“A moda pode ser uma força para uma mudança positiva no mundo”

A C&A apresentou a coleção primavera-verão 2017, em Madrid, um conjunto marcado inteiramente pela multiculturalidade, a sustentabilidade e o conforto. As mais de 2 mil referências expostas na semana passada num preview para a imprensa internacional foram criadas sob a supervisão de You Nguyen com o intuito de refletir o que a globalização tem de bom: o encontro pacífico de culturas no mesmo espaço.

Há dois anos na C&A, o ex-diretor criativo da Levis fala, em entrevista ao Delas.pt, do processo de trabalho, do impacto ambiental da moda e das questões sociais que esta indústria reflete sempre. O diretor criativo da C&A claramente acredita num mundo melhor e aposta na moda como motor de mudança global positiva.

Quais são as palavras-chave desta coleção?

Feito à mão, artesanal, toque de alta qualidade, ótimas sensações. Creio que um das chaves desta coleção é uma ideia de globalização, mas globalização pode querer dizer, quando não é bem feita, “o mesmo em todo o lado”. A globalização de que estamos a falar celebra as diferentes artes locais, os artesanatos tradicionais. É por isso que temos na coleção padrões que se inspiram no Norte de África, a cerâmica, padrões de batik, padrões indianos, temos trabalhos em stencil mas também trabalhos muito delicados inspirados pela porcelana chinesa. Até agora tínhamos tido sempre uma coleção inspirada por um país, ou por um continente. Aquilo em que nos inspirámos para esta estação é a forma como diferentes ofícios e motivos culturais, com origens distintas, podem existir juntos de forma coesa. Essa é a ideia principal da coleção. Também o regresso às coisas que parecem ser feitas à mão, coisas que parecem que alguém colocou muita dedicação por contraste à produção em massa e ao consumo massivo.

Está a falar dos bordados e do crochet?

Sim, temos muitos bordados, crochet, temos rendas, diversos tipos de renda, macramé. A ideia que as peças passam é que foram feitas cuidadosamente. Até algumas das nossas camisolas mais desportivas têm pormenores em malha para dar textura e até as malhas têm pequenas sequências. Não há nada nesta coleção que pareça plano, desinteressante. Ou é o padrão que dá vida à peça, ou é a textura do tecido.

Uma das expressões ouvidas na apresentação foi “choque de culturas”. Quer explicar-nos este conceito?

Não tenho a certeza que seja um choque. Penso que é mais culturas juntas em harmonia. Agora, vou entrar na política… Se reparar nos nacionalismos, a pior expressão do nacionalismo neste momento é o Brexit. Dizer “este é o meu país, todos vocês têm que sair”. Para mim essa é a pior expressão da globalização. A globalização e o nacionalismo são interessantes quando assumimos todas as culturas e criamos uma mistura, juntos, em harmonia. Para mim é sobre isto que esta coleção é.

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Há alguma peça que tenha de facto trabalho manual?

Bom, temos algum crochet feito à mão. Mas é verdade que nos definimos, enquanto marca, pelo valor das peças, queremos dar moda aos consumidores de uma forma que eles e elas possam pagar. Por isso temos de recorrer às máquinas. Mas investimos muito tempo na procura de processos em que as máquinas possam dar ao consumidor uma sensação de feito à mão. Nós tentamos afastar-nos das coisas que são demasiado próximas da produção em massa.

Como é que é o processo de criar uma coleção como esta?

Temos uma equipa de design muito talentosa na C&A. Todas as estações, antes mesmo de olharmos para as tendências da moda, tentamos identificar quais são as linhas mestras, quais são as grandes questões sociais, quais são as alterações políticas que têm impacto no mundo… e por isso a ter um impacto na moda e um impacto no estilo. Essa ideia, essa noção de global apareceu-nos de forma clara e gritante, mesmo gritante. Pensámos que era uma ideia interessante para explorar. Enviámos pessoas da nossa equipa para a Ásia, para África, e para muitas partes do mundo. Quando regressaram com a pesquisa, traziam biliões de ideias, de padrões, de motivos. E eu pensei: “Porque que é que tenho de escolher?” Resolvi juntar tudo e o truque foi encontrar um fio condutor a coleção, uma ligação que juntasse todas as peças – também não queria que a coleção parecesse as Nações Unidas, tinha que haver unidade – por isso usámos a cor como um denominador comum.

Quantas referências tem esta coleção?

Para mulher, cada estação, ou seja, duas vezes ao ano, temos 2 mil a 2500 desenhos. É uma coleção bem grande! Temos várias submarcas nas C&A: a Canda, para uma consumidora mais madura, temos a Yessica que tende focar-se mais numa mulher com hábitos de consumo jovens, não precisa de ser jovem em idade, mas consome a moda como as jovens. Essas diferentes submarcas têm também um impacto importante nas coleções.

Em termos de distribuição, há peças que vão mais para um mercado e menos para outro?

Não. A coleção é uma coleção europeia. Alguns países podem decidir que são mais fortes numa área ou noutra e por isso pedem mais artigos de uma secção ou de outras. Mas a coleção está inteiramente disponível para todos os países da Europa.

 

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A ganga marca tem uma presença muito forte nesta coleção e há muitas inovações tecnológicas. Porquê?

A ganga é muito importante para a C&A porque é muito importante para os nossos consumidores. Os nossos consumidores disseram-nos vezes sem conta que adoram ganga, porque é fácil de vestir, é democrático, não tem que pensar demasiado no que vai vestir, é prático… Por outro lado, a ganga dá-nos imensas possibilidades de trabalho – se eu quiser posso fazer um vestido de casamento de ganga. O tecido em si é tão versátil que, feitas as contas entre o que quer o consumidor e a categoria do tecido, a ganga estará sempre na base das coleções.

A sustentabilidade é uma palavra repetida muitas vezes pela C&A. Como é que se faz ganga sustentável? Só de pensar nas lavagens necessárias torna-se difícil juntar os dois conceitos.

Abordamos a sustentabilidade de várias formas. Pensando no tecido, usamos algodão biológico, um algodão que reduz de facto o consumo de água e também reduz o uso de químicos, de pesticidas o que o torna mais seguro para o ambiente e os trabalhadores. Vamos às matérias-primas em primeiro lugar. Depois, porque há várias camadas de produção na ganga, estamos agora a focar-nos na inovação, como trabalhar com ozono, com laser – todas técnicas que fazem com que se consuma 60% menos de água por peça. Acreditamos que a moda pode e deve ser uma força para uma mudança positiva no mundo. Não temos de vestir-nos bem sacrificando o ambiente. Se focarmos a nossa energia para a pesquisa, vamos conseguir reduzir o impacto negativo no ambiente e nos trabalhadores. Estamos quase a lançar, já em 2017, roupa com tecido reciclado. Quando deitamos uma peça de roupa fora porque já não está boa, já não serve, está rota, sabe-se lá… essa roupa pode ser reaproveitada, o tecido pode ser reutilizado para fazer peças novas.

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E os consumidores vão participar neste produto diretamente? Vai ser possível entregar na C&A as peças que já não se usam?

Não. Ainda não vamos fazer isso diretamente. Estamos a trabalhar com fábricas muito fortes neste setor. Temos de ter cuidados acerca deste material. Precisamos de ter a certeza que a roupa não foi maltratada, que não foi exposta a produtos nocivos para a saúde. Trabalhamos com fábricas certificadas que nos garantem esta qualidade.

O preço é a palavra que torna a C&A competitiva. Preço baixo é ou não igual a baixa qualidade de produto e de alta pegada ecológica?

Para mim o preço não é a palavra que define a C&A. Prefiro valor. Valor porque considerando o binómio qualidade/preço o consumidor fica a ganhar. Ver uma consumidora chegar à loja, pegar numa peça e dizer “UAU” é sinal que estamos a fazer o nosso trabalho bem feito. Depois, num mundo ideal tudo seria verde, certo, mas isso não acontece. O que nós podemos fazer é reduzir o peso dos poluentes, dar condições aos trabalhadores.

É um desafio maior criar uma coleção para uma marca focada no “valor”?

Sim. Pode apostar que sim. E também é mais divertido trabalhar com estas balizas. Eu posso ser super criativo se não houver limites? Não sei. É fácil dizer que sim. Agora fazer coleções interessantes para o consumidor, tanto do ponto de vista do estilo como do valor, com estas limitações é um desafio muito mais interessante.