Casa é como se chama o terceiro disco de Carolina Deslandes, lançado na passada sexta-feira, 20 de abril. Um trabalho que reúne 15 temas, todos acústicos e cantados em português, que a cantora de 26 anos descreve como um regresso às origens.

Depois de dois discos com temas em inglês e componentes eletrónicas e orgânicas, Carolina diz querer fazer canções simples. Inspirada no dia-a-dia, nas emoções e nas relações, apresentando este disco como uma compilação de “momentos da vida tal e qual como a vida é”.

A atravessar aquela que diz ser a melhor fase que viveu até agora, em entrevista ao Delas.pt, Carolina Deslandes falou sobre este novo álbum e disse como foi trabalhar neste projeto com o companheiro, o produtor Diogo Clemente. Contou como foi descobrir o gosto por treinar e abordou ainda temas como a insegurança, a maternidade, a pressão imposta ao sexo feminino quando no papel de mãe e as ilusões criadas pela internet através das redes sociais.

Com concertos agendados, Carolina Deslandes diz que os próximos tempos serão a fazer aquilo que mais gosta: apresentar o novo disco e tentar acabar um segundo livro. Autora do blogue A Vida Toda e com um livro já editado Isto não é um livro, escrever é outra das paixões de Carolina.

Carolina Deslandes, cantora portuguesa de 26 anos. [Fotografia: Reinaldo Rodrigues / Global Imagens]

O que traz este terceiro disco, Casa, de novo e de diferente?

Este é o primeiro disco que faço todo em português, logo aí já é diferente, e todo acústico. No meu primeiro disco tinha acabado de chegar de Londres, era uma miúda, tinha saído do Ídolos há muito pouco tempo. No segundo tinha vindo de Londres, tinha estado a ouvir muita música de fora. Tinha vontade de cantar em inglês, porque estive a viver lá e tinha falado inglês durante muito tempo. Agora tem a ver com uma fase de regresso às origens, por isso é que o disco também se chama Casa. Regressei às minhas origens, quero cantar na minha língua, quero fazer canções simples, leves a nível de som.

Essa simplicidade e leveza fazem deste um disco mais calmo, mais suave?

É suave no sentido em que não há nada muito barulhento. Mas é um disco muito denso e intenso também. Não tem só coisas felizes. A Vida Toda e o Avião de Papel são o cartão-de-visita deste trabalho e há muita gente que acha que o disco vai ser todo assim, nesta onda muito feliz. Tem muitos temas felizes, mas tem outros tristes, de raiva, de desgosto, de perda… É um disco que tem vários retratos da vida e de momentos da vida, tal e qual como a vida é. A vida nem é sempre alegre, nem é sempre triste, nem é sempre raivosa. Não. Tens vários momentos, tens várias situações, e conforme vais passando por essas situações vais sendo inspirada por momentos diferentes. Este disco tem um bocadinho de tudo e é tudo vivido de forma muito intensa, como vivo sempre.

“[o disco] Foi escrito no período em que fiquei noiva. Portanto casa de casa e casa de casa comigo também, de casar”

É um disco de emoções, de relações? É um disco que vive o dia-a-dia?

É tudo coisas do dia-a-dia, tudo coisas da minha vida, chama-se Casa por isso mesmo. Porque todos os assuntos me são tão próximos que todos me trazem esta sensação de conforto, de estar em casa, de estar à vontade e também porque foram quase todos compostos em casa, durante o tempo em que estive grávida e depois de os meus filhos nascerem. Por isso, fazia todo o sentido. Também foi escrito no período em que fiquei noiva. Portanto casa de casa e casa de casa comigo, de casar. Acho que é a primeira vez que digo isto, mas sim, também teve alguma influência. Achei que era giro lançar o disco na altura em que fui mãe e na altura em que fiquei noiva.

Casa tem a participação dos cantores Rui Veloso, António Zambujo e Maro. Aconteceu ou foi premeditado?

Todos os temas que têm um convidado não foi porque: ‘Ai, era fixe termos o Rui Veloso’ ou ‘Era fixe termos… Porque são nomes que se conhecem’. Zero. Até os músicos foram pensados para cada canção. Canção a canção. O Avião de Papel, por exemplo, se as pessoas prestarem atenção: ‘Amor o mundo quebra-te os sonhos / Às vezes cai-te todo nos ombros / Eu levanto-o inteiro por ti / Eu viro cavaleiro por ti…’, tem uma ligação. Quando escrevi o Avião de Papel disse: ‘Tem que ser o Rui a cantar comigo’. A Coisa mais bonita, que é onde entra o Zambujo surgiu depois de ouvir o disco dele a cantar Chico Buarque. Fiquei inspiradíssima com aquilo e fiz canções que pensava: ‘Isto era mesmo para ele cantar’. A Maro… Sou absolutamente fascinada por ela. É uma força da natureza e tem das vozes mais bonitas que já ouvi. Disse: ‘Quero muito convidá-la e espero bem que ela não me diga que não’. O Avião de Papel e o tema que cantei com ela, Não me deixes, foram originalmente compostos para a Sara Tavares, as pessoas não sabem isto. A Sara acabou por falar comigo e dizer que adorava os temas, mas que não se via a cantar nenhum deles, então cantei eu. E num desses temas convidei a Maro, porque pensei: a voz dela aqui vai rebentar com tudo.

A fechar o disco está a música Circo de Feras, dos Xutos e Pontapés. Porquê acabar assim?

O Circo de Feras é uma canção, para mim, épica. Aquilo é uma balada épica. É lindo! E pensei: ‘Qualquer canção que venha a seguir ao Circo de Feras, coitadinha. Isto vem para aqui para arrebentar com tudo’. Então decidi logo: ‘Quero por isto no fim, quero pôr para acabar’. Decidi fazer uma versão dos Xutos e Pontapés, porque foi o primeiro concerto a que fui. Fui com o meu pai e foi a primeira vez que vi artistas num palco ao vivo e pensei: ‘Uau, quero tanto fazer isto!’. E porque acho que qualquer português, em qualquer parte do mundo, ouve Xutos e Pontapés e sente-se mais perto de casa. Isso aconteceu-me quando vivi fora. Ouvia e aquilo trazia-me de volta para casa, então fez todo o sentido eles entrarem neste Casa.

“Tenho noção que este disco só ficou com o resultado final que ficou, e do qual me orgulho muito, porque ele levou-me a sítios que não teria sido capaz de ir sozinha”

O disco traz ainda três músicas dedicadas à família de Carolina. Foi algo planeado, uma vez que falamos de Casa?

Não, não foi planeado de todo. Fiz a música do Benjamim no dia em que ele nasceu. O Benjamim nasceu prematuro e eu estava com muito medo que ele não estivesse bem. Fiquei em pânico. Quando de repente ele nasceu, correu tudo bem, e o puseram nos meus braços foi um alívio enorme. Então escrevi essa canção que fala da sorte que tenho de ter sido escolhida para esse papel de poder vê-lo chegar, de poder abraçá-lo, de poder fazer parte de tudo. É a felicidade mais pura do mundo. A Vida Toda é na verdade para o Diogo, foi um presente de anos que lhe dei e é a explicar aos nossos filhos como é que nos conhecemos e acabámos velhinhos juntos. Nos teus olhos é para o Santiago, porque o Santiago tem uns olhos enormes, enormes, enormes. Ainda não fala muito, mas é super expressivo, fiz essa canção para falar sobre o mundo que vejo dentro dos olhos dele. Um mundo com tantas coisas e tanto que ele diz sem dizer. Acabou por acontecer.

Além da música dedicada ao companheiro, Diogo Clemente, ele também teve um papel importante na realização deste disco, como produtor. Como foi trabalhar em conjunto neste projeto?

Difícil. Maravilhoso e difícil. Não é fácil tu dizeres à pessoa que vive contigo e que é tua namorada: ‘Olha eu não gosto disto, temos que refazer’ ou ‘Olha não ponhas tanto não sei quê, põe mais…’ é um bocadinho ingrato. Além disso acabas por estar sempre a falar de trabalho. Nós sentíamos que quando íamos jantar fora ou tínhamos um bocadinho para estar os dois, estávamos sempre a falar do disco. É muito difícil trabalhares com alguém com quem tens uma relação. Mas depois, por outro lado, ninguém me conhece tão bem como ele, ninguém puxa tanto por mim como ele puxa. Ele levou-me ao meu limite. Tenho noção que este disco só ficou com o resultado final que ficou, e do qual me orgulho muito, porque ele levou-me a sítios que não teria sido capaz de ir sozinha. Sítios a nível interpretativo, de prestação vocal, de composição, de assuntos, de tudo. Foi uma ajuda muito, muito, muito valiosa.

“Por ser mãe quer dizer que escolhi então abdicar da minha carreira? Não, significa que num espaço de tempo vou dedicar-me aos meus filhos”

Recentemente utilizou o Facebook para falar do momento em que pensou desistir da música, tendo também referido ter sido alvo de comentários do género: “Agora como é mãe já não é cantora”.

As pessoas querem sempre destabilizar, é inacreditável e acabam por pôr em ti os medos delas. E isto de: ‘Ah tens de decidir. Queres ser mãe ou queres ser artista ou queres ser cantora?’. Eu quero tudo! E agora? Porque é que tenho que ser uma coisa? Porque é que há esta necessidade de enfiarmos as pessoas numa caixa? Por ser mãe quer dizer que escolhi então abdicar da minha carreira? Não, significa que num espaço de tempo vou dedicar-me aos meus filhos. Ser artista não se escolhe, é algo que é de ti. Nunca na minha vida saberia viver de outra forma. Viveria como é óbvio, mas por muito que isto não fosse o meu trabalho ia sempre fazer canções. É a forma como vivo, isto é a minha gasolina. Isso é feito para destabilizar. Mesmo a pressão que existe de: ‘Ok e depois nasce o filho e quando é que estás preparada para voltar?’ Meu, relaxa, calma. Isto não tem que ser assim.

Essa é uma pressão que existe muito para com o sexo feminino?

É algo que é muito para as mulheres. Porque aos homens, nunca ouvi, como me dizem muitas vezes quando estou em algum lado: ‘Estás aqui? Então e os miúdos?’ E eu: ‘Estão no carro e vou atirando bolachas’. Então?! Os miúdos estão em casa. Estão com os meus sogros ou com quem me ajuda a tomar conta deles. O Diogo está e todo o lado e nunca ouvi ninguém perguntar-lhe: ‘Então e os miúdos?’, nunca ouvi ninguém dizer-lhe: ‘Então Diogo, agora vais ser pai, vais deixar de tocar guitarra?’. Não, isso é algo que é muito para as mulheres, as mulheres levam muito com isso. Como é que acham que uma pessoa que aguenta acordar dez vezes por noite, que amamenta enquanto, se for preciso, está a enviar um e-mail ou o que for, que cozinha, que faz tudo… Como é que acham que fiquei menos apta? Menos apta para quê exatamente?! Ganhei uma resistência que nem sabia que tinha. Não percebo. Isto valoriza-te, não te desvaloriza. E não estou a dizer no sentido de que quem não é mãe, não tem o mesmo valor. Não. Mas isto faz-te descobrir outro tipo de coisas e fiquei muito chateada com essa insegurança que me quiseram pôr.

Que insegurança foi essa?

Puseram-me muito a sensação de: ‘Olha perdeste o comboio. A decisão foi tua. Agora se quiseres voltar tens de correr’. Ouvi exatamente esta frase. O que não sabem é que quando tu tens muita vontade, se for preciso constróis a linha, montas o comboio e pões aquilo a andar. Eu não perdi comboio nenhum, vou fazer um comboio! E foi isso que fiz com Benjamim e tenho a certeza que do próximo filho vai ser: fechar a minha casa e fazer daquilo um santuário nos primeiros tempos. Não ouvir, não deixar que isso me destabilize, não deixar que me perturbem. Dar-me ao luxo de viver a minha vida como quero viver e não ouvir absolutamente mais nada. E é isso que tenho vindo a fazer e que cada vez mais acredito que me protege muito.

“Quando comecei a perceber que: ‘Ok, isto não é assim tão fácil de voltar ao normal como achava que iria ser’, comecei a ficar um bocadinho assustada”

De facto, após as duas gravidezes, referiu sentir que muitas mulheres depois de serem mães conseguiam recuperar rapidamente a boa forma, o que não aconteceu com a Carolina. As expectativas eram outras?

Honestamente nunca pensei muito nisso. Nunca pensei: ‘Ah como é que vai ficar o meu corpo depois?’, porque estava a viver as minhas gravidezes tão intensamente que não tive essa preocupação. Quando comecei a perceber que: ‘Ok, isto não é assim tão fácil de voltar ao normal como achava que iria ser’, comecei a ficar um bocadinho assustada. Principalmente porque há sempre muitos exemplos de sucesso e poucos de histórias de fracasso ou de dificuldade. Quem me dera a mim que, na fase em que comecei a achar que era um extraterrestre, por não conseguir ficar logo bem, tivesse havido outra figura pública que tivesse dito: ‘Eu passei por isso também’. Mesmo que não fosse figura pública, que houvesse uma pessoa que me dissesse: ‘Também estou a passar por isso’. Para não sentir, ‘se calhar o problema é meu’. Sou insegura, tenho as minhas questões e não tenho vergonha nenhuma disso. Não tenho de ser a forte, a que supera tudo. Também sou frágil, também tenho as minhas inseguranças e os meus medos, como toda a gente. Gosto de falar da dificuldade, porque ela existe e porque a internet tende a passar uma ideia em que tu quase sentes que a vida de toda a gente é melhor do que a tua, quase que te sentes uma porcaria por não conseguires ficar logo em forma, ou por não conseguires ter a casa impecável, ou por não conseguires ter aquele bronze. Tu não sabes é que se calhar estás a pensar nisso, a olhar para uma fotografia e a pessoa dessa fotografia está a olhar para a tua a pensar: ‘Quem me dera ter aquela vida’.

Carolina Deslandes [Fotografia: Reinaldo Rodrigues / Global Imagens]

É essa a mensagem que tem tentado passar aos fãs e às pessoas que a seguem?

Gosto de passar a mensagem: ‘Às vezes os nossos sonhos parecem inalcançáveis, parecem a coisa mais ridícula do mundo e que só os outros é que conseguem. E não’. Gostas muito? Faz-te feliz? Trabalha muito, trabalha muito e vai atrás. Agora há uma coisa, dá muito trabalho. É preciso ter muita coragem para se ser feliz. A Penélope Cruz há uns anos ganhou um Óscar e disse: ‘É incrível para mim estar aqui a ganhar um Óscar, porque venho de um sítio onde as pessoas são programadas para não sonharem com isto’. Como se: ‘Isso nem vale a pena pensar’. Porque é que não vale a pena pensar? Quem é que diz que não vale a pena? Atreve-te a pensar nisso. Vai atrás. O meu manager, quando eu dizia: ‘Mas como assim? Como é que vais falar com essa pessoa?’ Ele respondia: ‘Carolina, lembra-te que todos acordamos, vamos à casa de banho, comemos, espirramos, bocejamos. Todos somos seres humanos, as pessoas são todas pessoas. Não vale a pena olhar para elas numa de que é inalcançável’. Nunca mais me esqueci disto, porque é verdade.

“Às vezes a prova de amor vem das coisas mais simples”

As redes sociais estão a dificultar a forma como as pessoas vivem, se relacionam e lutam pela felicidade?

Odeio quando me dizem: ‘Ah, tens a família perfeita, tu e o Diogo têm a relação perfeita’. É mentira. É mentira. Qualquer pessoa que for ler os posts que escrevo para o Diogo, vê que digo sempre: ‘Fazes-me perder a cabeça, há dias que só me apetece chamar-te nomes, outros em que te amo perdidamente e há outros que não te posso nem ver’. A vida é mesmo assim, não quero de todo passar aquela ideia do: ‘Nós somos os melhores amigos e estamos sempre de acordo’. Não, somos pessoas absolutamente diferentes, somos muito amigos, sem dúvida alguma, adoramo-nos, mas discutimos imenso, entramos em desacordo e passamos por dificuldades. Vejo tantas amigas minhas a dizer: ‘Ah vês, o não sei quantos deu flores à não sei quantas. Eu nunca recebo flores’. Não gosto disso. Não chegas todos os dias a casa e tens flores espalhadas por todo o lado. Não. Às vezes a prova de amor vem das coisas mais simples. Às vezes vem de o Diogo ir fazer torradas para ele e fazer para mim também. Não é preciso estarmos sempre a andar de balão ou a receber flores não sei onde. Claro que também é importante, mas não temos que estar sempre a comparar com os filmes, com isto ou com aquilo. A vida não é isso.

Carolina Deslandes [Fotografia: Reinaldo Rodrigues / Global Imagens]

Recentemente revelou no Instagram o gosto por treinar, algo que diz ter descoberto. Porquê agora?

Basicamente não estava com disponibilidade mental, nem com paciência para meter na cabeça: ‘Ok, tens de fazer um plano alimentar, tens de treinar’. Não estava. Comecei a tocar, a fazer concertos e sinto que não estou com preparação física para o trabalho que tenho pela frente. E sinto que as pessoas que compram bilhete para me ver têm de me ver na minha melhor forma. Então comecei a trabalhar nisso. A correr, a fazer treinos, a lutar. Treino cinco vezes por semana. Nem foi com o objetivo de ficar magra, não. Quero ser resistente, quero ter fôlego, quero ter caixa. E é isso que estou a fazer e estou a adorar. O mais difícil muitas vezes é a preguiça. Sempre fui muito mais de ler e de ver filmes do que propriamente de atividade física. Nunca fiz um desporto, não sou muito coordenada sequer a nível motor, portanto é uma coisa meia distante para mim. A parte boa é que tenho muito mais energia para o dia, sinto-me muito mais resistente. Sinto-me capaz de fazer coisas, não sei. Aquilo acaba e sinto-me forte.

Como descreve esta fase que está a viver agora?

A melhor fase que já vivi até hoje, sem dúvida alguma. É a fase em que estou mais realizada a nível profissional e pessoal, a fase em que me sinto mais amada. A única coisa na minha vida que olho e penso ‘Bolas’ é o meu avô não ter conhecido os meus filhos. A minha vida é muito perto da perfeição, para mim, atenção. Sou muito feliz mesmo, muito feliz.

Veja o vídeo acima para (re)ver algumas das respostas mais marcantes de Carolina Deslandes.

[Fotografia de destaque: Reinaldo Rodrigues / Global Imagens]

Carolina Deslandes percorre Portugal em 24h para mostrar o novo disco

Carolina Deslandes prepara regresso