Cancro da mama: “Faz hoje três anos que tive de entregar o meu corpo à ciência”

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Rita Castanheira tinha 36 anos quando foi diagnosticada com um cancro na mama. Submeteu-se a uma mastectomia radical, teve uma experiência quase morte e viveu com medo muito tempo. Mas sobreviveu e hoje conta-nos como se passa por isto:

“Faz precisamente três anos no dia 30 de outubro que tive que entregar o meu corpo à ciência, depois de ter recebido notícias devastadoras.

Quando detetei um caroço num autoexame, não consigo explicar porquê mas soube imediatamente que não era coisa boa. Claro que todos me diziam – a mim, ainda com 36 anos na altura – que não era nada, que estava só a ser paranoica, mas eu soube logo.

O que veio depois foi um turbilhão de emoções: medo (sobretudo), que descobri que consegue despertar a maior das coragens em quem que viver.

O meu diagnóstico inicial era assustador, ouvir palavras como invasivo e Grau II deixa qualquer um desconcertado. Esperar para fazer uma bateria de exames para perceber onde e como estava, foi pior ainda.

A vontade que tinha era de me enfiar num hospital e fazer os exames todos de seguida, sem dormir, acabar com a espera. Mas não funciona assim e a espera leva-nos a colocar todos os cenários e o medo torna-se um animal que se apodera de nós. Mas na espera também decides lutar, também encontras aceitação e força.

Nesta fase continuei sempre a trabalhar, tentei manter a cabeça ocupada e aos olhos dos meus filhos nada se passava. Mas à noite, quando tentava dormir, o medo voltava a aparecer.

Foram chegando os resultados e apesar de ter que avançar para uma mastectomia o cenário era otimista, boas perspetivas de não ter que fazer quimio. A minha experiência de cirurgia foi muito infeliz, mais de 15 dias no hospital, 3 cirurgias, duas delas por complicações e a última a envolver uma hemorragia interna – a verdadeira near death experience – várias transfusões de sangue e uma passagem pelos cuidados intensivos. Esta última cirurgia implicou desfazer o trabalho de reconstrução e deixou-me muito mal tratada mas, por ser uma experiência tão assustadora, confesso que ficar sem mama foi a última das minhas preocupações. Queria viver, ponto final.

Lembro-me de me dizerem, quando vieram ver o penso: “se não quiser olhar…” e de eu pensar: por que carga de água? Isto sou eu agora, quero ver. Lembro-me de mostrar ao meu marido várias vezes ao dia e perguntar se estava inchado, com medo de voltar a ter um episódio como o da hemorragia. Não consegui ficar sozinha durante 15 dias.

Tenho muita sorte. Um marido a quem digo muitas vezes que não teria conseguido sobreviver sem ele, que não dormiu noites de seguida para me dar a mão na cama do hospital, que me amou incondicionalmente mesmo depois de ficar mutilada sem uma mama. Tenho muita sorte porque consigo ter uma veia de humor (negro) nas situações mais difíceis, gozar comigo própria e levar as minhas pessoas a rir comigo. Vestir um top justo e perguntar se se notava que não tinha uma mama (notar que parecia um rapazinho do lado esquerdo) e de fazer o meu marido rir com o ridículo da minha pergunta. Batizar a minha prótese, que usei durante um ano e meio, e dos meus filhos se referirem a ela pelo nome, sem qualquer pudor ou peso de alma.

Cancro da mama: “Constatar que se pode morrer fez-me querer viver”

Mas houve uma altura em que o medo foi tanto que me toldou. Não era eu. Nunca escondi o meu corpo mas fiquei deprimida, não me sentia bonita, a minha confiança estava intimamente abalada. Mas lá vinha o humor para salvar o dia, as piadas de ter “um bicho atropelado” no lugar de mama. Até houve dias em que me esqueci que usava prótese e só ao ir para a cama e tirar a minha “Kelly” (era este o nome dela) é que voltava a ver-me ao espelho e encarar o meu corpo.

Voltei ao bloco há um ano e meio para fazer a reconstrução – desta vez um sucesso. Mas foi muito difícil e estive literalmente para arrancar o cateter e fugir pelos corredores, tal era o medo de ter que voltar a submeter-me a uma cirurgia.

O medo agora é outro: e se volta? Não sei se conseguiria voltar a lidar com tudo, seguramente não com a mesma garra. Mas vais vivendo e aproveitas a vida, as pessoas na tua vida, o amor. Porque na realidade é isso que interessa.”

Testemunho de Rita Castanheira, recolhido por Carla Macedo