Carme Chaparro: “Todos temos um monstro dentro de nós”

Quando a vida nos coloca em situações inesperadas, aquilo que era uma certeza pode virar dúvida e o que nunca faríamos pode afinal concretizar-se. Não sou um Monstro é o primeiro livro da jornalista espanhola Carme Chaparro, 45 anos. Um thriller que nos faz questionar a nossa própria natureza, mostrando que há momentos em que o monstro que temos dentro de nós é obrigado a despertar e que isso não nos torna menos pessoas.

Com duas mulheres no papel de protagonistas e o desaparecimento de uma criança como tema central, a história gira em torno de uma investigação policial e de temas como: a maternidade, a perda, a responsabilidade e os medos.

Em entrevista ao Delas.pt, Carme afirmou ser uma feminista militante e explicou a importância da presença da figura feminina para a história. Recordou como começou esta aventura na literatura, o que mais gosta neste género e disse vir aí a segunda parte deste thriller, que conta já com mais de 80 mil exemplares vendidos só em Espanha.

Fã da leitura e da escrita, além de ser apresentadora e de estar à frente das edições informativas da Telecinco e Noticias Cuatro, Carme Chaparro tem um blog (“Ferrovial”) e colabora com várias revistas espanholas – Yo Dona, GQ e Mujer Hoy.

Carme Chaparro, jornalista e autora do livro “Não sou um Monstro”. [Fotografia: Gustavo Bom / Global Imagens ]

Este é o primeiro livro de Carme Chaparro. Porquê escrever um thriller?

Comecei este livro pelo final, pelos dois últimos capítulos. Um dia quando saí do trabalho, lembrei-me de uma história que havíamos contado e pensei: e se a história fosse outra e acontecesse por outro motivo? Cheguei a casa e escrevi o que parecia ser um pequeno conto e assim comecei o livro, pelo final. E se o final era de thriller, tinha que ser uma história de thriller.

Sendo jornalista, como é que isso se reflete neste livro?

Como jornalista estou acostumada a contar muitas histórias e algumas muito duras. O que é difícil, porque quando há coisas que te afetam tens que manter a postura, não podes começar a chorar em frente à câmara de televisão. O que tentei fazer aqui foi contar isso, mostrando toda a parte das tripas. Em Espanha dizemos muito: “falar com as tripas” que é como falar friamente. No final, contas o mesmo, mas uma coisa é jornalismo e outra é ficção. Os males são sempre piores na vida real, por muito que escrevamos os males em livro, os da vida real superam sempre. Mas as pessoas não acreditam, talvez por ser difícil acreditar na maldade do ser humano.

“Quando a vida nos põe numa encruzilhada (…) temos que tomar uma decisão e é nesse momento que percebemos que há muitos monstros dentro de cada pessoa”

Joan, um dos personagens, afirma que todos temos um monstro dentro de nós à espera de ser revelado. Essa é a condição humana?

Sim, acredito que todos temos um monstro dentro de nós. Lembro-me que quando era pequena estreou um filme com atores famosos de Hollywood em que o argumento era sobre um homem rico que oferecia dinheiro a uma mulher jovem e ao marido dela para que ela estivesse com ele. Pensei: Quanto vale a dignidade de uma pessoa? Aqui não é pela questão do dinheiro, mas pela questão emocional. Pelo que é que temos de passar emocionalmente? Em que situação temos que estar na vida para fazer algo que nunca faríamos? O que estaríamos dispostos a fazer para proteger os nossos filhos, por exemplo, ou a família ou a própria vida? Quando a vida nos põe numa encruzilhada, que para umas pessoas pode ser a família, para outras a ambição ou o dinheiro…quando a vida nos põe aí, temos que tomar uma decisão e é nesse momento que percebemos que há um monstro dentro de cada um de nós.

Carme mostra isso, logo no início do livro, com a história de Lucía.

Sim, a Lucía tomou uma decisão muito difícil. Mas essa decisão faz dela um monstro? És um assassino? És má mãe? Não. A história de Lucía é real, faz agora dez anos em Espanha. Na altura contei essa história no noticiário e lembrei-me de colocá-la no princípio do livro. Inés também é importante aqui, é o personagem mais intenso da história e quem mais se transforma. Porque quando se conhece Inés, pensa-se na jornalista comum, igual a todas as que conhecemos. Depois com tudo o que se passa ao longo da história e dado o passado dela, entendemos que se pode ter muitas caras e viver a vida de muitas maneiras.

Tal como os personagens evoluem, também a história muda de direção várias vezes. Como é escrever tendo que deixar todas as hipóteses em aberto?

Em Não sou um Monstro foi fácil, porque já tinha o final. Já sabia onde queria chegar, só tive de ir por vários caminhos para que o leitor não soubesse qual era a paragem final. Tive que despistá-lo. Por isso é que ao longo da história ocorrem vários possíveis vilões, pessoas de quem se pode suspeitar. É preciso ocultar quem é o mau de verdade, para que o leitor não o descubra. Para mim, foi um processo relativamente fácil, assombrosamente fácil.

“Queria reivindicar o papel das mulheres fortes, protagonistas, mulheres em que acreditamos. Estamos habituados a thrillers com homens (…) e a vida real não é assim”

É essa a magia dos thrillers? Trocar as voltas ao leitor?

Sim, evidentemente. A marca do thriller é essa: despistar o leitor, fazê-lo crer que sabe a verdade quando não sabe; é fazer com que se queira passar à página seguinte. Mas isso não invalida que esteja bem escrito. Pelo contrário. Tem que ter toda essa parte de intriga, mas também tem que ser boa literatura e estar bem construído. Tem de apresentar corretamente toda a parte da investigação policial e ainda o psicológico de todos os personagens.

Na história é notória a presença forte do sexo feminino. Além de várias personagens mulheres, podemos considerar duas como personagens principais. Porquê optar pela figura feminina como protagonista?

Primeiro porque sou mulher e sou feminista militante. Além disso, queria ser muito honesta emocionalmente na história e não via isso num homem. Porque no fundo, um escritor tem de ser como um ator e o ator cria o seu personagem. E descobri que o escritor faz o mesmo, tem que acreditar nas personagens que compõem a história e eu não acreditava que fosse um homem. Mas também porque queria reivindicar o papel das mulheres fortes, protagonistas, mulheres em que acreditamos. Estamos habituados a thrillers com homens e muitas vezes não acreditamos em muitos dos protagonistas dos thrillers porque é só investigação, sexo e álcool e a vida real não é assim. Não são só os homens polícias que resolvem casos com êxito. E creio que nós mulheres escritoras captamos mais essa parte emocional, que toda as pessoas têm, mas que os homens que escrevem thrillers por vezes não estão tão interessados. Uma investigação policial trepidante, uma literatura bem escrita, mas com todos os motivos, com todos os porquês das pessoas fazerem aquilo, para mim são estes os três pilares fundamentais para a maneira como escrevo.

Mas podemos esperar que escreva outros géneros ou thriller é o seu género?

De momento já está aqui a segunda parte, a continuação depois do final surpreendente do primeiro livro. E é thriller, evidentemente, porque permanecem as mesmas personagens. Mas como gosto de ler vários géneros, quem sabe um dia, se me ocorrer outra trama, outra história, se não serei capaz de escrever algo diferente. O que o thriller tem é que nos conduz facilmente, a intriga leva-nos a querer continuar, passando páginas e páginas. É relativamente fácil fazer com que o leitor queira seguir a história, lendo tudo em poucos dias.

Carme Chaparro, jornalista e autora do livro “Não sou um monstro” [Fotografia: Gustavo Bom / Global Imagens]

Há alguma mulher da literatura que a inspire?

Eu leio muito, sempre gostei de ler. Lembro-me do primeiro livro, devia ter 13 ou 14 anos…na verdade foram dois, um era de uma mulher, que me fizeram saltar de uma literatura mais adolescente, mais juvenil, para a grande literatura. Foi A Casa dos Espíritos, de Isabel Allende, e O Senhor dos Anéis, de Tolkien. Há muito boas mulheres a escrever, mas também bons homens a escrever e eu leio tudo, tudo, tudo.

E quem lê terror? São maioritariamente homens ou mulheres?

Pois, não sei…eu leio terror. Não sei como funciona em Portugal, mas em Espanha, quem mais compra e quem mais lê todo o tipo de géneros são mulheres. Seja terror, ficção… Eu gosto muito de ler Stephen King. Para mim é um escritor que escreve muito, tem muita produção, é terror com thriller, mas é boa literatura. É um escritor maravilhoso e dentro do género de terror há escritores magníficos. Nós, mulheres, temos vindo a chegar a pouco e pouco e há cada vez mais mulheres neste género. Creio que o que terá ajudado muito ao boom do thriller na literatura foi o boom de todas as séries das plataformas digitais. Isso mostrou às pessoas que o thriller não tem que ser um subgénero e como se estão a fazer coisas tão boas em séries, pelo menos em Espanha, as pessoas estão a consumir mais thriller.

Falou de já estar a preparar um segundo livro. O que nos traz?

É a segunda parte de Não sou um Monstro e é intensa. Seis meses depois, Ana volta a trabalhar e de repente surge um novo crime: um assassinato. A partir daí envolvem-se todos os personagens novamente, a Ana, a Inés, o Joan, o Nori e personagens novas. Neste momento tenho seiscentas páginas, tenho que cortar um pouco.

Percorra a galeria de imagens acima para ler as frases mais marcantes da entrevista.

[Fotografia de destaque: Gustavo Bom / Global Imagens]

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