Os homens ganham em média mais 10% do que as mulheres na estação pública britânica. Esta foi a conclusão do relatório sobre a desigualdade salarial publicado recentemente para BBC e que está a gerar polémica.
Uma disparidade que a estação britânica defende ter vindo a baixar nos últimos anos e estar também abaixo da média nacional – apontada para 18% -, mas muito à quem de convencer os trabalhadores a ficarem calados ou de contar toda a história em torno dos salários e da disparidade salarial. E nem a promessa do diretor geral da BBC, Lord Hall, em reverter esta desigualdade por sexos até 2020 está a acalmar os ânimos.
Por cá, o caso não será muito diferente. A disparidade salarial média na RTP pode até ser abaixo da média nacional, que está em 17,8% segundo dados da Pordata, mas o certo é que há muito menos mulheres do que homens a trabalhar na estação pública e com salários mais baixos, em média, do que os deles.
Menos 120 euros por mês a menos “não” são “discrepância” para a RTP
O Relatório para a Igualdade de Género, Cidadania e Não Discriminação de 2016 (RIGCND), publicado pela RTP conclui que os cerca de 120 euros mensais que as mulheres recebem em média – por remuneração média – face aos homens indicam que “não existem discrepâncias entre os valores médios auferidos”, certo é que multiplicados por 14 meses são mais de três ordenados mínimos nacionais de diferença por ano.
Contas feitas, as mulheres recebem em média, por mês, 2.220 euros. Já os homens auferem 2.344 euros, o que representa uma diferença na ordem dos 6%.
No entanto, olhando para a tabela que dispõe os trabalhadores por volume salarial, 504 mulheres (do total de 641 trabalhadoras) estão abaixo do limiar dos dois mil euros mensais. Só 137 é que recebem aquele valor ou mais.
Outra das sínteses passa por concluir que quanto mais altos são os salários, mais o número relativo de homens presentes face às mulheres aumenta. Ou seja, entre os 3000 e os 4000 euros mensais, eles são cerca de três vezes mais do que as mulheres empregadas na estação pública.
É ainda importante destacar que, nesta estatística, há cinco trabalhadores que auferem mais de 4.500 euros por mês. E quatro são do sexo masculino.
Mas a desigualdade também está refletida na quantidade de mulheres que a estação pública conta para os seus quadros: pouco mais de 1/3 face a quase 2/3 de homens. De acordo com os dados do RIGCND 2016, publicado pela RTP, as mulheres representam 39,3% do volume de trabalhadores da empresa pública de rádio e televisão (641 pessoas) face a 60,7% de homens (992 funcionários).
Já o Conselho de Opinião (CO) tinha alertado para a amplitude desta problemática em maio último, constatando, no seu parecer, que “a redução de Recursos Humanos da Empresa […] acentuou o desequilíbrio de género: de 39,5% de mulheres em 2013 para 38,9% em 2016”, lê-se no documento.
Ainda no mesmo parecer, aquele órgão da estação pública solicitava a correção daqueles valores no sentido de promover “um maior equilíbrio, seguindo os compromissos assumidos com a Comissão de Igualdade no Trabalho e no Emprego e a tendência preconizada para outros setores da empresa a nível nacional”.
O RIGCND 2016 não estabelece paralelos com anos anteriores.
Relatório omisso quanto ao facto de mulheres e homens ganharem ou não o mesmo para as mesmas funções
O RIGCND não especifica, porém, se mulheres e homens estão a ser igualmente remunerados para desempenhar funções equivalentes. Embora tratando-se de uma empresa pública, que obriga a mecanismos concursais e na qual ainda vigora, em larga medida, o acordo coletivo de trabalho, também é verdade que a contratação individual tem ganho terreno, numa realidade cada vez mais transversal a todo o setor público.
Aliás, o próprio CO alertava, no parecer, que a RTP “corre novamente o risco de ver integrados, compulsivamente, trabalhadores, sem que os critérios concursais de escolha, em termos de serviço público, tenham sido previamente definidos”.
“A maioria das posições mais elevadas são ocupadas por homens”, mas elas têm mais formação
“O género feminino ocupa maioritariamente funções administrativas (104 mulheres versus 37 homens), enquanto nas áreas operacionais e técnicas são executadas maioritariamente pela população masculina”, lê-se no relatório para a Igualdade de Género da RTP. Já nos quadros e quadros superiores, eles representam quase o dobro das mulheres, numa correlação de 57 para 103. Por isso, diz o RIGCND, “a maioria das posições mais elevadas são ocupadas por homens”.
No entanto, elas são mais formadas do que eles. Representando as mulheres pouco mais de 1/3 da massa laboral da estação pública, elas detêm, em absoluto, a maioria das licenciaturas (245 face a 204 trabalhadores masculinos). Também há mais doutoradas: elas são 4, eles são 2. Quanto a mestrados, os homens detêm uma magra dianteira: 23 para 22 funcionárias. Citando o documento, “a população feminina apresenta um nível de literacia superior“.
É importante ainda vincar que os números deste relatório nada indicam sobre a quantidade, a relação e o salário sobre os colaboradores externos da RTP ou mesmo os “falsos recibos verdes” detetados na estação pública durante as inspeções que tiveram lugar entre 1 e 2 de março (pode ler mais sobre a matéria aqui).
Recorde-se ainda que, no final de 2016, a comunicação social dava conta, citando fontes, que a RTP contava com “mais de 300 trabalhadores contratados a recibos verdes”, continuando “a recrutar”. Funcionários que agora podem candidatar-se à regularização dos trabalhadores precários do Estado.
Ora, também no parecer ao Relatório e Contas de 2016, o CO lembrava que “foi, porém, divulgado, sem desmentido que o número de trabalhadores com contratos precários – incluindo prestadores de serviços com serviço regular prestado na RTP, será eventualmente elevado“. Por isso, este organismo pedia que “pudesse ser incluída mais informação referente aos trabalhadores e respetivos vínculos contratuais, incluindo aqueles abrangidos por contratos de prestação de serviços e demais condições, assim como as possíveis implicações financeiras das responsabilidades futuras a assumir”.
Celebridades femininas prometem levar o caso à justiça
De volta ao relatório anual da BBC, a análise agora divulgada conta que dois terços das estrelas que ganham mais de 150 mil libras anuais (167 mil euros) são homens, comparadas com 1/3 das mulheres.
Os sete rostos que mais ganham na lista dos 96 mais bem pagos são homens. Ora, as mulheres não gostaram e vieram a terreiro afirmar que vão processar a estação pública.
São, para já, dez as apresentadoras de televisão e de rádio que prometem enfrentar os resultados deste relatório que trouxe conclusões de proporções “sísmicas”, como lhe chamou o jornal britânico The Independent.
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