Colocar ao serviço dos outros o conhecimento adquirido

Depois de passar por tudo o que passei, percebi que devia colocar o conhecimento que fui adquirindo em alguns momentos da minha vida ao serviço de quem realmente precisava. Aprendi tanto com eles que não seria justo guardá-lo só para mim.

A primeira vez que o senti foi por volta de 1991, depois de ficar paraplégica, na sequência de um acidente em casa. Reforcei-o em 2004, quando estive por um fio, com uma septicémia grave, resultado de uma escara deixada à solta, que acabou por infetar.

Dois momentos-chave, o primeiro aos 15 anos e o segundo aos 29, que enfrentei com tudo o que tinha, e superei. Resultado? Sem sequer ter tido tempo para dar conta, passaram a ver-me como “exemplo a seguir”, “lutadora”, “guerreira”, “força da natureza”. E a responsabilidade aumentou. Mal sabia eu que este era só o início de uma viagem e que essa viagem não teria fim.

Devo confessar que, no início, isto me deixava, um bocadinho desconfortável. Acontece que, com o tempo, acabei por me habituar à pressão e perceber que, apesar de aquela ser uma espécie de missão que me fora confiada contra a minha vontade, me bastaria ser eu para a cumprir com sucesso.

Aos 15 anos, como qualquer jovem desta idade, sentia-me dona de um poder indiscutível e inquestionável. Tinha em mim todos os sonhos do mundo, como me ensinou Pessoa. Nada me detinha. E, a verdade, é que nada me deteve. Nem mesmo a possibilidade de deixar de andar. Defendi-me com a imaturidade da idade e com a intrínseca vontade de continuar, que reguei com a força que vinha dos outros. Segui em frente.

Aos 29 a minha imaturidade já tinha perdido o “i” e, sem ele, passei a olhar para o mundo com outros olhos. Regra geral, nesta idade, tendemos a ser mais realistas.

Tornamo-nos mais pragmáticos. Temos as nossas lutas – que teremos sempre – mas enfrentamo-las com outro conhecimento. Transformamos problemas em desafios. E, se tivermos feito o caminho certo, aprendemos que devemos olhar igualmente para dentro – para nos vermos, também a nós – e podermos evoluir enquanto seres humanos.

Mas aqueles foram momentos duros, em que senti o meu corpo a perder energia, sem saber se e quando a recuperaria. Mas recuperei. E, porque recuperei, em particular destes dois episódios, chegar aos outros e ajudá-los a fazer o mesmo é algo que nunca mais larguei e que acredito que vai estar comigo para sempre. E isto implica não desviar os olhos quando me apercebo que alguém passa por momentos menos bons. Consequentemente, implica também algum desassossego porque, se olharmos com atenção – e, por vezes, só precisamos de estar um bocadinho mais atentos -, há sempre alguém à nossa volta que precisa de ajuda. E essa ajuda pode ser um simples “bom dia”, um firme “tu consegues”, ou um confiante “vai correr tudo bem”.

Nunca me faltou gente por perto com esta capacidade de me dizer exatamente o que eu precisava de ouvir, mesmo nos momentos mais desafiantes da minha vida. Por eles, por mim, e por todos aqueles que poderei ajudar a seguir em frente, vou recuperar – sempre.

Marta Guimarães Canário é assessora imprensa Novabase