Catarina Furtado: O poder da educação tem na construção de um mundo igualitário

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O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e Catarina Furtado abrem esta segunda-feira, 20 de novembro, a Conferência Corações anual da Corações com Coroa, com uma conversa sobre o Poder da Educação para a Formação para a Igualdade. Esse é o tema do encontro organizado pela ONGD, a que a apresentadora de televisão preside, e que se dedica à cooperação para o desenvolvimento com um particular ênfase no empoderamento das mulheres. Embaixadora da Boa Vontade do Fundo das Nações Unidas para a População há 19 anos, Catarina Furtado conta nesta entrevista que se não tivesse o contrato com a ONU faria a mesma coisa: ser voz daqueles que não têm voz, trabalhar para reduzir as desigualdades sociais e promover o cumprimento dos sonhos de todos, em igualdade de circunstâncias.

Que conferência é esta?

Tem como base a Educação, mas vem no seguimento de um projeto que, logo no início, quando fundei a Corações com Coroa, queria muito que acontecesse: debatermos e refletirmos questões que têm a ver com as nossas áreas de atuação, as causas da Corações com Coroa: a igualdade de género, a não-discriminação, a não-violência, o poder dos jovens na construção de um mundo mais igualitário, a inclusão social. Nas conferências entregamos prémios para o jornalismo e para publicidade que têm como base trabalhos que promovam os direitos humanos e à volta da entrega de prémios fazemos esses debates. Este ano escolhemos como tema a Educação, mas a educação vista de uma forma muito mais vasta – o poder que a educação, seja ela formal ou informal, tem na construção de um mundo mais igualitário.

Isso é verificável? Estamos num momento em que se reflete muito, em que se faz muito pensamento acerca da importância da educação na igualdade dos papéis de género e também na diminuição da pobreza. Isto é traduzível? Já há projetos que demonstrem que a educação faz com que as pessoas possam aceder a uma vida melhor?

Não só tenham uma vida com maior qualidade, na medida em que os seus direitos são reconhecidos, como também uma vida em que aceitam melhor os outros, as suas diferenças, em que haja uma tolerância evidente. Há projetos assim, sim. Na conferência vamos ter numa mesa com exemplos concretos de escolas e de professores, de projetos de ensino, que promovem cidadãos e cidadãs muito mais conscientes dos seus diretos e dos direitos dos outros e das outras. Essa é a grande questão. Como é que a educação, dentro e fora da escola, pode promover pessoas que tenham uma perspetiva do mundo muito mais justa e que não sejam centradas em si próprias? Que tenham desde muito cedo a consciência dos valores, a consciência do que é que nós queremos no mundo, que mundo queremos nós? E há concretamente projetos que têm essa componente no dia-a-dia.

São projetos em Portugal?

Sim, são projetos que ocorrem em Portugal e que vamos ajudar a promover e a refletir, para que sejam inspiradores para outros. Eu tenho como base a minha própria educação, que não é só a educação que tive com determinado professor ou professora, é a educação do exemplo. Comecei a fazer voluntariado quando tinha nove anos, porque a minha mãe foi professora do ensino especial durante 20 e tal anos.

Que voluntariado fazia com 9 anos?

Tomava conta das crianças na praia, na colónia de férias. Para mim era tão evidente que a diferença fazia parte da igualdade, que nunca foi estranho. As crianças com particularidades e idiossincrasias diferentes das outras eram e são pessoas que nós tínhamos e temos que aceitar, respeitar e incluir na nossa própria aprendizagem. Contar com eles, não os deixar para trás. Essa minha educação para a diferença fez com que hoje tenha um olhar sobre os outros, sobre a diferença, sobre a capacidade de aceitar os outros e sobre o promover no meu dia-a-dia. É essa consciência que fez com que a minha vida passe pela tentativa de tornar a vida dos outros melhor. Foi-me aberto todo um mundo de que fazia parte o respeito pelos outros.

Esta conferência que decorre no dia 20, na Fundação Gulbenkian, chama-se o ‘Poder da Educação na Conquista da Igualdade’. De que igualdade é que sae vai falar? Qual é a proposta de discussão?

Para já, quando falamos de igualdade não estamos só a falar de igualdade de género. Estou a falar da igualdade que todos e todas temos, deveríamos ter, no acesso a… Não queremos ser todos iguais, não é isso que se pretende, ninguém quer ser igual, nem as mulheres querem ser iguais aos homens nem vice-versa. O que é importante é termos consciência de que todos têm de ter as mesmas oportunidades de acesso, partir da mesma linha de partida e depois chega quem tiver que chegar e chega quem fez o percurso merecido para chegar onde for que chegue. Poder ter essa oportunidade de chegar, é isso que se pretende com a igualdade. Igualdade quer dizer isso, é todos termos acesso às mesmas ferramentas para chegarmos a onde quisermos. Quando falamos de igualdade falamos do poder transformador que, de facto, determinado tipo de ensino pode dar. Que bases, que raízes e que aprendizagens são estas? Nós pomos algumas questões na conferência que têm a ver com tipos de aprendizagens e de ensino que estão assentes nos valores da liberdade, da igualdade, da cooperação, da solidariedade, com base na tolerância, na cidadania, na dignidade. Porque, de facto, isto é essencial para o desenvolvimento de cada um, de cada cidadão. É absolutamente essencial e o que é que nós fazemos com estas aprendizagens? Fazemos um mundo melhor.


Há pessoas que não contam para muita gente e isso é uma coisa que também não aceito. Todas as pessoas contam e ninguém pode ficar para trás. As pessoas mais pobres, mais vulneráveis, acabam por não contar. Ora se nós pensarmos bem, se nós tivéssemos nascido naquelas condições, nós também não contaríamos. E é muito fácil dizer: ‘Ah são pobres ou não foram à escola, não têm nada a acrescentar’. Teriam imenso a acrescentar, nós precisaríamos imenso dessas pessoas.


E como é que estamos em Portugal em termos de igualdade? Se lhe pedissem para fazer um retrato, como seria?

Teria que ir às estatísticas. Os números fazem sempre a diferença. De facto, num país como Moçambique, Sudão do Sul ou Índia, onde tenho ido, é muito visível, gritante e chocante a desigualdade com base no género. No nosso país, e em países desenvolvidos, ela não é tão visível, é mais camuflada, é mais disfarçada, mas ela existe. Na Corações com Coroa temos atendimento gratuito a meninas e mulheres, com psicólogas e uma assistente social, e são ainda muitas as mulheres que nos chegam dizendo que numa entrevista de trabalho, aqui em Portugal, a primeira coisa que lhes perguntam é quando é que pretendem engravidar. Isto é proibido por lei, felizmente já é proibido por lei. Porém, muitas das empresas que se dizem amigas da igualdade não estão a exercer a lei e isto é chocante. Quando uma mulher tem de fazer contas à sua vida em relação à sua maternidade é chocante. Independentemente de outras coisas e há outras coisas, como os salários. Há uma desigualdade salarial, isso sabemos, nos acessos aos cargos de CEO, de administração e de direção, também há uma discrepância enorme, na participação política. E as pessoas dizem: ‘Ah porque as mulheres não querem’…

A igualdade é um estado pelo qual as mulheres devem esperar ou devemos ser parte ativa e ativista e reivindicativa?

Há um estudo que diz que só em 170 anos, se tudo correr bem, chegaremos à igualdade… Portanto, não estou cá eu, não está cá a minha filha, provavelmente nem os meus netos, se vier a ter netos. Isto é dramático. Mais de cem anos para atingirmos aquilo que seria uma igualdade justa. O que aprendi é que perante aquilo que está injusto nós devemos insurgir-nos e, por isso, é que eu não me calo, nem eu, nem imensa gente. Muitas pessoas batalham nestas questões e, às vezes, são vistas por outros e por outras como demasiado persistentes ou demasiado picuinhas, ‘o que é que isso interessa?’. Interessa imenso. Interessa que as pessoas tenham condições para serem aquilo que sempre sonharam ser.

É por isso que a Corações com Coroa dá bolsas de estudo exclusivamente a raparigas?

É, é por isso. E é curioso como às vezes, nas nossas redes sociais, tenho raparigas e mulheres a dizerem: ‘Mas é injusto, porque é que é só para raparigas?’ Vejam-se as estatísticas. Não é por mais nada, nós temos imensos parceiros homens, homens que acham o mesmo que nós, que a disparidade ainda é tão grande. Basta vermos que quem sai do ensino superior com melhores notas e em maior número são as raparigas e depois, no acesso à participação na empregabilidade, são sempre aquelas que são mais prejudicadas, porque a escolha é feita pelos homens. Isto não é nenhuma guerra de homens e de mulheres, mas é evidente que ainda hoje se assiste. Nós vamos agora para a nossa 15ª bolseira, em seis anos é muita gente. Vamos dar três bolsas a três jovens que foram afetadas pelos incêndios em Portugal, que são bombeiras voluntárias, que querem continuar a estudar e querem ir para a universidade. Não tinham condições, ainda mais com aquilo que se passou, com os incêndios, ficaram ainda mais afetadas do ponto de vista financeiro. São bombeiras voluntárias da região de Figueiró dos Vinhos. Em Portugal, quando o dinheiro escasseia e quando há dificuldades, para manter uma família é a rapariga que mais depressa deixa os estudos e começa a trabalhar. É por isso que nós damos bolsas de estudo às raparigas. Apoiamo-las já no final do ensino secundário, na passagem para a universidade. Ficam connosco durante três anos, financeiramente são apoiadas, mas também são apoiadas biopsicosocialmente.

O que é que isso quer dizer?

Quer dizer que têm o acompanhamento biopsicosocial, ou seja, têm o acompanhamento das nossas psicólogas permanentemente. Têm acompanhamento até do ponto de vista da formulação do roteiro de vida e têm acompanhamento afetivo. Não é só fazermos a transferência é, no fundo, fazermos um projeto de vida. Porque muitas destas raparigas, como é de esperar, vêm de enquadramentos sociais difíceis – umas por que são instáveis e algo vulneráveis, outras por questões meramente financeiras – obviamente que não têm as melhores condições para retirar o melhor aproveitamento escolar. Há aqui uma rede de apoio que tem de ser estimulada e o apoio psicológico, por exemplo, é fundamental para aquela rapariga acreditar em si, ter a autoestima bem regada, acreditar que um dia pode ser advogada ou jogadora de futebol, como é o caso de uma das nossas bolseiras, ou enfermeira, ou artista, também temos uma bolseira que já esteve connosco na área das artes. É preciso é que elas tenham as condições para poderem concretizar aquilo que mais desejam.

As primeiras bolseiras dão-lhe conta de reações?

Claro que sim! Uma delas já é uma figura pública que muito nos orgulha. Ainda está debaixo da nossa asa, não da nossa bolsa. Mas da nossa asa ficará sempre, que é uma coisa que me deixa muito orgulhosa na Corações com Coroa. É a Jéssica Silva que já não está connosco, porque terminou os três anos de bolsa e já tem um emprego, a jogar futebol no Valência. Ela está sempre debaixo da nossa asa, se tiver alguma dúvida ela telefona-nos, ela contacta-nos, ela visita-nos, tanto fala com as nossas psicólogas, como connosco da direção. E o feedback é muito positivo, a Jéssica, por exemplo, quando começou connosco o talento estava lá, mas a capacidade para acreditar nela própria não estava e acho que posso dizer isto com toda a modéstia: o trabalho biopsicosocial que foi feito com ela fez com que a Jéssica hoje tenha outro tipo de confiança em si própria e é, de facto, um orgulho para o futebol feminino. Ela própria diz que quer, um dia, ser ela a apoiar outras raparigas.

A Catarina Furtado já nos disse que aos nove anos começou a ser voluntária, mas quando recebeu a carta do secretário-geral das Nações Unidas, Kofi Annan, para se tornar embaixadora da Boa Vontade, esperava este convite?

Não, nunca pensei sequer nisso. Ainda por cima, há 19 anos estava muito empenhada na minha carreira enquanto apresentadora e atriz. Agora, do ponto de vista cívico e enquanto mulher sempre tive estas preocupações, portanto, acredito, não sendo de todo esotérica, que nos inclinamos para aquelas coisas que nos fazem felizes e que fazem sentido. Mais do que só a felicidade, porque isso vem por acréscimo, são as coisas que fazem sentido nas nossas vidas. Esta vontade que tenho de agarrar o mundo e de o mudar aos bocadinhos, um bocadinho, é tão grande que acabou por acontecer este convite. E a verdade é que este cargo voluntário, completamente voluntário, é renovado cerca de três em três anos e foi-o ao longo destes anos todos. É muito bom sentir isso. Basicamente tem a ver com o quê? Com a forma séria e empenhada com que estou, porque mesmo que não estivesse com as Nações Unidas, o meu trabalho nesta área continuaria, porque é um privilégio poder ter tido estas experiências todas e saber do mundo como sei e ter a capacidade de dizer: ‘Eu quero falar em nome de muitas das raparigas e mulheres que eu tenho visto no mundo inteiro que não têm voz’.

Esta missão que lhe ofereceram há 19 anos é uma missão de chamada de atenção, de tornar-se voz de raparigas que ficam grávidas em adolescentes, das mulheres que…

São vítimas de violência, que morrem ao dar a luz, que não têm possibilidade de escolha, que não têm acesso a cuidados de saúde sexual e reprodutiva, ao planeamento familiar, à educação. É no fundo, tentar, junto dos decisores políticos, junto da sociedade civil, junto de associações de estudantes, junto do público em geral, tentar que estas questões estejam nas agendas públicas e políticas para que se fale nisto. É importante falar-se, enquanto estamos vivos não podemos deixar passar a vida por nós.

Já disse que esteve na Índia, no Sudão do Sul, visitou também o Haiti, São Tomé e Príncipe, Cabo Verde, Indonésia, Gana, Moçambique, Guiné-Bissau. Qual foi o pior cenário em que já esteve?

Isso é muito difícil de dizer. Porque quando escrevi o livro O que vejo e não esqueço, há dois anos, que senti muita pressão para o escrever da parte do editor Francisco Camacho e da Esfera dos Livros, no sentido em que me disseram muitas vezes: ‘Este livro faz sentido porque tu podes contar muitas das experiências reais e os exemplos reais são sempre aquilo que nos bate mais forte, que nos faz mudar ou agir’. E de facto, às tantas, apesar de fazer os documentários Príncipes do nada, há muita coisa que nos documentários não posso dizer e que tem a ver exatamente com isso, com sensações, com o que é mais difícil, o que é mais fácil. Nos documentários sou imparcial, quer dizer tento, mas no livro conto mais coisas. Aquilo que é difícil é difícil de se traduzir, porque o que é difícil é estarmos perante mortes como eu vi, muitas, demasiadas, que são evitáveis. Eu estive perante mortes que eram evitáveis, doenças prolongadas, coisas terríveis, mas estive perante mortes e despedi-me de mães que estavam a dar à luz ou de bebés acabados de nascer ou de crianças com quatro ou cinco anos de malária, despedi-me dessas pessoas e elas partiram. Partiram ao meu lado. E o que é mais difícil é aceitar com conformismo essa situação, sabendo que à partida podia ter sido evitado. Isso é o que não me faz calar, é o que não me faz parar, porque se há situações que podem ser evitadas, eu vou trabalhar, mesmo que seja apenas um grão nesta areia toda que é o mundo, eu vou trabalhar para que isso aconteça.

Como é que se consegue explicar que uma mulher que podia passar por um procedimento de parto relativamente simples morra ainda hoje? Porque é que isto acontece?

Por várias razões, uma delas diria que é por falta de vontade política, porque há uma série de compromissos que são assinados e depois não são postos em prática e isso eu testemunhei várias vezes. Outras é porque há pessoas que não contam para muita gente e isso é uma coisa que também não aceito. Todas as pessoas contam e ninguém pode ficar para trás. As pessoas mais pobres, mais vulneráveis, acabam por não contar. Ora se nós pensarmos bem, se nós tivéssemos nascido naquelas condições, nós também não contaríamos. E é muito fácil dizer: ‘Ah são pobres ou não foram à escola, não têm nada a acrescentar’. Teriam imenso a acrescentar, nós precisaríamos imenso dessas pessoas e só quando, de repente, há um caso de alguém que vivia pauperrimamente, sem condições nenhumas, mas que é um lutador ou uma lutadora que furou aquilo tudo, sei lá, alguém que foi vítima de mutilação genital feminina, que atravessou o deserto – como o caso da Waris Dirie, que chegou até Londres e que hoje em dia faz muito sobre a mutilação genital feminina – só quando olhamos para estes casos isolados é que pensamos: ‘Se calhar estas pessoas contariam para o mundo’. E o que é mais difícil, e peço imensas vezes aos políticos para fazerem esse exercício, é imaginarem que são um daqueles, é olharem para a realidade e não só, e pisarem a realidade. Muitas das coisas são discutidas em sede, em escritórios e reuniões. É assim que deve ser? Talvez, mas há que fazer visitas ao terreno sem paninhos quentes, há que fazer visitas para perceber quanto tempo demora uma mulher até chegar ao posto de saúde ou a uma maternidade quando está grávida e aí vai perceber-se, se as pessoas passarem por aquilo que passam as pessoas que vão morrendo por causas evitáveis, então se calhar haverá muita coisa a mudar. E depois a saúde sexual, reprodutiva e materna não é muito atraente para os políticos.


Nas nossas redes sociais, tenho raparigas e mulheres a dizerem: ‘Mas é injusto, porque é que é só para raparigas?’ Vejam-se as estatísticas. Não é por mais nada, nós temos imensos parceiros homens que acham o mesmo que nós, que a disparidade ainda é tão grande. Basta vermos que quem sai do ensino superior com melhores notas e em maior número são as raparigas e depois, no acesso à participação na empregabilidade, são sempre aquelas que são mais prejudicadas, porque a escolha é feita pelos homens. Isto não é nenhuma guerra de homens e de mulheres.


Este cenário que faz é um cenário que ocorre apenas no exterior do país ou internamente ainda há lugares em que se verifica? A reprodução e vida sexual das mulheres ainda é uma coisa estranha em certos lugares? Qual é o terreno que pisa em Portugal?

Em Portugal há muito trabalho a fazer ainda. Obviamente que as nossas leis estão muito à frente e há casos de grande sucesso nos últimos tempos. Mas ainda há coisas que podem ser mudadas e trabalharemos para isso, há áreas em que temos que estar muito atentas. A questão da violência doméstica, por exemplo, que por mais badaladas que estejam nos meios de comunicação social, a verdade é que, muitas das vezes, a forma como é tratada é apenas para vender notícias. Profundamente e enraizadamente não estamos a promover a erradicação da violência doméstica da melhor forma. Isto é apenas uma opinião minha, claro que é muito positivo falar-se cada vez mais para que as mulheres vítimas, de todos os quadrantes sociais, possam ter coragem para denunciar. Isso é muito importante, mas a verdade é que Portugal ainda tem um olhar muito conservador, nós somos muito solidários, mas ainda somos conservadores, ainda temos um lado racista que às vezes é muito triste. Na Corações com Coroa temos esses testemunhos muito reais, dizemos que somos um povo solidário, somos super solidários, mas somos racistas e temos que o admitir. Só quando admitirmos que somos é que passamos a não ser tanto. E há situações que nós temos de trabalhar já de raiz. Uma das áreas com a qual eu estou bastante preocupada e que a Corações com Coroa tem trabalhado é a área da violência no namoro que está a crescer drasticamente e que tem de ser abordada da forma mais inteligente possível nos próximos tempos.

No dia 20, na conferência da Corações com Coroa vão ser atribuídos prémios a jornalistas, porque é que é importante atribuir prémios de jornalismo?

Se calhar pelo meio do qual eu venho. Eu venho deste meio e quando fundei a Corações com Coroa, há seis quase sete anos, pensei: ‘Quer dizer, há muitos projetos que quero fazer. São as bolsas de estudo, o atendimento gratuito, tratar a violência no namoro, enfim. Eu venho deste meio, eu sei a dificuldade que há em convencer os editores, quer de televisão, imagino que de rádio e imprensa também, a apostarem e promoverem estas temáticas dos direitos humanos que não são tão apelativas quanto outras notícias’. Sei dessa dificuldade e, portanto, de alguma forma, quando desenhei este formato dos prémios ‘Corações Capazes de Construir’, na área do jornalismo e da publicidade, foi para dar algum incentivo. Este apoio é monetário, são prémios que têm o contributo da Missão Continente. Mas no fundo é também para prolongar estes trabalhos que, normalmente, são muito bem feitos. E nós temos todo o tipo de rádio, de imprensa escrita e de televisão a concorrer. No fundo para que eles tenham uma segunda vida, porque a partir do momento em que ganham nós tentamos promover outra vez, quer através das nossas redes sociais, quer por ser falado na imprensa que aquele trabalho ganhou e portanto tem uma segunda vida. Eu acho que isso é muito importante, trabalhos que promovam os direitos humanos de uma forma bastante séria.


Veja os artigos do Delas.pt que apresentaram as suas candidaturas:

Uma nova condição feminina

Muçulmanas em Portugal


O fluxo de comunicação que hoje temos pode prejudicar a perceção que o público tem dos direitos humanos e do estado em que as crises humanitárias estão? Podemos pegar no exemplo da crise de refugiados que o ano passado foi tão divulgada e que este ano tem muito menos produção jornalística.

Por acaso, a maioria dos projetos concorrentes do ano passado era sobre os refugiados e este ano não é. Não sei, acho que é a velocidade das notícias e é a incapacidade que temos de nos pormos no lugar dos outros. Porque nós não imaginamos o que é ser refugiado. Por isso é que esta conferência é sobre a educação, para promovermos esta questão da empatia, a questão da diplomacia também, mas sobretudo da empatia, de percebermos exatamente o que é, de facto, estarmos noutra situação. Isso faz com que tenhamos outra postura em relação às coisas, faz com que não nos esqueçamos tão depressa dos refugiados, faz com que tenhamos menos medo, porque o medo está, de facto, a comer as almas todas das pessoas. Cada vez há mais medo e não sei se este medo faz sentido ser tão paralelo às coisas terríveis que acontecem ao nível do terrorismo. Acho que não deveria ser paralelo. São coisas diferentes.


A Conferência Corações com Coroa começa esta segunda-feira, às 15h00. O Presidente da República vai conversar com Catarina Furtado sobre as questões da educação e depois vários oradores e oradoras que vão contribuir para esta reflexão. Na Fundação Gulbenkian, a entrada é gratuita mas sujeita a inscrição.