Como é que pena suspensa é castigo?

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[Fotografia: Istock]

No mesmo dia em que se assinalou o Dia Internacional da Mulher, a 8 de março, é conhecido mais um acórdão que indigna a sociedade: pena suspensa e cinco mil euros de multa a serem pagos por um homem que agrediu a mulher ao longo de 32 anos, causando danos físicos e psicológicos severos.

A propósito desta revelação, o Delas.pt recupera uma análise inicialmente publicada em 2017, aquando da violação de uma mulher em estado inconsciente por parte de dois trabalhadores de um estabelecimento de diversão noturna de Vila Nova de Gaia.

Esta não é a primeira vez que a atribuição de uma pena suspensa em casos de crimes de violência sexual e doméstica sobre mulheres volta a indignar a opinião pública. Quem não se recorda do acórdão polémico que manteve a pena atribuída em primeira instância ao marido que bateu na mulher com uma moca com pregos por esta ser adúltera. Um texto que usava a Bíblia e o Código Penal de 1886 para justificar as atenuantes do crime cometido sobre a mulher.

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Também Manuel Maria Carrilho foi condenado a quatro anos e meio de pena suspensa por crimes de ameaça, violência doméstica e difamação.

Por isso, o Delas.pt ouviu uma advogada, que preferiu o anonimato, e citou Carolina Girão, juiz representante da Associação Sindical de Juízes Portugueses (cujo presidente coassina este acórdão polémico), em declarações à TVI 24, no programa SOS, de 25 de setembro, e no qual fez referência ao filme de Pedro Almodôvar Fala Com Ela para contextualizar as justificações dadas neste acórdão sobre uma violação de uma mulher em estado de inconsciência.

“Apelo à memória cinematográfica das pessoas e ao filme Fala com Ela, de Pedro Almodôvar. O caso de um enfermeiro que cuida de uma paciente que está em coma duradouro e, às tantas e a certa altura, abusa sexualmente dessa paciente e ela acaba por engravidar. Este é o mesmo crime que está aqui em causa. As pessoas sabem que as gravidades são diferentes, as motivações são diferentes”, referiu. E alegou que o exemplo servia apenas para explicar que “a vida é rica em situações particulares e ao juiz cabe fazer um adequado equilíbrio entre a posição da vítima e do arguido e tentar a justiça do caso concreto“.

O que é a pena suspensa? É uma condenação, mas que depois é suspensa na sua efetividade e na condição de o arguido não voltar a cometer um crime do mesmo tipo e da mesma natureza, durante o tempo previsto na sentença. Segundo Carolina Girão, trata-se é uma punição para “crimes -independente da natureza dos mesmos -que desencadeiem uma pena de prisão não superior a cinco anos”, referiu em declarações ao programa da TVI 24.

Como se cumpre? Não reiterando o crime durante o período previsto.

Caso volte a cometer esse crime, o que acontece? Terá de cumprir a pena à qual foi condenado na prisão.

Como pode a pena suspensa ser uma condenação? A pena existe sempre. Entende-se é que há fatores que levam a que a prisão não seja a pena mais eficaz. Como a pena suspensa paira sempre sobre o arguido, o juiz entende, que no caso em concreto, a sentença é suficiente para que não reitere o crime. De acordo com Carolina Girão, no caso concreto deste acórdão sobre os dois homens que violaram uma mulher inconsciente e demonstraram não ter arrependimento, refere que “é a lei, não é o juiz, que diz que a prisão só é aplicada em último recurso, só é aplicada se outras penas – como a suspensa – não forem suficientes”. E prossegue: “Olhando para aquela pessoa, o juiz vê no percurso anterior e posterior aos factos se é possível responder a esta questão: ‘será que relativamente a esta pessoa eu tenho a esperança fundada que ela prossiga a sua vida sem cometer crimes?’ Porque é isso tudo que nos interessa, é isso que à comunidade interessa.”

Que fatores levam à aplicação da pena suspensa? Há fatores que levam o magistrado a entender que só o facto de o mesmo ter passado por julgamento e ter tido uma condenação, é, per si, suficiente para o condenar e demover de novo crime. O facto de o arguido ter, por exemplo, um filho a cargo ou de ser o agente da sobrevivência de um agregado familiar pode levar à escolha desta opção.

O cumprimento da pena suspensa fica adiado durante o recurso da decisão para tribunal superior? Sim. Até vir a decisão do recurso é como se o tempo para cumprir a pena não contasse. Há casos em que pode não ser assim, depende do tipo de crime. Até à decisão final, a pena suspensa fica adiada e pode até ser alterada. Se no recurso ficar decidida nova pena, é essa que será cumprida.

Porque se recorre tanto à pena suspensa? Pode entender-se que a prisão efetiva possa não ser o melhor lugar para o arguido se reabilitar, ou tal decisão pode estar relacionada com fatores concretos com o arguido e com a vida – familiar, por exemplo – do mesmo. E o juiz pode considerar que o arguido estará perfeitamente inserido na sociedade, não causará alarme social ou apresentará outra fundamentação, que estará veiculada no acórdão.