Catarina Munhá: “Praticamente todos os dias faço canções”

Catarina Munhá lançou recentemente o primeiro disco ‘Animal de Domesticação’ – nome também do seu primeiro single – onde, com um ukelele e um ritmo tropical na melodia, vai cantando de forma animada as inquietações que lhe vão na alma. “Acho que nunca ultrapassei a fase dos porquês”, confessa a cantora de 31 anos ao Delas.pt, explicando como se desenvolve o seu processo criativo.

Tirou o curso de medicina – que exerce – porque gosta de aprender um pouco de tudo mas não tem dúvidas nenhumas de que o seu grande amor é a música, especialmente o piano, apesar de ser o ukelele a marcar grande parte da sua música. Adorava que todas as pessoas fossem livres e que não existisse o sentimento de posse e reitera que escreve músicas todos os dias. A sua canção mais recente chama-se ‘Águas-Furtadas’ e é como que o culminar de toda a mensagem que o seu novo disco quer passar.

Oiça abaixo o mais recente single da cantora:

 

Da medicina para a música, como se deu este salto? A música foi algo de que sempre gostou?

Na realidade não ouve salto porque a música foi o que veio primeiro que tudo. Comecei a tocar piano aos cinco anos e a pedir aos meus pais para me colocarem em aulas de música. Provavelmente porque sempre ouvi o meu avô a tocar piano de ouvido, sempre tocou muito bem e nunca teve aulas. E talvez por isso acabei por me interessar pela música. E sim, foi assim uma grande paixão com o piano e continuei sempre a tocar durante a minha vida toda. Entretanto acabei por ir para a Orquestra Metropolitana para ter aulas e lá o objetivo era formar uma orquestra, portanto, disseram-me que teria que arranjar outro instrumento, porque o piano não é um instrumento de orquestra e, para grande enfarte dos meus pais [risos], mas grande alegria minha, acabei por ter que escolher outro instrumento e comecei a tocar violino. Depois nunca consegui escolher muito bem entre os dois, fui sempre tocando em paralelo. Se bem que eu acho que a minha grande paixão sempre foi mesmo o piano, o primeiro instrumento que comecei a tocar.

E onde é que escrever canções se enquadra nesta dinâmica dos instrumentos?

Sempre tive a mania de inventar canções, que na altura não sabia bem que eram canções porque era criança e andava por aí a fazer músicas super foleiras e maravilhosas sobre as estrelas do mar ou algo do género [risos]. Mas sempre tive este reflexo de inventar coisas em forma de música cantada. Depois comecei a aprender guitarra porque era algo muito mais portátil do que o piano, que não dá bem para transportar às costas, e como eu queria tocar noutros sítios que não em casa, comecei a aprender sozinha guitarra. Entretanto, houve um belo dia em que me passaram um ukulele para as mãos e eu pensei: ‘bem, isto ainda é mais portátil do que a guitarra’. E, portanto, para quem gosta de andar sempre em banda sonora das coisas que estão a acontecer à volta, isso era mesmo giro. Embora tenha sido insuportável para as pessoas que estavam comigo nesse verão, uma vez que eu não desgrudava do ukulele. Podemos dizer que éramos um só, uma entidade conjunta que fazia música sobre aquilo que se passava à sua volta…

E o curso?

Depois na altura de escolher um curso superior ainda pensei em seguir piano, mas por outro lado sempre gostei muito de aprender e aprender de tudo, em geral, desde as humanidades às ciências, e acabei por achar que tudo o que conjugava mais estes meus gostos era mesmo a medicina. Tirei o curso de medicina mas sempre continuei a tocar, portanto não sinto que tenha havido alguma mudança, isto fez sempre parte de algo que sou.

“Acho que nunca me passou a fase dos porquês. E é por isso que gosto de cantar em forma de pergunta sobre as coisas que me estão a acontecer ou às pessoas que estão à minha volta”

 

‘Animal de Domesticação’ é o seu primeiro disco. Como é que tem sido a reação das pessoas às suas canções?

Tenho sentido um feedback ainda muito familiar, porque na verdade tenho sempre caras conhecidas nos meus concertos e, portanto, é sempre uma sensação quentinha muito positiva. Não sei bem dizer como é que são as reações de outras pessoas que não conheço ou com quem não estou em contacto. Mas quando tenho concertos gosto muito de tocar e sinto-me aconchegada.

Qual é a inspiração para as letras das suas músicas?

São sempre as perguntas que eu tenho sobre algo, que são sempre milhões. Acho que nunca me passou a fase dos porquês. E é por isso que gosto de cantar em forma de pergunta sobre as coisas que me estão a acontecer ou às pessoas que estão à minha volta. Praticamente todos os dias faço canções. Claro que há fases em que estou mais hiperativa a nível musical. E para não ter aqueles momentos de ‘papel em branco’ acho que é importante termos uma espécie de amarras. Isto pode parecer um paradoxo, mas se eu tiver um limite, como ter um ukulele na mão ou, como neste disco, saber que quero fazer uma canção para cada divisão da minha casa, isto já limita a nível de temas. E quando tu tens proibições, acho que acaba por ser mais fácil de criar porque já tens uma linha para seguir e um espaço para estar.

 

“Gosto que me abram a porta mas também gosto que me deixem abrir a porta. Gosto de pagar jantares e gosto de jogar à bola. Acho que desde miúda isto é assim”

 

‘Animal de domesticação’ é também o nome do seu primeiro single. Tem uma letra divertida mas que aborda uma temática séria e atual. Como é que esta letra lhe surgiu, como foi este processo criativo?

Tem que ver um pouco com aquilo que eu sinto, com o que passo e que vejo pessoas à minha volta passar. Ao mesmo tempo, é uma história engraçada porque eu sempre disse que me fazia confusão ter um animal doméstico dentro de casa e na casa para a qual me mudei havia um gato preto e branco que ia à janela, sempre por volta da mesma hora, e eu dava-lhe comida e festinhas e depois ele voltava lá para fora em liberdade. E isso, de alguma forma, fez um click na minha cabeça e fez-me pensar nas relações que estabelecemos com as pessoas. Sinto que às vezes há um sentimento um bocado de posse, que vem de um sítio que não precisa de ser mau, mas talvez da insegurança…Era tão bom se nós conseguíssemos ter um bocadinho das duas coisas, ser como aquele gato que tem um sítio de conforto e de casa e uma base segura mas, ao mesmo tempo, tivéssemos também liberdade para explorar as coisas. Era tão bom não sermos uns dos outros mas sim vivermos uns com os outros, ao lado uns dos outros, ver-nos crescer em paralelo.

Mas por que quis este título também para o disco?

Isto na realidade foi engraçado e o universo de vez em quando tem esta coisa de nos mudar o percurso a meio. O disco era para se chamar ‘Rés-do-meu-chão’, que eram as várias divisões da casa, mas depois senti que ‘Animal de Domesticação’, que acabou por ser o meu primeiro single, fazia muito mais sentido e era mais fiel à casa interior do disco, ou seja, ao que se passava no interior do disco e sobre aquilo que ele fala, porque acaba por ser uma canção por cada divisão mas mais ainda sobre o que se passa na minha cabeça. E achei que este título era também mais humorado e traduzia mais o tipo de canções que faço. Não consigo evitar não levar as coisas muito a sério, por isso brinco sempre um pouco à medida que faço perguntas e, por isso, achei que este título fazia mais sentido.

‘Gosto de ser cavalheira’ é algo que diz na sua música. O que é que isto quer dizer?

É literalmente isso. Eu gosto que me abram a porta mas também gosto que me deixem abrir a porta. Gosto de pagar jantares e gosto de jogar à bola. Acho que desde miúda isto é assim. Eu era meia Maria-rapaz, portanto durante muitos anos tive alguma dificuldade em me adaptar a esta realidade de ser mulher, porque na realidade tinha esta faceta muito vincada. Acho que é também por isso que digo a brincar que gosto de ser cavalheira.

Se tivesse que escolher uma música para ser a sua favorita, qual seria?

Deste disco, seria mesmo a ‘Rés-do-meu-chão’, a última música do disco, porque sinto que é um bocadinho de onde o disco veio. Ao mesmo tempo que faço estas perguntas todas, é também um bocadinho um convite para entrar no meu espaço. E é uma forma de dizer que, no fundo no fundo, todos nós sentimos coisas muito parecidas uns com os outros, mas ficamos meio fechados e não deitamos cá para fora, não mostramos. Às vezes sentimo-nos angustiados com alguma coisa que nos parece ser só nossa mas, na realidade, muita gente está a sofrer e a passar pelo mesmo. Isto acabou por ser um movimento de: ‘deixa-me partilhar algumas das minhas inquietações porque pode ser que algumas pessoas também se inquietem com as mesmas coisas e que isto faça aqui alguma mudança’.

Para quem ainda não ouviu o disco, o que é que pode esperar das suas canções?

Pelo que me dizem, acho que faria sentido falar em indie, pop, folk, mas em português. São músicas muito acústicas, mas tropicais. Tenho o ukulele e as próprias percussões não são com bateria, são mais quentes. Mesmo as guitarras elétricas que lá estão são uma onda mais tropical, acho que essa é mesmo uma boa vibe para descrever estas músicas. Por outro lado, são canções, portanto tentam ser simples.

Concertos para muitas pessoas, é um sonho?

Tenho dado concertos um bocadinho mais intimistas, em formato showcase mas em setembro vão começar a haver concertos um bocadinho maiores e com mais músicos em palco. Por agora tem sido algo mais pequeno. Até já dei um concerto numa casa particular e sem dúvida foi um dos melhores concertos porque estou mesmo em contacto e muito perto das pessoas. E eu gosto muito desse contacto, adoro pessoas e adoro falar e estar com elas.

Que projetos futuros podemos esperar da Catarina Munhá?

Mais canções. Vem aí um segundo disco, que já está quase escrito, portanto sim, mais música, sempre.

 


Percorra a galeria de imagens acima e veja algumas imagens da sessão fotográfica da cantora e médica Catarina Munhá para o seu disco ‘Animal de Domesticação’.

 

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