O que é que a pandemia tem a ver com bordados, malhas e patchwork? Tudo!

modaLisboa Pedro Rocha
ModaLisboa [Fotografia: Pedro Rocha/Global Imagens]

A permanência em casa devido à pandemia levou todos a arrumar os vestidos de festa, os saltos altos e a procurar satisfazer novas necessidades: a do conforto. As calças de desporto, os ténis, os chinelos tornaram-se companheiros diários, que só mereciam substituição – parcial, entenda-se – caso houvesse uma reunião de trabalho online. Mas estas não foram as únicas alterações que a covid-19 veio imprimir ao setor, cada vez mais digital e com quebras assinaláveis onde antes eram reis. Numa altura em que se cumprem calendários de semanas de moda cada vez mais digitais e sem publico, como se reinventa a moda nesta nova estação: a do confinamento?

Online vs proximidade

Para a estilista Katty Xiomara, a moda “já estava a caminhar para a mudança”, mas ela foi subitamente acelerada pela covid-19. “Quando a pandemia surge, soma-se este poderoso elemento da estagnação”, diz ao Delas.pt. “Há sempre áreas de negócio que florescem, mas a moda saiu prejudicada”, analisa a designer, que fala em quebras para os criativos na ordem dos 50%.

Fotografia: Ugo Camera

Jornalista e autora da plataforma Pano Cru, Margarida Brito Paes alerta para um novo fenómeno que corre à mesma velocidade que a aquisição digital: “a compra de proximidade”. “Apesar do crescimento de vendas online se ter feito notar, e ter tido clientes novos que antes apenas compravam presencialmente, não me parece que o online emerja como o mais importante canal de venda, nos próximos anos”.

Margarida Brito Paes [Fotografia: Ricardo Gomes]
Margarida Brito Paes [Fotografia: Ricardo Gomes]

E especifica: “No setor da moda, 70% das vendas são feitas offline, e quando falamos de luxo o volume de compras online representa apenas 13% , segundo estudos os Forrester analytics: online fashion retail forecast, 2017 to 2022 (and Forrester analytics: luxury retail forecast, 2018 to 2023. Além disso, apenas 1/3 dos consumidores considera mais conveniente comprar online, como se l^ê no McKinsey New Age of the Consumer US Survey 2019.”

Dados que levam Brito Paes a considerar “um novo ímpeto pela compra local”, solução que se apresenta como “boa estratégia para vencer a crise económica”, favorecendo as marcas mais pequenas. Katty Xiomara crê também que a pandemia pode vir a fomentar a “moda de autor”, mais específica, mais concreta, mais única.

Novos estilos mistos

O trabalho a partir de casa, a aposta no online, colocou estilistas num novo ponto do design. “Sobretudo na área do setor masculino”, sorri a estilista. E enumera: “Os blasers são agora de conforto, junta-se um hoody a um casaco que, muitas vezes, aparece conjugado com as calças de um pijama, mas com isto não aparece no ecrã do computador, tal fez concentrar as apostas em apenas partes do corpo”.

Margarida Brito Paes fala no “impacto a nível social e económico” que trouxe novas tendências que ficaram claras com “a demanda aos fatos de treino e homewear”.

Sustentabilidade

A compra do vestuário online veio reforçar a tendência da sustentabilidade, num setor em que “o digital veio decisivamente para ficar”, atesta Katty Xiomara. “Mesmo quando existia, era apontada como uma tendência de futuro, agora há garantias claras de que veio para ficar, as empresas e as marcas que empregam conceitos de sustentabilidade estão na linha da frente”, atesta Katty. Um conceito que passa por ”vender de forma certa e obrigar a concentrar esforços na fidelização nos clientes, que hoje em dia saltitam muito mais”, analisa a designer.

Margarida Brito Paes não tem dúvidas: “É uma das maiores mudanças nos consumidores e é um tema quente para a moda desde há dois anos para cá, mas teve, durante a pandemia, um crescimento exponencial. Segundo o estudo desenvolvido pelo @bof e pela consultora @mckinseyco, 15% dos consumidores nos EUA e Europa afirmam procurar comprar roupa mais sustentável”, analisa a jornalista e autora da recém-lançada plataforma de moda Pano Cru. “Durante o tempo em que nos fechamos em casa fomos confrontados com o impacto da nossa inatividade, da diminuição repentina de consumo, com níveis de poluição a descerem drasticamente no planeta. Esta alerta fez muitos consumidores repensar a forma como consomem, tornando impossível às marcas não se reinventarem tendo em conta este fator”, contextualiza.

E se Katty Xiomara duvida que este desafio da sustentabilidade esteja a ser integralmente compreendido por todos, Brito Paes crê que ele se alargou e ganhou mais consciência e dimensão. “Ao contrário do que se passava no inicio da conversa sobre sustentabilidade, hoje não é só a proveniência das matérias-primas que conta, o fator humano tornou-se determinante”.

Memorize este novo conceito: Rastreabilidade

“Saber quem faz e como é feita a nossa roupa é um fator fundamental. Rastreabilidade é uma das palavras que mais se vai ouvir nos próximos anos, e é uma área que será muito desenvolvida nas grandes marcas de moda. Acredito também que seja nesta área em concreto que vamos ver as maiores inovações tecnológicas”, antecipa a jornalista como perspetiva pós-pandemia.

Margarida Brito Paes diz que há já exemplos que seguem este caminho: “Esta constante conversa sobre como as peças são feitas e esta discussão sobre comunicação de proximidade, que se fez intensamente ao longo de 2020, foi o que levou à inundação de malhas como bordados, e aplicações de rendas, que vemos agora nas lojas de grande consumo. Esta ideia de handcraft que nos leva a imaginação para o modo tradicional de fazer, para as camisolas feitas pela avó, sem desperdício, é a ideia que nos é transmitida pelas peças de roupa com detalhes que manuais, ainda que sejam produzidas à máquina e às centenas.”

Novos padrões

A autora da plataforma Pano Cru antecipa efeitos da pandemia até ao nível dos padrões dos tecidos a partir dos quais se faz roupa. “O patchwork irá manter-se por, pelo menos, mais uma estação ou duas”, antecipa. “Com as dificuldades de produção e também de transporte de tecidos, muitas marcas acabaram por ir resgatar tecidos que tinham em armazém, de coleções antigas, para confecionar as suas novas coleções”, diz Brito Paes, que exemplifica: ”Foi desde logo o caso da coleção especial re’Made da dupla portuguesa Marques’Almeida. O resultado de muitos destes movimentos foi a roupa com vários tecidos diferentes, resgatando assim o patchwork dos anos 70 do século passado.”

E o futuro?

É sempre a mesma incógnita, mas que ganha ainda mais força quando se procura imaginar o pós-pandemia. E o que virá aí? Os loucos anos 20 ou a consagração do negligé?

“Será que iremos celebrar e fazer a volta contrária e exceder-nos ao máximo, depois de termos estado contidos em todo o tempo, ou nos habituamos de tal forma ao conforto que acabamos por nos habituar a um certo desleixo. Temos um novo paradigma e não sabemos”, desabafa Xiomara.

Ao Delas.pt, o designer de calçado Luís Onofre declarou recentemente que crê que as mulheres voltem a interessar-se por saltos altos.