“Conciliação é determinante para ter primeiro filho, tempo do pai decide o segundo”

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[Fotografia: Pixabay/Pexels]

Nunca se nasceu tão pouco em Portugal como em 2021 e desde que há registos. As contas são do Instituto Nacional de Estatística e revelam a chegada de 79.692 bebés, valor inferior ao verificado em 2019 e 2020, respetivamente, menos 7.334 e menos 4.999 nados-vivos.

Números que não apanham de surpresa a demógrafa Maria Filomena Mendes. Ao Delas.pt, a especialista e ex-presidente da Associação Portuguesa de Demografia deixa claro que natalidade e a incerteza e a insegurança são forças inversas. A pandemia, claro, não ajudou.

Se o medo e a falta de recursos podem adiar a chegada de um primeiro filho, há outros fatores que devem ser postos na balança. “Há um dado muito curioso que nos chegou dos últimos inquéritos à fertilidade: a conciliação entre trabalho e família é determinante para se ter o primeiro filho, mas o tempo do pai decide a chegada do segundo”. Ou seja, especifica a demógrafa, “o tempo que o pai tem disponível para a família é determinante para passar do primeiro para o segundo filho.”

O futuro das crianças emerge também como argumento crucial na hora da decisão. “Nos últimos inquéritos à fecundidade dos residentes em Portugal – homens e mulheres – há uma questão que é transversal a todas as idades: preferem ter menos filhos com melhores condições do que mais filhos com mais restrições. Fatores como a educação, saúde, oportunidade de ascensão social e o melhor para os filhos estão na base da decisão da natalidade”.

E se isto já prevalecia, o que faz uma crise económica como a de 2008 ou a pandemia de 2020 em diante? “O que tem vindo a acontecer é uma tendência de longa duração de declínio na natalidade, em alguns anos tivemos aumentos pontuais, mas nunca permitiram uma recuperação”, explica ao nosso site.

Para a demógrafa, é expectável – assim alguma certeza retorne – uma subida ligeira nos próximos anos, ainda que com perspetiva contida. “Estávamos à espera deste valor [de 2021] e, pelos dados que íamos tendo, percebemos que íamos efetivamente ter um valor inferior a 80 mil nascimentos. Vamos esperar para tentar perceber o que vai acontecer nos próximos anos e, provavelmente, voltamos a ter um a inversão da tendência, mas não creio que recuperaremos os valores que tínhamos antes da pandemia, não creio que chegaremos aos 100 mil bebés num ano”.

“Uma das razões pelas quais os casais adiam o nascimento dos filhos e, por vezes, até acabam por renunciar a ter mais filhos é contexto de incerteza e insegurança. Esta situação da pandemia, a própria doença de covid-19, era completamente desconhecida e não se sabia quais os efeitos que poderia ter no curto, médio e longo prazos”, analisa. Por isso, prossegue, Maria Filomena Mendes, tal levou “as pessoas a ponderar, e as quem estava em idade de poder adiar, fizeram-no”. “Muitas delas, pelo confinamento e encerramento de algumas empresas, outros por lay-off viram os seus rendimentos afetados e o futuro carregado de incertezas. E se estavam em condições de poderem adiar o nascimento dos filhos, tomaram essa decisão. Foi um efeito que se notou já em 2020, mas sobretudo em 2021, mas temos de aguardar sempre nove meses, o momento da conceção e o nascimento”, refere.