortina, através da sua diferença, continua a ser uma menina de oito anos que tem as suas próprias necessidades e desejos. Gostava também que, indiretamente, o facto de ela ter estas particularidades pudessem ser consideradas uma força em vez de algo que se deva esconder: diferenciação, cada um com as suas especificidades, para criar algo mais rico.

Bárbara Cantini Mortina
Mortina, personagem da saga criada pela autora e ilustradora Barbara Cantini [Fotografia: DR]
Quando escreve para os mais pequenos, quais são os cuidados que tem?

Para lá da qualidade da imagem a que me proponho, a aproximação que faço passa por colocar-me ao nível das crianças, tendo sempre em mente o meu “eu criança”: as coisas que me impressionavam, que amava, que me assustavam… Por fim, sempre segui o princípio válido: só faço livros que compraria para as minhas filhas e para mim.

Fotografia: viarossi.it

Os detalhes dos contos de fadas que os pais escondem dos filhos

Crianças birrentas ou “prodígio”, quem sofre mais com a exposição?