Biblioterapia: a literatura é o melhor remédio

A prática já não é nova, o termo também não. Mas a verdade é que só agora, no momento em que a Internet e os ecrãs ocupam cada vez mais o nosso tempo e espaço de lazer, a biblioterapia começa a surgir com maior vigor. Que livro ler para ultrapassar certo problema ou desafio? Esta é a resposta que irá encontrar numa consulta de biblioterapia.

A ficção é um ponto de fuga. Uma realidade paralela, uma evasão que nos permite ver além e aí encontrar uma melhor versão de nós mesmos. Mas a verdade é que mesmo quem tem hábitos de leitura pode sentir, a determinada altura da vida, necessidade de orientação. Até porque são lançados milhares de livros por ano e muitos deles são de qualidade literária muito duvidosa.

César Ferreira, 41 anos, Licenciado em Filosofia e Mestre em Ciências da Informação e da Documentação (Biblioteconomia) é Reading Coach e Biblioterapeuta na The Therapist. Neste momento não há nenhuma entidade que certifique a profissão. O que faz do César umbiblioterapeuta é o facto de ajudar pessoas a atingir o sucesso na vida através da leitura.”

Em que consiste a biblioterapia?

A biblioterapia é o processo terapêutico que consiste em ajudar as pessoas a superar um desafio, como a morte de um familiar, um desgosto de amor, um problema de doença, uma depressão, um desafio de aprendizagem, uma fobia, um medo, uma dependência, uma crise existencial… Através da leitura orientada de livros e sua aplicação prática.

Há algum livro que tenha mudado a sua vida?

Vários!

O cavaleiro da armadura enferrujada, de Robert Fisher. Ajudou-me a libertar do peso de situações mal resolvidas e a enfrentar os problemas de frente.

A apologia de Sócrates, de Platão, e O velho e o Mar, de Ernest Hemingway. Muito importantes para ultrapassar a gaguez.

Siddhartha, de Hermann Hesse. Fundamental para definir o meu caminho e ultrapassar uma depressão.

Ler pode provocar emoções, desbloquear sentimentos, originar soluções para problemas vários. Sempre foi assim. Desde quando aglomeramos a leitura e a terapia num mesmo conceito?

Embora a biblioterapia esteja a dar os primeiros passos em Portugal, a verdade é que este tipo de terapia já vem desde a Grécia Antiga. Por exemplo: dada a sua importância no quadro clínico dos pacientes, O Alcorão era utilizado na Grécia, em hospitais, como parte do tratamento médico. Contudo, foi a partir de 1800 que, ao ser utilizada por médicos, psicólogos e bibliotecários, nasceu como conceito.

A Internet e a televisão estão cada vez mais presentes nas nossas vidas. É hoje, mais do nunca, importante falar em biblioterapia, ou falar da importância da literatura na nossa vida?

É importante falar e resgatar a potencialidade da leitura no desenvolvimento da pessoa e da sociedade.

Todos nós sentimos que algo muda em nós quando lemos algo que nos expande, cura e transforma. A questão é fazer com que os leitores sejam bons leitores. Que tenham as competências para saber escolher boas leituras, saber ler e saber aplicar na sua vida o que lêem. A biblioterapia é algo mais profundo e necessita sempre de uma orientação. De alguém que tenha a capacidade de dar perspectiva à pessoa que passa pelo desafio. Uma leitura orientada e no tempo certo tem a capacidade de curar. E esta é uma das vantagens da biblioterapia.

Como fazemos dos leitores, bons leitores?

Um bom leitor não se define pela quantidade de livros que lê, mas pela qualidade de livros que lê. E para fazer as escolha certas são necessárias competências que deveriam começar a ser adquiridas desde cedo, na escola. É importante que se perceba que um processo de leitura pode dar-se tanto através de um smartphone, tablet ou leitor de e-book. Devemos apostar na leitura enquanto essência, não enquanto objecto.

Curar através da leitura estará ao mesmo nível do curar através da música ou do passeio ao ar livre? O que aciona a literatura que estes não acionam?

Ambos têm uma importância incrível num processo de cura. A literatura, por ser um processo visual – e 70% da informação que recebemos é captada de forma visual – permite que o cérebro viva uma estória sem saber se o que está a ler está realmente a acontecer ou não. Isto é importante, por exemplo, para quando se está a curar uma situação de autoestima. Ao ler uma estória com este desígnio o leitor vai criando uma nova imagem de si próprio.

O mais engraçado é que muitas das minhas consultas são dadas durante um passeio ao ar livre. A isso chamei de bookwalking. E fi-lo exactamente por saber que passeio ao ar livre e leitura são fundamentais.

A melhor terapia é aquela em que o paciente acredita e está disposto a investir na sua cura.

Como podemos, através de uma estória, encontrar uma melhor versão de nós mesmos?

Há um processo que utilizo muito. Trata-se de fazer com que o paciente encarne as personagens do livro e viva a estória tal qual essas personagens (ou uma em particular). A melhor versão de nós mesmos é quando temos a capacidade de aplicar a aprendizagem que adquirimos com esse processo na vida real. É vivermos a nossa Jornada de Herói!

Quando faz a seleção dos títulos para cada cliente ler, que critérios são tidos em conta?

Há vários critérios para receitar uma leitura. Muitos factores têm de ser equacionados: desde o desafio a ultrapassar, os objetivos a atingir, o nível de literacia da informação do paciente, o tipo de leitor que é, o seu estilo de aprendizagem, as suas limitações físicas (por exemplo: pessoas com dificuldade de visão).

Quando receito uma leitura de determinado autor tenho sempre em consideração a mensagem, a energia positiva e o conhecimento que esse autor pode trazer à vida do paciente. O lema é sempre: o livro certo, no momento certo, para o resultado certo.

Só receito livros que têm a capacidade de expandir e curar o leitor. Para tal, tenho de levar o leitor ao livro e não o contrário. Há uma condução em que o leitor tem de estar no estado certo para poder retirar da obra o necessário.

Há géneros literários mais indicados para certos problemas do que outros? Por exemplo…

Como biblioterapeuta vejo as coisas de uma forma diferente. Um género literário pode ser bom para um paciente com um determinado desafio e para outro paciente com o mesmo desafio pode até nem funcionar.

Mas, a título de exemplo, utilizo muito o conto para a dislexia e a biografia para questões de motivação.

Quem mais o procura e com que desafios a superar?

Todo o tipo de pessoas de todas as faixas etárias. A maioria procura-me por questões ligadas ao propósito de vida. Ou seja, pessoas que chegaram a uma altura da vida e perderam o rumo. Precisam de se voltar a encontrar. Também me chegam pessoas que têm desafios ligados à aprendizagem.

Tenho ainda casos em que são evidentes estados depressivos; que estão a passar por problemas oncológicos; ansiedade; situações de luto; que pretendem trabalhar a liderança. São diversos os casos.

Quantas sessões, em média, precisa com cada cliente?

Normalmente, no final da segunda sessão já temos resultados muito importantes. As terceira e quarta sessões vão cimentar esses resultados.

Depois de uma primeira análise em que se define o que há a trata, faço um plano de leitura em que defino o que ler, como ler e como aplicar o que se lê.

Quanto tempo demora cada consulta e qual o preço?

Cada consulta tem a duração de 1h30 e custa 60€.


Saiba mais em www.thetherapist.pt tel. 216 018 227