Beatriz de Almeida: “Queremos vinhos que sejam uma boa companhia”

Beatriz Cabral de Almeida tem 36 anos. Em pequena sonhava ser médica, acabou por se licenciar em microbiologia e hoje passa os dias entre as videiras nortenhas. É enóloga e a principal responsável pela produção dos vinhos do Dão, com origem na Quinta dos Carvalhais. Um espaço que o Delas.pt foi conhecer, na companhia desta mulher do Norte.

A viver no Porto com o marido e as duas filhas, Beatriz acaba por ter que se deslocar regularmente até à Quinta, situada a cerca de 160 quilómetros da invicta. Confessa que muitas vezes é a sogra, que vive em Viseu, a salvá-la das viagens longas. Mas garante que vale a pena.

No ponto mais alto da Quinta, a engenheira apresenta os cem hectares de perder de vista e dos quais apenas 50 são vinha. Em pleno planalto beirão, a cerca de 500 metros de altitude, chama a atenção para as oito serras que rodeiam o espaço e explica que um dos segredos para o vinho do Dão ser o que é deve-se às condições climatéricas que ali se proporcionam.

São vinhos muito elegantes. Temos uma gama muito alargada, que vai desde a gama base Grão Vasco, branco e tinto, até aos topo de gama, branco e tinto, espumantes e colheitas tardias. Aquilo que queremos em cada um deles é pautá-los pelo equilíbrio, pela elegância e por expressar aquilo que a Quinta dos Carvalhais tem de melhor, colocando-o em cada garrafa”. É assim que Beatriz define os vinhos que produz.

Quando eu faço um vinho, faço para que seja bom. Tanto para a mesa como para aperitivo e tenho que jogar com essas duas situações. Por isso, quando faço um lote levo sempre uma garrafa pequena até um restaurante e peço um prato de carne e um prato de peixe para experimentar o vinho com ambos. Isto porque se eu fizer um vinho que vai bem com a carne e com o peixe, tenho mais oportunidade de vender essa garrafa quando a pessoa vai ao restaurante”, confidenciou.

Para esta enóloga nortenha, além do gosto e do tipo de refeição, também a ocasião ajuda a ditar a bebida que se vai degustar: “Cada vinho tem sempre uma ocasião para ser bebido. Um vinho mais doce é aconselhado para se servir como aperitivo ou à sobremesa. Vinhos secos devem acompanhar a refeição. Mas claro que os gostos divergem e aquilo que der mais prazer à pessoa é o que deve prevalecer”.

O principal é ter logo um bom vinho, assim não há como errar. Para esta especialista, “aquilo que se tem de procurar quando se está a fazer um vinho é o equilíbrio. Porque hoje o consumidor quer o vinho tanto para a mesa, como para aperitivo, para conversas com os amigos ou até para depois de um jantar. Pelo que ouço, as senhoras gostam sobretudo de vinhos mais doces, mas também há as que gostam dos mais secos, por isso acho que não existem vinhos que sejam mais amigos de senhoras. Nós queremos vinhos que sejam uma boa companhia.”

Enologia, um mundo cada vez mais feminino

Apaixonada pelo que faz, considera que as mulheres estão a ganhar terreno também nesta área. “Quando conheci o meu marido já havia muitas enólogas, a Filipa Tomás da Costa, Sandra Tavares da Silva e muitas outras. E, hoje em dia, há muitas senhoras a tirar o curso de enologia. Já foi mais, mas já não é só um mundo de homens, até porque é preciso ter alguma sensibilidade para provar, para consegui fazer os lotes e elaborar um vinho para ser engarrafado”.

Cheguei a querer ser médica, mas depois pensei ‘não quero ficar a vida inteira a estudar’, porque percebi que era preciso estudar muito. Aí enveredei pelo curso de microbiologia, na Católica do Porto. No último ano tive que fazer um trabalho de fim de curso e esse trabalho fi-lo no laboratório de vinhos da Católica. Nunca a pensar nos vinhos, mas se calhar nessa altura já havia qualquer coisa cá dentro”, conta-nos Beatriz.

Quando terminou a licenciatura recebeu uma proposta, não remunerada, para ir trabalhar diretamente com vinhos no laboratório do Instituto Superior de Agronomia (ISA), em Lisboa e foi aí que a aventura começou.

Sem emprego, não pensou duas vezes e aceitou a oportunidade. Nesta nova fase da sua vida, Beatriz descobriu não só a sua paixão, como também conheceu o seu atual marido. “Começamos a namorar e, na altura, como ele estava no curso de Engenharia Agronómica, comecei a sair com ele e com os amigos e a ir a provas de vinhos”.

Depois disso, Beatriz sentiu que queria conhecer melhor este mundo. O interesse e curiosidade foram crescendo e pediu para que a deixassem assistir a algumas aulas do curso de agronomia. O pedido foi aceite. “Comecei a frequentar viticultura e enologia. Estive lá um ano e meio”. Tirou, posteriormente, um mestrado na área, casou e concorreu à Sogrape. Acabou por conquistar o lugar e, em 2007, chegava à Herdade do Peso, no Alentejo.

A entrada de Beatriz na Quinta dos Carvalhais surgiu cinco anos depois, em 2012, com a reforma do enólogo Manuel Vieira. E desta forma Beatriz voltou ao Norte de Portugal.

Hoje, é a principal responsável pela vinha, onde se encontram castas brancas, como encruzado e verdelho, e castas tintas, como Jaen, Tinta Roriz e Touriga Nacional. Com uva e produção própria, a Quinta dos Carvalhais tem uma adega com capacidade para 65.652 hectolitros, o que equivale a cerca de 6.500 mil litros e um armazém de estágio com condições naturais para o envelhecimento de vinhos de alta qualidade, procedimento que é feito em barricas de madeira de carvalho.

Beatriz Cabral de Almeida pensa em tudo ao pormenor e procura sempre aliar a tradição do Norte ao que de mais fresco trazem as novas gerações que procuram um bom vinho para saborear junto dos amigos.

 


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Florbela Lourenço