“Qualquer dia entram no consultório do psicólogo a pedir ajuda para arranjar o par ideal”

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[Fotografia Shutterstock]

A Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP) e a SIC voltam a estar em pé de guerra. Depois de Supernanny, esta entidade profissional volta a fazer ouvir a sua voz mas contra os especialistas do Casados à Primeira Vista, formato apresentado por Diana Chaves e que está a liderar nas audiências.

Ao Delas.pt, Miguel Ricou, presidente da Comissão de Ética (CE) da Ordem e cuja direção interpôs uma ação contra o programa junto do Conselho Jurisdicional (CJ) da Ordem, fala num formato televisivo que, entre outros fatores, “está a criar falsas expectativas nas pessoa e a lançar a confusão sobre outro tipo de profissionais que têm cursos de, sabe-se lá, quantas horas”. “Uma confusão de profissionais que nos preocupa enquanto psicólogos”, acrescenta.

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O especialista, que já foi vice-presidente do CJ, crê que, com este tipo de iniciativas “qualquer dia temos pessoas que entram pelo consultório a pedir ajuda para arranjar o par ideal”. Ou, dito de outro modo, “parece que estamos a dar receitas e isso é muito perigoso”.

Intervenção ou comentário: o impasse

Para a Ordem, não há dúvida de que os profissionais envolvidos em Casados à Primeira Vista estão a fazer intervenção psicológica em público. “Consultoria também é intervenção. Só seria a primeira se estivéssemos perante casos abstratos, mas não. Eles estão a fazer uma avaliação daquelas pessoas e no espaço mediático”, refere Miguel Ricou que, ainda antes do programa estrear, viu o CE a que preside a ser chamado para dar um parecer sobre o formato.

Miguel Ricou
Miguel Ricou, presidente da Comissão de Ética da Ordem dos Psicólogos Portugueses [Fotografia: DR]

“Comecei a olhar para isto um pouco antes do programa estrear porque a produtora nos pediu um parecer”, confirma Ricou. Uma análise que, não impedindo nada, lançou algumas reservas. “Começámos a refletir sobre as questões éticas do ponto de vista da psicologia, em que a intervenção dos psicólogos é feita em contexto mediático e no âmbito da qual as pessoas estão completamente expostas”, refere. E lembra: “Ao contrário do programa infantil, neste caso estamos num programa com adultos e que deram a devida autorização”.

Para a produtora do conteúdo, Shine Iberia, não há intervenção, mas até há “ambiente clínico”. Na única reação oficial, que chegou em comunicado, a empresa diz que “apesar de não existir intervenção psicológica no programa, mas sim consultadoria e das avaliações terem sido feitas em ambiente clínico”, elas são feitas por profissionais “cujas habilitações tenham sido obtidas no estrangeiro e está regulado nas Diretivas Europeias 2005/36/CE e 2013/55/EU”.

“Não tenho expectativas que o programa termine por causa disto”

O caso que volta a opor a OPP e a SIC tem por base, refere Ricou, uma queixa da direção da Ordem, admitindo que possam existir mais porque “felizmente os psicólogos têm a noção do que é e não é mais adequado”, diz.

Contudo, os prazos de decisão podem mesmo não acompanhar a emissão, ao contrário do que sucedeu com Supernnany que, ao abrigo de uma providência cautelar, viu um episódio inibido, levando o canal a suspender o programa. “Não tenho nenhuma expectativa que o programa termine por causa desta polémica”, refere o presidente da Comissão de Ética. Afinal, justifica, “há a fila de espera” e é “natural que leve tempo”, podendo “ir para lá do fim do programa”.

Na verdade, mesmo que a Ordem sancionasse os psicólogos por estarem, alegadamente, a fazer intervenção em direto ou sancionasse o especialista Alexandre Machado por ter sido apresentado como “neuropsicólogo” quando, na entidade profissional, está ainda registado como “psicólogo júnior” (em estágio), todas estas decisões podem ser alvo de recurso nos tribunais comuns. O que, como é óbvio, adia sanções com caráter mais efetivo.

Estes programas fazem da televisão um verdadeiro cupido

Quanto a Machado, a produtora reitera os créditos do especialista e, na mesma nota enviada à Comunicação Social, afirma que ele está inscrito na Ordem desde “2017, tendo já concluído o obrigatório período de estágio e relatório final, aguardando a conclusão do processo destinado a novos membros com a participação num curso online, que tem a duração de um mês”.

Psicólogos de casos e de programas são comparáveis?

Todos os dias há, nos vários canais televisivos, especialistas e psicólogos a comentar aturadamente crimes, casos de polícia, perfis psicológicos de vítimas e agressores. Opiniões que têm por base situações e pessoas concretas.

Para Miguel Ricou não há qualquer margem de confusão entre essa realidade e Casados à Primeira Vista. “Há uma diferença claríssima porque esses especialistas vão à televisão falar de questões genéricas associadas ao crime, não está em causa a pessoa”. E o presidente do Conselho de Ética exemplifica: “Lembro-me e, em aulas, dou sempre o exemplo de Renato Seabra e Carlos Castro [assinado em Nova Iorque, em janeiro de 2011] porque um colega foi à televisão discutir a dimensão genérica aplicada ao caso particular, quantos crimes tinham existido no mundo naquelas circunstâncias [n.r.:com um saca-rolhas]. Devemos a privacidade ao cliente”, justifica.

Ainda assim, Ricou reconhece que quando foi vice-presidente do Conselho Jurisdicional “houve muitas matérias decididas neste âmbito, mas os processos arrastam-se nos tribunais comuns”. E conclui: “Muitos dos casos julgados por declarações públicas têm partido de queixas sempre e apenas de membros da própria Ordem”.

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