“Ainda que a pandemia possa ter agravado o problema e, inclusive, aumentado a sua invisibilidade, o facto é que o bullying é prévio à pandemia e, infelizmente, sobreviverá após ela”, alerta Paula Allen, psicóloga e coordenadora do Observatório Nacional do Bullying. Esta estrutura, integrada na Associação Plano I, quer combater esta realidade escolar e tem vindo a desenvolver trabalho nesta matéria.
Nos dias que antecedem o regresso às aulas nos estabelecimentos públicos, marcado para o início da próxima semana, Paula Allen traça o retrato negro do bullying em Portugal, a luz difusa e mais escura que a pandemia fez incidir sobre essa realidade e deixa ferramentas aos pais para melhor prepararem, anteciparem e reagirem caso se defrontem com casos desta natureza em casa.
Para Paula Allen, mais do que existirem conselhos para cada grupo etário, a psicóloga crê que o caminho passa por duas questões estruturais que devem estar presentes no ambiente familiar: “tolerância zero” e “diálogo”.
“As famílias e as escolas devem adotar uma perspetiva de tolerância zero ao bullying, independentemente de os/as seus/suas filhos/as serem vítimas ou agressores/as”, começa por explicar. “De tantos aspetos importantes, há dois grandes que podemos realçar dos números conhecidos: as testemunhas continuam a não ser as principais pessoas a denunciar, e é fundamental que isso mude, de outra forma estarão a compactuar e a revitimizar a vítima”.
Ora, de acordo com os dados do Observatório Nacional, cerca de metade das pessoas que denuncia (469) pede ajuda (209), as mulheres fazem quase o triplo de denúncias do que os homens (350 para 119) e as vítimas são quem menos denuncia. “As pessoas que tiveram conhecimento (158), ex-vítimas (132) e vítimas (98) denunciam mais do que as testemunhas (81)”, lê-se no documento.
Por isso, prossegue Allen, “o primeiro conselho que deixamos às famílias passa pela tolerância zero, implica que possam educar os/as filhos/as para serem bons/boas cidadãos/ãs e, no caso de testemunharem situações de bullying, ajudarem a vítima e denunciarem a situação”.
Num segundo ponto, a psicóloga lembra que “são poucas as vítimas que pedem apoio ou ajuda às famílias ou às pessoas adultas da escola”. Aspeto que leva a especialista e cofundadora do Observatório a “acreditar que as famílias geram pouco espaço de diálogo para este assunto e frequentemente atribuem à vítima a culpa da situação que está a viver. Assim, o diálogo constante deve ser privilegiado por forma a que as crianças e jovens se sintam à vontade para expor o que as/os preocupa e solicitar apoio. A intervenção precoce é absolutamente decisiva para prevenir danos a médio e a longo prazos”, vinca.
Impactos do bullying na saúde física
Não são só de sequelas mentais de que se falam quando o bullying se faz exercer sobre uma vítima, na sua maioria com idades entre os 10 e os 13 anos.
O Observatório coligiu dados e revela que, entre os efeitos mais comuns e nefastos desta prática estão o nervosismo e ansiedade, presentes em mais de 400 casos, as dificuldades de concentração (300), dificuldade em dormir (261), dor de barriga (96), dores de cabeça (205).
Evitar praticar atividades físicas, deixar de estar com amigos, perder apetite e peso, sentir vergonha e culpas latentes são também efeitos comuns nos casos reportados ao Observatório e estudados pela plataforma.