Incêndios: Constança por um fio

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O Presidente da República falou hoje ao país, a propósito dos incêndios que assolaram o continente, e fê-lo num tom diferente do que costuma usar. Depois de distribuir as habituais palavras de conforto ao país, sempre que assolado por uma tragédia, enviou mensagens muito claras aos que nos últimos dias tiveram mais cobertura mediática: políticos.

Apontou baterias claras ao Governo que “só não entenda isto, não entendeu nada do essencial do que se passou” disse o Presidente da República. Na declaração ao país, feita a partir da Câmara Municipal de Oliveira do Hospital, no distrito de Coimbra, Marcelo Rebelo de Sousa defendeu que é preciso “abrir um novo ciclo”, na sequência dos incêndios de junho e de domingo passado, e que isso, “inevitavelmente, obrigará o Governo a ponderar o quê, quem, como e quando melhor serve esse ciclo.”

Constança Urbano de Sousa, a Ministra da Administração Interna, responsável máxima pelo ordenamento do território e o combate aos fogos, ficou debaixo de fogo do Presidente da República que se juntou, com palavras duras, ao coro de vozes que desde os incêndios de Pedrógão, em junho deste ano, pedem a demissão da ministra e que aumentaram de tom na segunda-feira, depois da Ministra ter afirmado:

“se me demitisse ia ter as férias que não tive”.

António Costa fica assim cada vez mais isolado na defesa da continuidade da ministra no cargo que ocupa desde 26 de novembro de 2016, data em que o governo tomou posse. O presidente da bancada parlamentar do PS, Carlos César, tinha já levantado o véu sobre as possíveis alterações no Governo depois do Conselho de Ministros do próximo fim-de-semana.

Marcelo puxa as orelhas a Costa

Constança Urbano de Sousa não foi o único alvo do PR. António Costa recebeu uma reprimenda por não pedir desculpa ao país e Marcelo Rebelo de Sousa instou o Primeiro-Ministro a fazê-lo:

“a melhor se não a única forma de verdadeiramente pedir desculpa às vítimas de junho e de outubro, e de facto é justificável que se peça desculpa, é por um lado reconhecer com humildade que portugueses houve que não viram os poderes públicos como garante de segurança e confiança e, por outro lado, romper com o que motivou a fragilidade, o desalento ou a descrença dos portugueses.”

Fazendo referência à moção de censura que o CDS-PP apresentará na Assembleia da República contra o Governo, o PR voltou à carga: “Se na Assembleia da República há quem questione a capacidade do atual Governo para realizar estas mudanças que são indispensáveis e inadiáveis, então, nos termos da Constituição, esperemos que a mesma Assembleia soberanamente clarifique se quer ou não manter em funções o Governo”. No seu entender, essa é uma “condição essencial para, em caso de resposta negativa, se evitar um equívoco, e, de resposta positiva, reforçar o mandato para as reformas inadiáveis”.

Num discurso de cerca de dez minutos, Marcelo Rebelo de Sousa defendeu que “esta é a última oportunidade” para tornar a floresta “prioridade nacional” e voltou a exigir que o Governo “retire todas, mas todas, as consequências” dos incêndios de junho e do passado domingo, reforçando a importância de apostar na prevenção dos fogos.

O Presidente da República rejeitou a possibilidade de se viver “novas tragédias” e prometeu fazer tudo para salvaguardar os princípios constitucionais da segurança e da confiança no Estado.

“É tempo de reconstruir, de iniciar um novo caminho, de acreditar no futuro, na base da mudança em relação ao passado”, afirmou.

Os mais de 500 incêndios deflagraram no domingo, o pior dia de fogos do ano segundo as autoridades, provocaram pelo menos 41 mortos e 71 feridos, dos quais 16 em estado grave, além de terem obrigado a evacuar localidades, a realojar as populações e a cortar o trânsito em dezenas de estradas.
O Governo decretou três dias de luto nacional, entre hoje e quinta-feira.

Esta é a segunda situação mais grave de incêndios com mortos este ano, depois de Pedrógão Grande, em junho, em que um fogo alastrou a outros municípios e provocou 64 mortos e mais de 250 feridos.

Carla Macedo com Lusa