Carla Andrino: “O cancro é doença crónica, não é sentença de morte”

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Precisamente um ano depois de ter sido diagnosticada com um cancro de mama, a atriz Carla Andrino, de 51 anos, diz que este episódio – que conjuga no passado – lhe deu a oportunidade de fechar um primeiro volume da sua vida de 50 anos, para abrir um segundo, no qual há páginas para outro tanto.

E se neste novo volume sobra espaço para celebrar o presente e a vida, sobra pouco para o medo e para a ansiedade.

No mês em que se assinala a necessidade de prevenção contra o Cancro da Mama, outubro, mais do que o testemunho, a atriz e psicóloga escolhe dar informação, falar sobre as escolhas que fez, a forma como olha para esta doença e, mais importante, opta por deitar por terra ideias feitas e obsoletas. Uma delas é a de que o cancro é uma sentença de morte. “Inverdade!” Diz, repete, sublinha. A segunda é a de que ignorar é meio caminho para fazer de conta de que a doença não existe. “Erro, erro!”

Leia o que diz, o que pensa e o que quer Carla Andrino que, na véspera de completar 51 anos, a 6 de agosto, comunicou no Facebook ter terminado os tratamentos, depois de ter sido sujeita a uma mastectomia, com reconstrução imediata.

[Foto: Joanna Correia; Make-Up: Danila Hatzakis]

Cancro é uma doença crónica, não uma sentença de morte!

“Esta doença é crónica, como a Diabetes ou a Hipertensão. A própria definição de cancro, ao considerar que uma pessoa é sobrevivente desde o momento do diagnóstico até ao fim da vida, reflete bem o caráter crónico desta patologia. Mas não é uma sentença de morte. Não é sinónimo de que não se viva muitos anos sem ter mais nenhum episódio agudo relacionado com o cancro”.

Diagnóstico: o perigo da recusa e do adiamento

“No que diz respeito ao cancro da mama, conheço pessoas que até se aperceberam de uma alteração (nódulo, inflamação), mas, que preferiram não ir ao médico, não fazer exames, com receio de uma notícia menos boa. Não é por não fazermos nada que os problemas desaparecem. Muito pelo contrário.”


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“As doenças diagnosticadas a tempo, regra geral, reservam prognósticos mais favoráveis. O cancro de mama e a chamada de atenção para esta doença é tão relevante que não lhe é dedicado um dia, mas, um mês inteiro (sorriso).”

“É essencial prestar atenção a uma doença que não escolhe sexo, idade ou religião, e que cada vez atinge mais pessoas e de forma variada. É preciso alertar para a prevenção de uma doença para a qual se deve olhar com respeito, muito respeito, mas sem medo.”

A finitude e a gratidão

“Porque houve um episódio agudo da doença não significa que se viva com medo ou com uma espada sobre a cabeça. Ter cancro, já, não é uma sentença de morte. Morrer… bem, morrer vamos morrer todos. Quando se passa por uma situação destas a ideia de finitude fica mais definida, valida o que já sabíamos.”

Esta doença que não escolhe sexo, idade ou religião, e que cada vez atinge mais pessoas e de forma variada

“Mas também me deixa grata, sobretudo, porque foi diagnosticada a tempo e o prognóstico é positivo. Se não fizesse exames de rotina, poderia ser tarde, o cancro poderia ter metastizado para outros órgãos e tudo seria diferente. Por isso, estou grata. Esta doença não me limita, nem me impede de viver, apenas me relembra o contínuo respeito e cuidado que tenho de ter comigo. Agora, sou muito mais cuidadosa com a alimentação, com as horas de sono, com a atividade física.”

[Foto: Joanna Correia; Make-Up: Danila Hatzakis]

Objetivos de fim de ano que todos prometem a si próprios, mas nunca cumprem? Agora, é a sério!

“Exatamente (risos). É verdade. É isso que fazemos na passagem de ano, altura de balanços: vou-me alimentar bem, fazer exercício… Depois, metade dos objetivos ficam pelo caminho.”

“Hoje, tenho mais atenção à alimentação, à necessidade de beber litro e meio de água, de comer mais frutas e legumes, de não ingerir gorduras, de fazer caminhadas… Isto não foi uma mudança de ano, mas uma mudança de capítulo. Ou melhor, um livro, um primeiro volume que fechei aos 50 anos. Agora, estou a abrir outro. Neste segundo, sou uma nova Carla: que vive mais do que nunca o presente que é a VIDA. Este cancro está no passado. Já foi. Eu vivo no presente!”

Pensamento positivo é 50% do sucesso

“O meu médico, assim que me foi feito o diagnóstico, disse-me que 50% da probabilidade de tudo correr bem estava na minha cabeça, ao que perguntei: ‘Não posso ficar com 51% para ficar com o poder do meu lado?’ (risos) ‘Não, faça os seus 50% e deixe os outros 50% para os doutores.’ ‘Considere a minha parte feita’, afirmei, de imediato.”


Recorde os testemunhos de Marta Leão e de Ana, de Carla Amorim, de Eugénia Amaro.

Anónimas que se juntam a famosas como a argumentista brasileira Gloria Perez, as atrizes Julia Louis-Dreyfus e OliviaPaige Newton-John ou a manequim Paige More.


A palavra preferida: SEDA!

“Sabe, passei a achar a palavra SEDA uma das mais bonitas (risos). Foi a sigla que arranjei para ‘Sem Evidência de Doença Ativa’ (SEDA). Quando, no final dos tratamentos, li esta frase no relatório fiquei fã desta palavra. É isto que quero ler em todos os relatórios, para o resto da minha vida. Ou seja, a doença existe mas não está ativa.”

[Foto: Joanna Correia; Make-Up: Danila Hatzakis]

“A terapêutica, os cuidados com a alimentação e o bem-estar físico e mental, previnem episódios agudos, como noutras doenças crónicas. O que se espera é que não haja nenhuma recidiva. Pode existir? Pode! Nenhum médico pode garantir que não. É uma doença crónica, ponto.”

“Existem três tempos verbais: o passado, o presente e o futuro. O cancro é passado, hoje é presente, estou em SEDA, e tenho um novo volume de vida para começar a escrever. Estou no Porto a ensaiar A Bela e o Monstro, no Gelo [Nr: Carla também integra o elenco da peça Noivo Por Acaso, que parte em digressão, em novembro, à Póvoa do Varzim, Funchal e França], está um dia de sol lindo, vou dar um passeio. O futuro? Não vivo nele. No presente, tenho, como dizia, um novo volume de vida para começar a escrever, porque vêm aí mais 50 anos. Não posso morrer agora, não quero e não vou! Não é agora e não vai ser disto!”

Exames de rotina e a ansiedade

“No meu caso (recordo que cada caso é um caso), durante os primeiros dois anos, farei exames de rotina de três em três meses. Do segundo ao quinto ano, passarão a ser semestrais. Não lhe vou mentir, há alguma ansiedade e medo, não tanto pelo exame, mas pela espera do resultado. É natural, é sinal que estou agarrada à vida, que gosto dela, de a viver e não quero morrer.”

“Mas, trabalho essas emoções que advêm de um pensamento negativo, de que algo pode não estar bem. Ou seja, não controlo o tipo de pensamentos que me ocorrem, muito menos a frequência ou a intensidade com que me invadem. Mas, posso pensar sobre o pensamento (metacognição) e decidir se quero continuar com ele, ou alterá-lo.”

“Um pensamento ativa uma emoção. Portanto, se o pensamento não é positivo eu altero-o e, naturalmente, é acionada uma emoção mais saudável. E é aí, nessa primeira oportunidade de modificar o pensamento, que decido que quero pensar positivo, que tudo vai correr bem e que nada mais vai acontecer. O medo e a ansiedade diminuem e dão lugar à esperança.”

O público e o privado numa doença como o cancro da mama

“Primeiramente, queria viver isto [cancro da mama] comigo e com os meus. E vivi. Nos primeiros três meses estivemos resguardados, o que foi crucial para lidarmos emocional e psicologicamente com esta, nova, realidade. Mas, a partir do momento que fui informada que a notícia ia tornar-se pública, decidi ser eu a contar, na primeira pessoa. É a minha VIDA!”

“Fiz o comunicado através das redes sociais, expus a situação, pedi respeito pelo momento que estava a viver e (tirando uma ou outra noticia mais invasiva) tive-o. Mais, senti um país inteiro a torcer por mim e isso foi muito gratificante. As milhares de mensagens de apoio muscularam a minha força, coragem e esperança de vencer esta batalha.”

“Saber, ver, ouvir e sentir que a minha história ajudou, e inspirou, outras pessoas a viver momentos semelhantes ao meu deixa-me grata. E viva a VIDA!

Testemunho da atriz e psicóloga clínica Carla Andrino, recolhido e editado por Carla Bernardino

Imagem de destaque: Joanna Correia

Maquilhagem: Danila Hatzakis