Charlotte Perriand: a designer que os leilões estão a consagrar

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O design está cheio de tipos que singraram usurpando o trabalho de outros. E o de outras, como bem mostra a relação de Charlotte Perriand com o ‘grande’ Le Corbusier. Este arquiteto suíço podia ser ótimo naquilo que fazia, mas era igualmente eficaz em atribuir-se a si o trabalho da equipa, ou pior, como com Perriand, o trabalho do outro.

Em 1927, Charlotte candidatou-se para fazer parte da equipa de Le Corbusier, que no final da entrevista, remexendo nos desenhos dela, a recusou dizendo “aqui não bordamos almofadas”, uma clara flechada no facto de Charlotte ser uma ela. Pouco tempo depois, Le Corbusier reconsiderou e integrou-a na equipa, com a tarefa de desenhar mobiliário e interiores. Le Corbusier podia ter muitas falhas, mas a estupidez não era uma delas.

Tantas são as manchas que nos são familiares e queridas ao olhar, que na legenda têm Le Corbusier, e que afinal não são dele. São de uma mulher, uma rapariga brilhante, que começou a trabalhar em design numa altura em que a História, o período entre a I e a II Guerras Mundiais, era por si só uma condicionante para aguçar a necessidade e a invenção, as forças motrizes do design.

Charlotte era uma rapariga ‘muito boa onda’, especialmente para a sua época, em que ser rapariga-independente-boa-onda não era nada de recomendável para o resto das pessoas. O tempo do entre-guerras é quase sempre restrito, contido e vetusto. Charlotte Perriand não era nada disso. Era francesa, designer e mulher, adjetivos raros no desenho desde sempre. Viajou em trabalho um pouco por todo o mundo, e no Japão foi mesmo destacada oficialmente, pelo Ministro dos Negócios e Indústria, como Conselheira para o Desenho Industrial.

Era filha de uma costureira e de um alfaiate (há lá melhor formação para entender as formas? Digo-lhe já que não há). Charlotte não tinha um desenho propositadamente feminino, mas apenas de forma-função. Como pedia a época e o patrão Le Corbusier. Apesar de tudo isto, Charlotte conseguiu cumprir o objetivo de juntar a forma à função que todo o mundo pedia, mas de alguma forma grácil, curva, modelada e afável, caraterísticas tão difíceis de integrar no conceito à época.

Se a prova de mérito muito merecido for o preço de venda ao público, Charlotte estará feliz (seja onde estiver) com certeza: uma sua mesa bateu agora, a 24 de outubro, records entre os seus pares.

A peça, vendida em leilão pela casa Artcurial, em França, é uma secretária em pinho maciço de 1939, parcialmente esculpida, e tinha estimada a venda entre 300 mil e 400 mil euros. Praticamente, dobrou esta estimativa, atingindo os 703.400 euros, um valor record para uma peça do seu género.

Aliás, neste segmento do leilão “Charlotte for Ever”, consagrado à obra de Perriand, em cinco peças – incluindo a mesa recordista -, a venda atingiu o total de 3.133.600 euros. Mais de três milhões de euros por cinco peças de mobília, é porque as peças já transcenderam a sua categoria e ganhou, pelo menos, estatuto artístico de reputação mundial.

Por João Galvão