CITE: Igualdade na parentalidade e nos salários devem ser prioridades

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Igualdade nas licenças de parentalidade e desigualdade salarial devem ser as prioridades para os próximos tempos, defendem duas ex-presidentes da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE), que cumpre 40 anos esta sexta-feira, 20 de setembro.

Ambas ex-secretárias de Estado com a pasta da Igualdade, Maria do Céu Cunha Rêgo e Catarina Marcelino anteciparam o que hoje dirão, à tarde, no seminário que assinala os 40 anos da CITE, mecanismo nacional que vigia e promove a igualdade e a não discriminação entre homens e mulheres no trabalho, no emprego e na formação profissional.

Presidente da CITE entre 1997 e 2001, Maria do Céu Cunha Rêgo não tem dúvidas de que a chave da igualdade está na paternidade e na parentalidade: as coisas só mudarão efetivamente quando um empregador souber que tanto faz contratar uma mulher ou um homem, porque ambos têm direito a ficar com os filhos o mesmo tempo.

Parentalidade ainda mais desprotegida

Considerando que é devida “justiça” às mulheres, historicamente prejudicadas “porque engravidam e têm filhos, mesmo que não os tenham”, a jurista frisa que o atual cenário também penaliza os homens, que “precisam de ter tempo para se ligarem às suas crianças”.

Enquanto não houver igualdade nas licenças, “o estereótipo continuará a pairar sobre uns e outros”, antecipa. “Tudo o que for para as mulheres tem de ser para os homens igual, porque senão mantém-se o estigma”, considera, insistindo na obrigatoriedade, “porque o facultativo é muito menos usado”.

Em matéria de proteção na gravidez, as notícias que chegam em dia de celebração não são as mais positivas. Segundo o Relatório para a Igualdade, entregue esta semana pela CITE ao Ministério do Trabalho, aquele organismo recebeu 1500 denúncias de não renovação de contratos com trabalhadores em licença parental, grávidas ou a amamentar. Números que crescem 15% relativamente a a 2017. São também da ordem das dezenas os casos em que as empresas não apresentam qualquer justificação para não renovarem contrato com o trabalhador.

Comissão para a Igualdade no Trabalho enche com pedidos de pareceres sobre conciliação familiar

A ex-secretária de Estado vai mais longe e diz que Portugal devia propor a adoção de uma Convenção de Proteção da Paternidade, pela Organização Internacional do Trabalho, e o reconhecimento do direito universal de cuidar, no seio das Nações Unidas.

A atual presidente da CITE, Joana Gíria, é necessária uma “distribuição equilibrada do trabalho pago e do trabalho não pago entre mulheres e homens”, sendo que este último diz respeito às tarefas domésticas e ao cuidado de terceiros, ambos sem direito a remuneração. “A responsabilidade coletiva e partilhada, enquanto chave para o equilíbrio entre homens e mulheres em todos os domínios da vida, e o respeito pelo trabalho digno são condições essenciais para se atingir o patamar da igualdade”, sustenta.

A igualdade entre mulheres e homens tem de ser assumida “como um objetivo”, porque “não basta estar na lei”, nem “insistir em instrumentos de combate às manifestações de discriminação”, considera o ministro do Trabalho, da Solidariedade e da Segurança Social.

Em declarações à Lusa, a propósito dos 40 anos da CITE, Vieira da Silva diz que temos “ainda a conquistar”, realçando que “é preciso que os instrumentos que regulam as relações laborais tenham internalizada a questão da igualdade, ou seja, que a assumam como um objetivo”.

Recusando “dourar a pílula”, o governante reconhece que a igualdade entre mulheres e homens no trabalho “é um processo mais lento” do que gostaria, que “não melhora ao mesmo ritmo do que outras dimensões da luta contra a discriminação e do acesso à igualdade”.

Desigualdade salarial: Uma “vergonha” e um “escândalo” que “não é prioritário para ninguém”

Para Catarina Marcelino, que presidiu à CITE entre fevereiro e outubro de 2009 (saiu quando foi eleita deputada), a chave está no “escândalo” da desigualdade salarial entre mulheres e homens. “Tenho pena que, ao nível de uma concertação social mais alargada, os temas [da igualdade] continuem a ser sempre temas que não são prioritários. Quando eu digo que não são prioritários, não são prioritários para ninguém: não são prioritários para os sindicatos, não são prioritários para os patrões e também não são prioritários para o Governo”, constata.

Isto num país em que as mulheres, segundo dados de 2017, ainda ganham menos 15,8% de salários face aos homens. Contudo, de acordo com dados sustentados pelo Dinheiro Vivo, a diferença peca por defeito quando se olha para os dados do Instituto Nacional de Estatística, em que se nota uma crescente diferença e m matéria de rendimento médio líquido, já para lá dos 17%.

“[Os temas da igualdade] não são prioritários para os sindicatos, não são prioritários para os patrões e também não são prioritários para o Governo”, diz Catarina Marcelino

“Isto não significa que não são importantes ou que não tratam os temas (…), mas nunca são a prioridade. A desigualdade salarial entre homens e mulheres, que é dos maiores escândalos do país e da Europa, é um tema que é tratado, há consciência, há campanhas, fala-se disso em determinados dias do ano, mas nunca vi nenhuma das entidades da concertação social vir anunciar que essa é a grande prioridade para as suas reivindicações”, explicita, baseando-se no que pôde observar durante a sua experiência governativa.

‘Eu Mereço Igual’: A campanha pela igualdade salarial já arrancou

Paralelamente, a atual secretária de Estado para a Cidadania e Igualdade, Rosa Monteiro, considerou, ao Delas.pt, em agosto, falou em “vergonha”, ainda que “a diferença salarial de género para as mesmas funções e para funções de igual valor se encurtou”. Mas, de facto, sem medidas extraordinárias para o efeito. “O recurso à Comissão para Igualdade no Trabalho e no Emprego são passos importantes que podem ajudar a erradicar esta vergonha que são as discriminações de mulheres por trabalho e valor igual ao dos homens”, referiu.

Rosa Monteiro: “A diferença salarial de género encurtou-se”

A lei da igualdade salarial, aprovada em julho de 2018, veio reforçar as competências da CITE, sobretudo o que respeita à efetivação do princípio do salário igual para trabalho igual ou de igual valor. “Quando comparamos Portugal com os restantes países da União Europeia, efetivamente o ‘gap’ [fosso salarial] é elevado”, reconhece Joana Gíria, presidente do organismo, referindo que, de acordo com os dados de 2018, os salários médios das mulheres continuam a ser inferiores em 14,8% quando comparados com os salários médios dos homens.

Mulheres trabalham 58 dias por ano sem receber face aos homens

Esta diferença corresponde a 58 dias de trabalho não remunerado por ano, em desfavor das mulheres. “É inaceitável”, constata. “É como se, a partir de 8 de novembro e até ao final do ano, as mulheres deixassem de ser remuneradas pelo seu trabalho”, realça.

“Tenho pena que seja sempre o tema que não é discutido, porque, se for discutido, não se consegue depois o acordo noutra área, é o tema que enfada muito as entidades patronais, é o tema que os sindicatos defendem, mas depois nunca põem à cabeça da questão”, elenca. “Nunca vi nenhum momento de governação, de qualquer partido, em que estes temas fossem o tema central”, repara. “Para fazermos uma mudança social verdadeira, para mudar o paradigma, temos de ter este tema da igualdade entre homens e mulheres no mercado de trabalho de uma forma central”, sustenta a antropóloga.

A legislação tem impulsionado a igualdade entre homens e mulheres no mercado de trabalho, mas “o cerne da questão está na organização social”, porque a desigualdade salarial “é estrutural”, assente em “razões cada vez menos claras” e “mais subjetivas”.

Educação como motor de mudança

O investimento numa “cultura de igualdade” nas escolas é importante, mas “não chega”, frisa, contando o que concluiu depois de, no último ano letivo, ter falado com três mil crianças e jovens, no âmbito do projeto “A deputada vai à escola”.

Ao contrário de outros temas, como os ambientais e os direitos LGBTI (lésbicas, gays, bissexuais, trans e intersexo), quando se fala de igualdade de género com jovens, “a visão continua a ser altamente conservadora, de uma sociedade em que os papéis de homens e mulheres são muito diferenciados”, relata.

“Ou todos assumimos que isto tem de mudar, e assumimos isto como prioridade, ou vai ser muito difícil, só por impulso legislativo, produzir uma mudança social“, prevê.

CB com Lusa

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