Ricardo Tisci apresentou esta segunda-feira, 17 de setembro, em Londres, a sua primeira coleção à frente de Burberry. Numa altura em que a identidade de género está na ordem do dia, em que os códigos femininos e masculinos se diluem cada vez mais e depois da coleção de despedida de Christopher Bailey ter homenageado a comunidade LGBT, Tisci foi absolutamente contra corrente e apresentou o desfile mais clássico dos últimos anos.
Cinturas marcadas, golas redonda, lançadas, pregas, casacos de malha e rachas marcaram a primeira parte do desfile, com modelos que podiam ter sido arrancadas dos anos 50 mas com a atitude empoderada das mulheres do século XXI. Riccardo Tisci não podia ter desenhado mulheres mais femininas e sensuais, sem uma ponta de androginia à vista. As mulheres que a Burberry propõe são ‘mulheres’ como foram definidas durante séculos e com todos os estereótipos estampados. A esta legião de bond girls dos primeiros filmes de 007, seguiram-se homens de fato impecavelmente cortado, sem que surgisse algum padrão que nos fizesse duvidar que aquela peça de roupa deveria pertencer ao género oposto. Foi assim, composta de tradicionalismo que se pintou a passerelle labiríntica da Burberry na primeira parte do desfile.
Depois da sucessão de homens austeros com colarinhos engomados, surgiram mulheres mais descontraídas com looks de inspiração desportiva, transparências, botões de ilhós, fechos e aberturas provocadoras, em looks inspirados no grunge e punk londrinos dos anos 90. Ainda assim as cinturas continuaram marcadas, as saias midi e alguns looks apresentaram costura a destacar os seios e ancas das modelos. Irreverente? Sim. Andrógeno? Nem pensar! Os mesmos detalhes desafiantes e atitude underground revelaram-se na série de manequins masculinos que se seguiu, mas apesar de em muitos detalhes as linhas femininas e masculina se tocarem, foi apenas nisso, em detalhes, porque nunca as silhuetas se fundiram, ou sequer assemelharam.
Tisci abriu o desfile com um trench-coat, a peça mais clássica da marca e pautou o desfile com a reinvenção das peças icónicas da marca, como os chapéus impermeáveis estilo pescador, os polos e até o xadrez, de que se desfez criando um novo monograma, surgiu em forma de riscas.
Um desfile clássico, quase tradicionalista, que devolveu a feminilidade e masculinidade aos respetivos géneros, uma coleção que se enquadra perfeitamente no quadro político da Inglaterra pós Brexit. Uma primavera-verão 2019 que tinha tudo para cheirar a bafio, mas que na realidade foi uma lufada de ar fresco num mercado saturado de exageros, padrões, cores fortes, pedrarias e silhuetas confusas. A banda sonora, que começou com instrumentos clássicos e se foi tornando cada vez mais perturbadora, da responsabilidade de Rob Del Naja dos Massive Attack, não podia ter sido mais adequada.