Barry: uma comédia sobre violência e solidão

Bill Hader interpreta um assassino a soldo que de repente quer ser ator em Hollywood. Falámos com os protagonistas da série de comédia em Beverly Hills

A premissa da nova série da HBO Barry é tão bizarra que só mesmo uma escrita genial e representações sem mácula podem explicar esta aposta. Barry é um assassino a soldo, que despacha alvos um pouco por todo o país sem deixar rasto, e inesperadamente esbarra numa aula de representação em Los Angeles. Sem saber como, Barry vê-se envolvido num grupo de atores e começa a ponderar se é possível conciliar as duas profissões: ser assassino profissional e ator ao mesmo tempo. É uma comédia bem conseguida de Bill Hader, que vimos em Trainwreck ao lado de Amy Schumer, mas com um sentido mais profundo que simplesmente ser engraçado. Barry é, no fundo, um ensaio sobre a depressão, solidão e violência.

“A ideia é fazer-nos rir mas também falar de solidão”, explicou Bill Hader, numa conversa em Beverly Hills. “E também falar do que a violência faz às pessoas.” Hader co-criou a série com Alec Berg, um dos escritores de Seinfeld, e é também o protagonista. “Queríamos ser honestos sobre as emoções e sobre o facto de ele passar por crises existenciais, o que é triste e irónico”, afirmou. “O Barry nem sequer consegue compreender o que há de errado consigo. Para nós é muito claro: ele assassina pessoas e isso pesa-lhe, mas ele não entende porque é que está deprimido, só sabe que algo está errado.” Quando esbarra na aula de representação, liderada pelo professor Gene Cousineau (Henry Winkler), acha que ser ator será a sua salvação.

Hader não sabia bem como representar esta personagem. Sabia que queria encontrar a “humanidade finita”, o sentimento universal que se descobre quando se tiram as camadas todas. Fala da desconexão que existe nos velhos filmes western e do icónico “Unforgiven”, de Clint Eastwood, porque considera que “subvertem o facto de serem sobre violência.” A ideia é mostrar isso, e ainda assim ser engraçado.

“Fomos a uma aula e vimos o que aconteceu quando um professor gritou com uma atriz e a fez chorar. Ele gritava, ela fez a cena e foi tão boa que no final agradeceu imenso ao professor”

A fórmula funciona, embora inclua clichés com quem se identificarão mais os atores que tentam vingar na indústria e quem vive rodeado deste ambiente em Los Angeles, onde a ação acontece. O valor universal da série, segundo Henry Winkler, é que toca pontos que existem em todas as culturas.

“É a forma como a vida é. Somos sérios em relação a certos assuntos e também nos rimos juntos”, disse o ator, que ficou conhecido como The Fonz na sitcom Happy Days dos anos setenta. “Quando li o argumento, pensei que isto era diferente. Está tão bem escrito que é como ler caxemira em vez de uma mistura de algodão, o que é a maioria do que se vê.”

A verdade é que, após o ceticismo inicial, a história começa a fazer sentido. Os escritores integraram muitos episódios da vida real na trama, em especial no que toca ao dia a dia de quem se lança para Los Angeles em busca de um sonho. “Visitámos algumas aulas de representação e eram quase terapia de grupo, pessoas a serem muito francas sobre os seus sentimentos, as suas infâncias”, revelou Bill Hader. “Fomos a uma aula e vimos o que aconteceu quando um professor gritou com uma atriz e a fez chorar. Ele gritava, ela fez a cena e foi tão boa que no final agradeceu imenso ao professor. Achámos que era de loucos.”

Henry Winkler encarna esse professor que usa “amor duro” para conduzir os seus atores e acha que foi a sua longa experiência que lhe permitiu “criar” Gene Cousineau. “Tenho 72 anos e trabalhei todos estes anos para que o Gene pudesse acontecer. Acho que há algum tempo não o poderia interpretar”, disse.

Winkler, ele próprio professor de representação. contou também que sempre foi perseguido por um nervosismo nas audições, o que considera uma praga. “Não me parece que se precise da insegurança. Do que se precisa é da reverência, do respeito pelo que se está a fazer. A insegurança é triste.” Esse aspeto é também abordado na série.

O poder das mulheres na sala dos escritores

Logo nos primeiros episódios, Barry conhece Sally, outra atriz a tentar vingar em Hollywood, e os dois acabam por dormir juntos. Sally, interpretada por Sarah Goldberg, tem um problema com o seu computador e Barry decide oferecer-lhe um novo. Foi algo pensado pelos escritores masculinos porque acharam que seria um gesto bonito.

“Essa cena alterou-se completamente”, revelou Hader. “Era suposto ser uma coisa agradável, mas as mulheres na salas dos escritores disseram que não, que isso era esquisito: eles dormiram juntos uma vez e ele oferece-lhe um Mac?!” Barry não tinha noção de que pareceria um creep com aquela atitude, e Hader confessou que isso não lhe passaria pela cabeça se as mulheres não tivessem contrariado a ideia. O rumo da relação entre as duas personagens acabou por mudar, tal como o fim que os criadores tinham inicialmente previsto.

“O final desta temporada era completamente diferente” indicou Hader. “À medida que escrevemos, transformou-se noutra coisa.”

“Barry” estreia esta semana e estará no horário nobre do canal TVSéries da NOS, 22h30 todas as quintas-feiras.

Ana Rita Guerra, em Hollywood