Como as famílias numerosas poupam tempo e dinheiro?

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Família

O número de bebés que nasceram em Portugal aumentou pela primeira vez em cinco anos. No ano passado analisaram-se 85 058 testes do pezinho, mais 1958 do que em 2014 – um indicador positivo para a natalidade e para o futuro de um país que de ano para ano se enchia de rugas e não de chupetas. Por outro lado, e segundo dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), as mulheres portuguesas estão a ter filhos cada vez mais tarde e têm cada vez menos filhos. E mais: que o número médio de filhos por mulher em Portugal era, segundo dados de 2014, o segundo mais baixo no conjunto dos países que integram a organização, logo a seguir ao exibido pela Coreia do Sul.

De uma forma geral, os principais obstáculos prendem-se com dificuldades económico-financeiras, seja quanto a despesas genéricas essenciais, seja em relação a despesas escolares, embora – confirma um relatório recente encomendado pela Associação de Famílias Numerosas – Mais de 60% das mulheres deseja ter três ou mais filhos mas apenas 17% pensa que irá tê-los. De uma forma geral, o número de filhos que se pensa vir a ter é menos 1 a 2 do que aqueles que se deseja. Mas num país cada vez mais de filhos únicos há casais que fogem à regra e multiplicam o amor pelos braços (somam afetos enquanto subtraem a conta bancária). Como Maria, de 36 anos, uma psicóloga que trabalha com famílias carenciadas no Bairro da Torre, em Cascais. Primeiro nasceu Jacinto, há nove anos. Seguiu-se Benjamim, com seis; Luz com cinco e Jasmim com dois. São quatro e (também) por serem quatro exigem aos pais uma organização exemplar para que nada seja descurado – seja atenção sejam questões de logística. Logo ao início do dia.

“As nossas manhãs conseguem ser bastante organizadas, costumo deixar a mesa pronta de véspera para o pequeno almoço. Quando eles ainda dormem eu tomo banho e o Francisco passeia os cães, depois acordamos os miúdos, e tomamos um bom e reforçado pequeno almoço. Depois eles vão se vestir – 3 já se vestem sozinhos, eu visto a Jasmim. Preparamos os respetivos almoços para levar para o trabalho. Eu saio primeiro – trabalho longe – depois saem eles com o pai que os leva à escola e que depois pega na bicicleta e vai para o trabalho”, começa por contar esta mãe de quatro. Os finais do dia também não divergem. “Basicamente é chegar a casa, comem qualquer coisa, os rapazes fazem os trabalhos antes de irem brincar. As meninas brincam – muitas vezes vamos para o jardim, outras ajudam-me a fazer bolos e cereais e até a sopa. O pai dá o banho enquanto eu faço o jantar. Jantamos às 8h, ficamos bastante tempo à mesa. Depois do jantar vemos uma série que estejamos todos a seguir ou então fazemos outra pequena atividade de serão. Os rapazes vão para as suas camas ler um bocado e as meninas ouvem uma história que a mãe conta. Quando a casa está silenciosa (22h), arrumamos a cozinha e tentamos fazer render a noite. Sempre gostei de rotinas e de uma casa organizada mas quantos mais somos mais esta característica fica aprimorada”, conta. A família numerosa também os ensinou a fazer ‘campanha’ contra o desperdício.

“Usamos guardanapos de pano, tentamos fazer tudo o que é possível fazer em casa – pão, cereais, compotas, manteiga de amendoim, iogurtes, bolos, maionese, ketchup; as cascas de legumes, de ovos, de fruta, borras do café e outros resíduos orgânicos (crus)- vão para a nossa caixa de compostagem – ou seja vão encher de nutrientes a terra da nossa horta; Iogurtes só mesmo caseiros; Evitamos tudo o que vem embalado no supermercado; a fruta tentamos comprar na mercearia da esquina, levamos o nosso próprio saco; roupa tentamos fazer ou herdar o máximo que conseguimos – compramos só o indispensável e muitos dos nossos legumes vêm da horta”, descreve a também autora do blogue ‘Seis mais dois’ (https://seismaisdois.com), onde partilha estes e outros conselhos para pais com muitos (ou apenas um) filhos. O facto de o pai das crianças ter um horário ‘family friendly’ ajuda bastante a logística familiar – o leva e traz das atividades extra – mas os seis contam com a ajuda preciosa das avós. “São muito disponíveis, principalmente para as questões de jantares e noitadas que tanto gostamos. E temos também uma empregada 3 horas por dia que ajuda na limpeza e na roupa”, partilha Maria sobre as contas familiares. “Felizmente por enquanto não sai muito caro. Usamos apenas os serviços públicos – escola, médicos etc. Tentamos ser muito poupados a nível de alimentação, eletricidade, etc”.

Mafalda tem 38 anos e trabalha em comunicação. Aos dois filhos rapazes (de seis e três anos) juntou-se recentemente uma menina, que ainda não completou um ano. “[A nossa vida agora] não tem nada a ver a organização doméstica de quando eu vivia sozinha, antes de casar, ou mesmo já depois de casada quando éramos só dois… À medida que fui tendo filhos tive de me organizar para conseguir dar resposta a tudo e a todos… Tenho tudo planeado, mas quem tem filhos sabe bem como por vezes tudo se altera com uma virose e é preciso rapidamente reorganizar a vida e a semana. Mas com 3 filhos tão pequenos e a necessitar de tanta atenção quanto mais organizadas estiverem as rotinas mais tempo sobra para o resto… “, descreve.

Até porque – sublinha – “o tempo durante a semana é muito curto e não dá para quase nada. Tenho a sorte de conseguir fazer muito trabalho em casa, à noite, depois de deitar as crianças e arrumar a cozinha, uma vez que tenho uma profissão que me permite trabalhar em casa e assim dá-me mais tempo de qualidade para os meus filhos…”. À semelhança do que acontece na casa de Maria, também Mafalda começa as manhãs com tudo organizado. “Deixo tudo preparado de véspera (roupa dos rapazes fica separada e pronta para eles se vestirem, de preferência sozinhos; a roupa da bebé fica escolhida para eu não perder tempo a escolher; mochilas prontas, lanche, mesa do pequeno almoço posta, pequeno almoço pensado e pão a descongelar de noite…) e eu e o meu marido levantamo-nos com muito tempo de antecedência para conseguir ter tempo para os miúdos, para gerir as coisas com calma, mas é rara a manhã que corre tudo bem e que não há stresses. Outra regra é que de manhã não há televisão e só vêm tomar o pequeno-almoço já vestidos”, explica.

A facilitar a logística, Mafalda tem um placard de íman no frigorífico com as atividades e a ementa semanal. E depois é só ir preparando de véspera o dia seguinte. Tenho uma empregada que me ajuda com as tarefas domésticas (limpezas e roupas e cozinha) e que me alivia muito o trabalho em casa. Eu faço toda a gestão da casa, as compras, a organização das ementas, a verificação dos stocks…”. Além disso, a vida da família “está muito organizada na freguesia onde vivemos (apenas nós trabalhamos fora): escola do mais velho, IPSS dos mais novos, atividades Extra curriculares… E isso faz com que não percamos horas no trânsito com as crianças no carro… E fazemos muitas coisas a pé, o que é maravilhoso!”, frisa Mafalda, que trabalha na área da televisão. As rotinas estão já definidas, para que o tempo não se esgote sem cumprir tudo o que há para fazer. “Ao final da tarde, se há trabalhos de casa do mais velho, que já aconteceu, é a primeira coisa a fazer… Quando chegamos a casa deixo-os ver televisão enquanto preparo o jantar e trato da mais pequena. Quando o meu marido chega dá banho aos rapazes. Depois jantamos, o que nem sempre é um momento fácil porque um dos meus filhos odeia sopa e há sempre dramas… Depois do jantar, lavar os dentes, histórias e cama. Digo histórias porque regra geral há uma história de livro e outra de boca, inventada por mim, já às escuras, em que eles escolhem as personagens e inventamos a história. Pode ser uma aventura em que o pirata Jake nos aparece na praia ao fim do dia, ou as brincadeiras dos 3 irmãos que vivem numa quinta, ou o dia em que fomos passear e encontrámos a Masha e o Urso…”. Na educação dos filhos, Mafalda e o marido, engenheiro, gastam cerca de 550 euros por mês – berçário e jardim de infância e primeiro ano do ensino básico. “O facto de o meu filho mais velho andar numa escola pública reduz imenso os gastos com a educação até porque tem várias atividades que ou são gratuitas ou têm um valor bastante reduzido. Fora da escola, neste momento, tem aulas de piano e de futebol. Os dois mais pequenos andam numa IPSS, que apesar de ser paga de acordo com o rendimento, é mais barata que um colégio privado e a qualidade é muito elevada. O do meio tem natação com o jardim-de-infância, mas é a escola que leva e traz de volta, facilitando a logística familiar”. Os maiores encargos – assume – são a empregada e os gastos no supermercado e no mercado (onde compro a fruta e os vegetais), mas o facto de fazer planeamento de ementas permite uma grande poupança e, acima de tudo, não comprar no ar sem saber quando ou como vou gastar, acabando muitas vezes por se estragar”, conclui.

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