Uma desistência em lágrimas da atleta italiana Angela Carini ao fim de 46 segundos no ringue frente à argelina Imane Khelif, de 25 anos, por força dos ataques levou à polémica internacional em torno de alegadas acusações de intersexo por parte da atleta da Argélia e por esta poder estar indevidamente a lutar numa prova feminina.
Mas se a polémica se alastrou como fogo nas redes sociais, o mesmo não aconteceu com igual violência entre as atletas de alta competição nos Jogos Olímpicos, muito menos para a campeã nacional de boxe -57 quilos Rita Soares que – conhecendo ambas atletas – explica ao detalhe o que vê acontecer. “Isto tem sido muito mediático fora dos Jogos Olímpicos, mas a grande maioria das atletas está a defender a argelina”, refere a portuguesa, com nove títulos nacionais e que conhece ambas pugilistas agora ‘em embate’.
Rita Soares, de 33 anos e 20 de competições de boxe, reitera: “Estive com ambas as atletas em questão em provas e nunca fui particularmente muito fã do tipo de boxe da argelina, tem um estilo de jogo defensivo, costuma andar mais trás no combate, eu sou mais ofensiva. Como pessoa, é super-humilde, simpática e educada. Já a italiana é um pouco mais arrogante e presunçosa e não gostei da atitude que mostrou no combate.” E exemplifica: “Na parte de cumprimentar a adversária para sair não teve a cortesia de abrir as cordas, foi agressiva e mal educada.”
Apesar da opinião pessoal, Rita Soares considera que a capacidade de competir em provas femininas por parte de Imane Khelif não pode ser posta em causa. “Ela cumpre os requisitos do Comité Olímpico, tem passaporte, não mudou a identidade. Para lá disto, há fotos de criança em que é claro que é feminina”, sublinha, E prossegue: “Percebo que não seja justo do ponto de vista da italiana, mas ela acaba por ter benefícios com isso.”
Para a atleta portuguesa de boxe é tempo de esclarecer que “a atleta argelina sofre de uma síndrome que produz mais testosterona do que a expectável para o sexo feminino, devendo tomar medicação exatamente prevista para esse controlo”. Há, aliás, normas internacionais estabelecidas. Por isso, insiste Rita Soares, “ela toma medicação, mas pode não estar a ser suficiente, e não temos o direito a impedir uma atleta que nasceu com esta condição de ir em busca do seu sonho, ela faz tudo dentro dos parâmetros”.
A pugilista portuguesa crê que a vantagem da testosterona, mesmo que controlada, proporcione a Imane a possibilidade de ser “mais forte, rápida e que, por uma questão de justiça, colocar todas as outras em desvantagem”. Mas isso não significa a vitória. “Ela não é campeã do mundo, não é campeã olímpica e houve meninas que conseguiram ganhar”, lembra, considerando que a história nestes Jogos Olímpicos possivelmente se contará de igual forma.
Ainda assim, é matéria que carece de reflexão urgente, devendo ser “um tema que tem de ser analisado pelas entidades”, problemática, aliás, levantada pelo Comité Olímpico em nota emitida sobre esta matéria na quinta-feira, 1 de agosto.
Imane Khelif não é a única em iguais circunstâncias em Paris 2024, com a taiwanesa Lin Yu-ting, de 28 anos, a viver síndrome semelhante, e Rita Soares chama à atenção para a diferença de tratamento por parte das pares em combate: “As adversárias da atleta de 57 quilos que vive a mesma situação desvalorizam e estão a jogar de igual para igual, depois também temos países e que exploram esta questão”. O COI veio a terreiro considerar que estas alegações de alegada intersexualidade se tratavam de um “abuso” que estava ser exercido sobre as duas atletas.
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— IOC MEDIA (@iocmedia) August 1, 2024
Em causa veio ainda a desqualificação por parte do organismo que tutela as provas mundiais e intercontinentais de boxe, a International Boxe Association (IBA), que, no ano passado arredou as atletas da competição. Na altura, o organismo alegou que Imane Khelif tinha cromossomas XY (e não XX, como indica o sexo feminino). Mas Rita Soares recorda que estas análises surgiram perante uma coincidência: “Foi depois desta atleta [argelina] ter ganhado a uma atleta russa que o atual presidente da IBA, Umar Kremlev, que é russo, decidiu fazer a questão dos testes genéticos”.
É inegável que tema urge ser debatido. Para a pugilista, mas também personal trainer e professora de educação física Rita Soares, os caminhos e devem ser conversados “por pessoas adequadas” na matéria.
Contudo, a portuguesa tem duas propostas possíveis de serem levada a debate: “Uma, por um lado, era poder criar-se uma liga intermédia, mas só com com dois e três atletas, acho que não é fazível. Por outro, e esta é a minha opção mais viável, a atleta tinha de dar o peso da sua categoria, mas competir na seguinte, na acima, e sempre com medicação, mas são precisos dados mais aprofundados”, defende a campeã nacional.