Coimbra abre curso inédito para profissionais que lidam com violência doméstica

A Coimbra Business School vai avançar com um curso para preparar os juízes, procuradores, médicos, assistentes sociais e psicólogos a lidarem com o fenómeno da violência, sobretudo a doméstica. O curso surge como resposta ao número crescente de mulheres mortas na sequência desse tipo de agressões e da necessidade, manifestada dentro dos próprios setores profissionais, de sensibilizar e formar os profissionais que trabalham estas áreas para uma abordagem diferente e mais atenta à vítima.

“Uma média de quase três dezenas de mulheres assassinadas por ano é intolerável e não pode continuar. Isto não é compatível com um país que está na Europa e que pretende obter bons índices de desenvolvimento social”, disse à agência Lusa Pedro Costa, presidente daquele estabelecimento de ensino, pertencente ao Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Coimbra.

Segundo Pedro Costa, a falta de formação dos agentes que lidam com o fenómeno foi a motivação para a Coimbra Business School avançar com o “primeiro curso do género” em Portugal, embora o Centro de Estudos Judiciários tenha vindo a desenvolver ações pontuais de formação sobre violência doméstica, para os profissionais da Justiça.

O curso de Coimbra terá início no próximo mês de novembro, é coordenado pela professora Sónia Costa pelo Procurador-geral Distrital Filipe Preces Ferreira e foi desenvolvido em parceria com a Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG) e o apoio da Agência para a Prevenção do Trauma e da Violação dos Direitos Humanos (APTVDH).

“Centra-se na capacitação multidisciplinar qualificada para intervenções mais adequadas no combate à problemática da violência de género, da violência doméstica e outras violências (s), ajudando a refletir sobre estratégias de prevenção e intervenção em redes multidisciplinares e multissectoriais da sociedade”, refere a informação disponibilizada no site da instituição.

“Uma das maiores lacunas na resposta aos problemas suscitados pela violência doméstica e violência de género repousa, indubitavelmente, na formação e na capacitação de profissionais que são chamados a resolvê-los”, refere à Lusa, Sónia Costa, que integra o Conselho Científico da Agência para a Prevenção do Trauma e da Violação dos Direitos Humano.

Para a docente, especialista em ciências forenses, é “urgente ultrapassar em Portugal o défice formativo que se verifica nos profissionais – nomeadamente do Estado – que lidam com casos de violência, pois só assim poderemos melhorar os indicadores do país neste campo”.

Este ano já morreram 18 mulheres vítimas de violência doméstica, quase tantas como em todo o ano de 2017 (20 vítimas). Um dos casos mais recentes é de uma mulher de 48 anos, morta a tiro, no final de agosto, em Quiaios, Figueira da Foz, pelo marido de 52.

Também as queixas de violação estão a aumentar. Em 2017, a violação foi o crime que mais cresceu em Portugal, segundo os registos Relatório Anual de Segurança Interna (RASI). Foram feitas 408 denúncias deste crime, mais 73 que em 2016 e o valor mais alto, nos relatórios de segurança interna, desde 2010.

Ao DN, Rui Abrunhosa Gonçalves, especialista em psicologia forense e criminal, refere que as estatísticas podem não ser totalmente fiáveis, uma vez que muitas vítimas ainda optam por não denunciar os agressores. Por outro lado, e apesar de um aumento das denúncias, o psicólogo nota que “as vítimas não se sentem protegidas pelo sistema”. “O agressor pode ficar calado mas a vítima vai ter que responder a tudo, ao juiz, ao procurador, ao advogado. E o advogado de defesa vai tentar tudo para provar que a mulher é leviana, promíscua.”

A isso soma-se, sublinha, “um desfasamento muito grande entre o número de casos denunciados e as condenações com pena de prisão”.

“Quem trabalha no terreno verifica que muitos profissionais desvalorizam a violência contra as mulheres, numa atitude que assenta em ideias pré-concebidas de submissão natural das mulheres aos homens e na aceitação geral da impunidade destes. Todos somos responsáveis pelos processos de manutenção da violência e todos seremos igualmente responsáveis pelo processo de mudança e pela sua erradicação”, frisa Sónia Costa.

A investigadora acredita que “com uma qualificação mais adequada dos diferentes profissionais, muitos dos erros que se cometem podiam ser evitados”, contribuindo para reduzir o número de mortes relacionadas com este crime.

O presidente da Coimbra Business School mostra-se, por isso, convicto de que este curso “contribua para melhorar a prevenção e o combate à violência, sobretudo aquela que se abate sobre as mulheres”.

O curso, que conta ainda com o apoio da Secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade, terá uma duração de 164 horas, terminando em fevereiro de 2019. Há 40 vagas disponíveis, metade para para profissionais da administração pública e as outras 20 para a população em geral.

As inscrições para o curso terminam a 15 de setembro.

AT com Lusa

 

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