Carminho: “Se não cantasse morria”

Em miúda, quando as fadistas d’O Embuçado, a casa de fados da mãe, a honravam com os seus próprios xailes por ser já tão boa artista, Carminho recusava-os, tal como hoje, não sabia o que fazer com eles. Mas assume que os usa para ir ao café.

Falámos com Carminho a propósito do seu último trabalho “Carminho Canta Tom Jobim”, que será apresentado ao público em Lisboa dia 30 de novembro no Altice Arena e em Guimarães dia 2 de dezembro no Multiusos da cidade. E nas melhores condições possíveis, que Carminho pensa serem irrepetíveis e excecionais: “Este concerto único só acontece porque foram reunidas as condições para que viesse a banda que tocou no disco, a Banda Nova, que acompanhou o Tom Jobim nos últimos 10 anos da sua vida: tem o filho, o Paulo Jobim a tocar viola, ou melhor violão, o Daniel Jobim, neto do Tom, no piano, Jacques Morelenbaum no violoncelo e Paulinho Braga na bateria. É por isto tudo a banda mais experiente em Tom Jobim.”

Carminho (Bruno Lisita / Global Imagens)

Ter consigo a banda mais experiente em Tom Jobim é a melhor companhia possível?

É! Foi a única forma, o melhor argumento, que eu tive para fazer um disco à volta de Tom Jobim. Já foram feitos tantos discos sobre ele, e preocupava-me o facto de eu conseguir ou não acrescentar alguma coisa. Mas com estes músicos, a poderem suportar a linguagem e a fazê-la respeitar, pude ser livre e chegar como eu sou, trazendo a minha personalidade como intérprete. Foi-me possível também apresentar sugestões na produção, e pude cantar em português de Portugal, sem sotaque brasileiro. Todos esses pormenores fizeram com que este disco, um disco da Carminho, seja sobre um dos maiores compositores do mundo.

Neste disco, e nestes concertos, canta com Marisa Monte?

A minha história com a Marisa Monte é grande, e já tem várias fases: no disco “Canto” ela cantou um tema comigo, mais tarde fiz concertos com ela ao vivo, faz agora também parte deste “Carminho canta Tom Jobim”, em que ela canta “A Estrada do Sol”. Daí convidá-la a estar nos concertos em Lisboa e em Guimarães. Antes, ainda há pouco tempo, fiz parte de um trabalho dos Tribalistas, para o qual fiz composições e cantei um tema com o grupo.

 

Sente há gente nova a ouvir fado novo?

Não acho que haja fado novo. O fado continua o mesmo, quero dizer, continua o mesmo com a evolução que o caracteriza, como um género de música urbana, como sempre foi, mas que caminha com as gerações e com a sociedade. Até mesmo na forma como as pessoas vão pensando a própria cidade. Tudo isso vai fazendo evoluir este estilo musical. Além disso não acredito nesta expressão ‘fado novo’, porque o fado é o fado, e o que não é fado não é fado, não é? Por exemplo, este disco novo não é fado. Eu é que nasci no fado, desde que nasci que o oiço, e talvez alguma coisa minha tenha trazido para este disco, de uma forma se calhar inconsciente, e que vem do facto de o fado me ter ensinado a ver o mundo e a ouvir música e a ler poesia e a interpretar canções. Primeiramente fado e depois, com o mundo que fui adquirindo, que fui bebendo, que fui querendo conhecer, tudo isso me ajuda a interpretar outros estilos musicais.

Pensa que esta nova e grande vaga de turistas é uma mola para o fado como expressão?

Não sei, acho que interesse pela parte dos turistas sempre ouve. Claro que há mais turismo hoje em dia, mas por parte deles sempre houve imenso interesse pelo fado e pelos fadistas, daí serem tão importantes desde sempre as casas de fado. É nas casas de fado que está a tradição na sua forma mais pura, os fadistas que permanecem têm em si esta linguagem que defendem e preservam. E claro, há também os que cantam lá fora, para públicos que não conhecem a língua portuguesa, e que fazem o chamado Circuito Internacional, que são poucos mas que o fazem de uma forma incrível, para promover o fado no mundo. Mas afinal também os fadistas que cá estão promovem o fado no mundo porque o mundo vem cá.

 

Sente que há uma alma fadista nos portugueses?

Há muitos portugueses que dizem que não, mas eu acho que sim, que há. E vejo isso quando as pessoas vão desprevenidas (risos). Não tem a ver com a música em si, quando ouvem, tem a ver com a nostalgia, com esta coisa de nos sentarmos à mesa, de contar histórias, de gostar de passar muitas horas a conversar. Pode ter a ver com o mar, com o saudosismo de perdas e de conquistas, e de memórias. E com a palavra saudade, que nos está intrínseca no sangue. Mas um português que diga que não gosta nada de fado e que não se identifica nada com ele, é ao mesmo tempo alguém profundamente diferente de um nórdico, que tem os seus horários, que não sai à noite, que vai ao teatro até às seis da tarde, que tem outra dinâmica na sua vida. Por isso é que o fado existe neste país e não noutro; nasceu aqui porque as pessoas são assim.

Ouve-se a si a cantar, quando está em casa?

Não.

Então, que fadistas ouve?

Oiço a Amália, oiço a Beatriz da Conceição, oiço a Maria Teresa de Noronha, oiço a Maria José da Guia, oiço a Maria da Fé, oiço imensas, depois nas gerações mais novas oiço a Alina, oiço a Mariza, oiço todas. Mas eu não oiço assim tanto fado, oiço muito do resto, variadíssima música brasileira, de várias épocas, música americana, também de várias épocas, gosto de pop, rock, punk, e oiço muita música instrumental.

Carminho (Bruno Lisita / Global Imagens)

À queima-roupa:

Se não cantasse faria o quê?

Se não cantasse morria.

O que é que a faz rir?

Boas piadas.

O que é que a aborrece muito?

Ruídos.

Sempre que pode faz o quê?

Tomo o pequeno-almoço ao meio-dia.

O seu pior defeito?

Sei lá, são tantos.

Posso escrever isso, são tantos?

Pode, mas isso não é dizer o defeito, é escapar-me à pergunta. Mas pode escrever intolerância.

E a sua maior virtude?

Ai são tantas que eu também não sei escolher (risos)! A determinação.

Se mandasse no mundo o que decretaria já?

Há a tentação de dizer ‘acabar com as fronteiras’, mas se eu mandasse no mundo teria que pensar muito bem.

Se a Carminho fosse uma cantiga, qual seria?

Seria a “Estrada do Sol”, do Tom Jobim.

 

Apresentação do disco “Carminho – Canta Tom Jobim”

Lisboa: Altice Arena, 30 de novembro

Guimarães: 2 de dezembro no Multiusos de Guimarães

Por: João Galvão

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