Catarina Barbosa: “Agora, 44 anos depois, o inferno é na Venezuela e o céu é em Portugal”

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Tem 63 anos, 44 dos quais passados na Venezuela. Ao Delas.pt, Catarina Barbosa revela que, ao contrário de todos os seus sonhos, se prepara para comprar apenas um bilhete de ida para Portugal, em setembro.

Esta empresária – que detém, com o marido, uma padaria em Caracas – acalenta o sonho de “em fevereiro ou março” regressar à capital para recuperar parte da vida que lá deixou.

Natural de Aveiro e com uma filha a residir em Lisboa, é para a capital portuguesa que pensa mudar-se por uns tempos, enquanto a situação política (leia mais no fim da entrevista) não melhora. Mas admite não ter grande fé.

Para já, Catarina Barbosa deixa, a propósito do Dia do Emigrante, que se assinala este domingo, 13 de agosto, um relato emocionado e “triste” do que se está a passar na sociedade, na qual faltam medicamentos e alguns produtos. Diz-se “assustada” com a quantidade de portugueses que estão no de território e que se arriscam a não conseguir sair e revela ter o coração dividido quanto ao futuro.

Atualmente, estima-se, segundo o relatório estatístico do Observatório da Emigração de 2016, que sejam mais de 35 mil portugueses emigrados na Venezuela, sendo o décimo país do mundo onde vivem mais portugueses.

Em que circunstâncias é que emigrou?

Estou há 44 anos na Venezuela. O meu marido já lá estava e veio a Portugal de férias. Casamo-nos e, passados dois meses, fui ter com ele. Comecei a trabalhar a partir de casa, costurava para fábricas que me entregavam as peças, eu terminava-as e depois devolvia-as à fábrica. Tivemos duas filhas, mas uma já está em Portugal há 20 anos.

Porque veio?

Ela fez a universidade cá, mas quis ir embora antes que o Hugo Chávez [anterior presidente da Venezuela e já falecido] ganhasse as eleições. Nunca gostou da forma como ele parecia que iria governar.

E a restante família, porque decidiu ficar?

Nós ficámos porque tínhamos a nossa vida aqui: a nossa casa, o nosso trabalho, o nosso negócio. Temos uma padaria em Caracas, a Panadería Cacique, um investimento que fizemos a determinada altura da nossa vida. E isto é tudo o que temos.

E o que pretendem fazer agora?

Esta não é a melhor altura para vender, mas estamos a tentar. Pela primeira vez vamos, em setembro, para Portugal e só levamos um bilhete de ida. Em fevereiro ou março, poderemos regressar ou não, tudo vai depender da forma como o país estiver e se nos deixarem entrar no território. O meu marido é naturalizado, mas eu não sou, não sei como vai ser….

Como olha para o que se está a passar no país?

A vida aqui foi boa durante muito tempo. Íamos a Portugal de férias a cada dois anos. Conseguimos poupar, comprar uma casa aqui, em Caracas, e outra aí, em Portugal, somos da zona de Aveiro. Mas a situação mudou muito e nós não sabemos o que fazer.

Quais eram os vossos projetos iniciais?

Queríamos ficar na Venezuela até aos 65 anos, a trabalhar. Mas esta não é a melhor altura para vender o nosso negócio. Não sabemos como vai saber, apenas sabemos que vamos agora para Portugal, mas não queríamos que fosse definitivamente, de vez. Apesar de só termos comprado um bilhete de ida. Há dois anos que falamos, em família, na possibilidade de deixar a Venezuela… Mas daqui a uns meses, se a situação no país estiver melhor, regressamos.

Como está a situação, neste momento, no país?

É difícil encontrar, por exemplo, medicamentos. Ainda temos o básico, mas é complicado encontrar produtos importados. A situação está muito feia e, se não melhorar, não há nada a fazer. Mas quem recebe salário, aqui paga-se a cada 15 dias, ainda consegue comprar o mínimo para sobreviver

Como olha, pessoalmente, para o que se está a passar?

Sinto-me um pouco triste. Sonhava que, depois da reforma, iria viver seis meses em cada lado e depois alternava consoante fosse mais conveniente. É triste porque não sabemos o que fazer da vida. Se a política melhorar… mas já não tenho fé, sabe. Se calhar mais vale abandonar o que temos aqui, o que construímos ao longo da vida. Pelo menos, já salvei o mais importante, os bens mesmo pessoais, as fotografias, as recordações mais importantes. Já mandei tudo para Portugal. O que deixar aqui já pouco importa.

Como é que os venezuelanos estão a olhar para os emigrantes portugueses?

Os venezuelanos olham para os emigrantes, sobretudo os europeus, como pessoas que contribuíram para a riqueza e para a construção do país e acham que nós estamos ao lado deles nas lutas deles. E quando veem famílias a partir, já começam a sentir a nossa dor. Eles sentem que os emigrantes estão com eles.

Vai regressar a Aveiro?

Temos casa em Aveiro e a minha filha vive em Lisboa. Mas se for para viver em Portugal, pensamos ficar em Lisboa. Para a juventude, que está a começar a organizar a sua vida, acho que deve ser mais fácil partir. Mas para quem tem a vida organizada… é difícil. Não vai ser fácil recomeçar a vida depois dos 60 anos.

E hoje, como olha para Portugal?

Quando cheguei à Venezuela, com 19 anos, senti que cheguei ao céu. Eu vinha do campo, a família passava necessidades… Mas há 15 anos comecei a olhar para Portugal de outra maneira. Agora, 44 anos depois, o céu está em Portugal e o inferno está aqui. Na Venezuela, há muita pobreza, já há escassez de tudo. E, hoje, Portugal está muito evoluído. Muitíssimo, até, e em todos os sentidos.

E quando olha para todos os portugueses que estão na Venezuela e que estão a regressar [em julho, o ‘Relatório sobre emigração proveniente da Venezuela’ estimava que, devido à instabilidade, já tivessem regressado ou chegado à Madeira entre três a quatro mil pessoas desde 2016]. Como pensa que a situação se vai desenrolar?

Assusta-me. É muita gente na mesma situação que eu, são milhares de pessoas [De acordo com os censos de 2011, estimava-se que existissem mais de 37 mil e 300 portugueses emigrados, dos quais 16 mil e 500 eram mulheres]. Eles estão à espera, estamos todos à espera. O maior problema será se toda a gente quiser sair do país na mesma altura e não haver forma de o fazer. As linhas aéreas para a Venezuela são cada vez menos e isso assusta-me muito.

Venezuela: confrontos, mortos e a ameaça de Donald Trump

Presidido por Nicolas Maduro,o país está mergulhado numa grave crise política há longos meses. Desde abril que, antagonizado, o território está ser palco de uma onda de protestos a favor e contra o Governo de Maduro. Confrontos cada vez mais violentos e que já fizeram pelo menos 125 mortos.


Recorde a marcha das mulheres, um dos muitos protestos

Releia uma das mais recentes medidas de Maduro


As recentes eleições de julho para a Assembleia Constituinte – que Portugal já declarou, a 2 de agosto, não reconhecer – vieram agudizar ainda mas as posições e a violência no país.

Na última sexta-feira, 11 de agosto, o presidente norte-americano, Donald Trump, veio aumentar ainda mais a pressão sobre o país e, em geral, a América Latina ao dizer que não excluía uma “opção militar”. A entrevista a Catarina Barbosa teve lugar na véspera desta tomada de posição.

Imagem de destaque: DR