Catarina Matos: “Há muita gente que diz que mulheres com piada não existem”

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Tem 34 anos e é a única mulher a representar o mundo da comédia na Comic Con Portugal 2019, que irá decorrer até este domingo, 15 de setembro. Catarina Matos já passou pelo Brasil e Alemanha e admite que o facto de ser a primeira mulher no evento e na FOX Comedy se deve a um golpe de “sorte” mas também de “muito trabalho“.

[Catarina Matos – DR]
Em conversa por escrito com o Delas.pt, a comediante fala, em tom de brincadeira, como chegou a este universo e como tem sido fazer percurso profissional da comédia.
No mundo da comédia, e onde as mulheres começam agora a chegar em maior número, Catarina Matos lamenta que exista muita gente que não acredita que o sexo feminino pode ter piada e questiona ainda se as pessoas “acham que as mulheres com piada são extra-terrestres“.
Leia abaixo a entrevista à comediante Catarina Matos:
Como e quando é que surgiu o gosto pela comédia?
A minha família sempre foi muito ‘piadeira’, mas depois fomos ao médico e era ar nos pulmões causados por excesso de riso. Perdeu-se muito leite com Nesquik projetado na parede naquela cozinha. Várias manhãs, o meu pai cuspia o café com tanta força que criou um Vhils acastanhado. Uma vez o nosso gato até cuspiu uma bola de pelo de tanto rir. E tudo isto sem estupefacientes! Acho.

 

Fale-nos um bocadinho sobre o seu percurso até chegar ao Fox Comedy Club.

O comboio está cada vez mais à pinha, nem me consegui sentar! Mas enfim, o outro percurso começou todo quando nasci e, ainda na maternidade, o meu pai fez milhões de comentários sobre as enfermeiras terem de andar sempre as lavar as “mões”, sobre preferir a sopa do hospital psiquiátrico porque ela também era passada e aqueles trocadilhos parvos fizeram cócegas no cérebro de uma recém-pessoa que era eu, e a partir daí ando sempre à procura de repetir aquela sensação na cabeça. Depois fui publicitária durante pelo menos 5 pares de All Star. Quando emigrei para o Brasil, em 2012, arrumei as sapatilhas (é sapatilhas sim, e caluda), e comecei a fazer stand up em São Paulo e Brasília. A certa altura, em Sampa, até se enganaram e convidaram-me para fazer stand up no Comedy Central, que tem a sua graça, considerando que eu estava lá só para passar uns “cafezinho fresquinho” e guardar o lulu da Diretora de Conteúdos. Não era o Lulu Santos, era um bug cheio de baba.

Mais histórias engraçadas para contar?

Novas mudanças em dogsitting, mais concretamente causadas por um Pastor, levaram-me a mudar para a Alemanha, onde continuei a fazer stand up em Inglês. Confesso que, em palco, usei um par de AlleSterne porque, hey, há hábitos difíceis de quebrar. De volta a Lisboa fundei, produzi e apresentei o projeto Cais a Rir, que visa promover os open mics, comediantes que estão a começar. Também escrevi e atuei em dois programas do Cabaret da Coxa e no CC Black Friday, ambos Sic Radical. Quanto ao futuro, andam por aí muitos projetos, mas como dizem os artistas “ainda não se pode revelar”.

Como é ter sido a primeira humorista portuguesa a fazer stand up no canal Comedy Central?

Foi sorte. Podia ter nascido uma rapariga portuguesa antes de mim e ter conseguido lá chegar primeiro. Agora a sério, deu muito trabalho chegar ali. Atuei, escrevi e estudei muito a sério, por isso, é uma medalha que, num sentido figurado, uso orgulhosamente ao peito. E, num sentido literal usei mesmo ao peito, uma vez numa festa de comediantes, só para me armar.

Como é que é ser a única mulher a representar esta temática na Comic Con?

O pensamento que me ocorre é: “Porque é que sou a única mulher?” Vou repetir o evidente: há muitas e boas comediantes a fazer stand up em Portugal, e ainda bem que existem projetos como o FOX Comedy Club que não têm medo de fazer esta aposta. Não há motivo para não as fazer subir ao palco, a não ser que esse motivo seja não mexer com o que se faz há muitos anos. Já agora, propspara o grupo Mulheres da Comédia no WhatsApp, que já conta com mais de 30 mulheres (and counting)!

Sente algumas dificuldades neste mundo pelo facto de ser mulher? Se sim, quais e porquê?

Sim, uma vez estava a guardar um chupa-chupa enorme no bolso da frente das calças e, só no final, disseram que a plateia pensou que eu tinha um tampão no bolso. Para além de ser uma história engraçada também nos ensina muito sobre como a sociedade julga as mulheres e os seus corpos. Agora ficam na dúvida se inventei esta história, se só para sacar uma lição de moral. No Brasil não senti dificuldades mas privilégios, especificamente quando morava em Brasília, uma cidade pequena comparando com São Paulo. Era um acontecimento bastante aguardado ver uma comediante em palco. Havia pessoas no fim do espetáculo que me diziam que nunca tinham visto mulheres a fazer stand up. Ainda nos falta percorrer muita fase evolutiva, estamos nos primórdios.

Há algumas coisa que gostasse de acrescentar e considere pertinente sobre o papel das mulheres no mundo da comédia?

Gostaria de saber se acham que as mulheres com piada são E.T porque há muita gente que diz que não existem. E por “piada”, às vezes até dizem que as “mulheres não têm piada”, e esta frase torna-se numa verdade universal. Que é mentira. Estão a ver? Sempre fui muito pouco confusa em entrevistas. Gostava de ver mais mulheres a fazer stand up. Muitas mais! Porque quantas mais formos, mais aumenta o grau de exigência e se formos mais que as mães, será muito difícil ignorar-nos!

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