‘Contos Eróticos do Velho Testamento’: Leia um excerto do novo livro de Deana Barroqueiro

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A escritora Deana Barroqueiro lança no próximo dia 6 de novembro, 15 anos depois da primeira edição, o livro ‘Contos Eróticos do Velho Testamento’ (editora Planeta). Esta é uma reedição revista e coligida num único volume, com prefácio de Maria Teresa Horta.

Neste livro, que contribui para compreender a raiz da discriminação sexual, a autora revela, através de uma viagem histórica com base no Velho Testamento, a vida das mulheres da Antiguidade, “escravas dos caprichos, da ambição e da ira masculina, que se viam confinadas às tendas de pastores nómadas, a haréns e serralhos dos palácios dos faraós do Egipto ou dos reis da Pérsia e da Mesopotâmia”, refere a descrição de apresentação da obra. Num conjunto de narrativas cheias de erotismo e sensualidade, mas também cheias de episódios de violência e tirania, o leitor pode acompanhar as aventuras e desventuras das companheiras de personagens bíblicas famosas –Noé, Abraão, David e Sansão. Mulheres muitas vezes submetidas a vinganças e desejos levados ao extremo ou usadas como vantagem sobre os inimigos e forma de sobrevivência por maridos, amantes, pais e irmãos.

Mas há também relatos de paixões, retratas com a sensualidade e o erotismo que o livro promete.

O Delas.pt antecipa o lançamento da nova edição de ‘Contos Eróticos do Velho Testamento’ e pré-publica, em parceria com a editora Planeta, um excerto de um conto, que pode ler em baixo:

 

 

 

Os cuidados de Abraão

 

Pela vez primeira a nómada contemplara o corpo nu de um homem
na força da juventude, moldado no exercício das armas e no requinte da
corte, feito à imagem dos deuses, uma escultura de carne e osso, com
músculos e tendões movendo-se como pequenas cobras irrequietas sob
a pele macia e lisa, cor de cobre, brilhante de óleos perfumados.

Sarai recordara com desgosto o corpo velho de Abraão, mole e enrugado,
o hálito fétido dos dentes podres, o cheiro azedo a suor e a bedum
de carneiro. A água era um bem demasiado precioso para ser desperdiçado
em banhos e não havia erva defumadora que lograsse afastar das
tendas e da própria pele dos pastores nómadas o fedor da urina quente
e do sebo dos rebanhos a que todos acabavam por se habituar. Ela só se
apercebera do seu cheiro depois de ter entrado no sumptuoso harém do
Faraó.

Quando Sebekhotep se deitara sobre o seu corpo para lhe tomar a flor
da virgindade, enroscara-se nele como a hera no tronco firme da árvore
que a sustenta, sentindo-o deslizar para dentro de si, com a dureza do
bronze e a maciez de uma lâmina oleada. Fizera-lhe as carícias que Meryt
lhe ensinara como sendo as mais doces ao seu prazer, percorrendo com
os lábios e os dedos os caminhos secretos do seu corpo, até o sentir vibrar
dentro de si. O ventre de Sarai latejara, quente e húmido, e eclodira por
fim em ondas de êxtase quase dolorosas, como jamais experimentara no
leito de Abraão.

O virgo postiço rebentara e o sangue correra pelas coxas de Sarai
quando Sebekhotep se retirara de dentro dela, sorrindo por vê-la perturbada.
Porém, a vergonha da nómada não era devida à perda da virgindade,
mas ao ardil usado para o enganar e que contara com a cumplicidade de
Meryt, sempre desejosa de lhe satisfazer os mais ocultos desejos.

A Governanta do Real Harém soubera desde o primeiro dia que a
nómada já fora tocada por homem, mas Sarai confiara-lhe uma triste
história de infância e ganhara a sua simpatia ou talvez a mulher não gostasse
das favoritas Tadukhipa e Ahmose e tivesse visto na nova concubina
uma rival capaz de as derrubar.

Para o conseguir, teria de guardar segredo e proceder de modo a Sarai
poder passar por virgem no leito de Sebekhotep, o que não era difícil de
fazer, bastando um pequeno artifício muito comum entre as alcoviteiras
de qualquer lugar do mundo e algum fingimento da parte da falsa virgem.
Assim, antes de a conduzir à câmara do Faraó, Meryt dera-lhe um minúsculo
saco de pele com sangue de galinha e ela introduzira-o na vagina.
O embuste surtira o efeito desejado, todavia Sarai, enquanto se limpava
do sangue impuro, chorara de humilhação e pejo.

Arrancou-se à penosa lembrança para seguir com o olhar os movimentos
da ruidosa cáfila, que rumava a leste e se perdia lentamente no
horizonte, e o seu coração alegrou-se por não ter de partir com ela ao
encontro de Abraão.

Arrastada no torvelinho da paixão de Sebekhotep, aqueles últimos
dias haviam sido para Sarai um tempo de turvação e encantamento. Tudo
começara quando Meryt a viera buscar para a conduzir de novo ao harém
e lhe vira na cabeça a coroa de flores de lótus com que o Divino Senhor
a coroara graciosamente, beijando-a com ardor e ternura, antes de sair
da câmara.

– A coroa de lótus para uma filha do povo das areias?! – espantara-se
a Governanta do Real Harém. – E logo na primeira noite? Terá Sarai
poderes ocultos de feiticeira que Meryt desconhece?
Sem parar de falar, passara revista aos aposentos, bisbilhotando tudo,
e sorrira de aprovação ao descobrir as manchas de sangue no leito. Vendo
o embaraço e a incompreensão da nómada, explicou:

– A coroa de flores de lótus mostra que o Bom Deus te escolheu para
sua favorita e isso é admirável, pois as concubinas reais são damas de
sangue nobre, esposas, filhas ou irmãs dos grandes senhores da corte,
jamais mulheres do povo e estrangeiras. Como conseguiste tal feito?
Foram interrompidas por um mensageiro do Faraó, com um recado
para a Governanta, que o ouviu, com um misto de agrado e espanto,
chamando as servas que aguardavam na antecâmara.

– Sebekhotep deu ordens para ocupares estes aposentos, com estas
escravas para te servirem, guarda-roupa e jóias dignas de uma princesa.
Se quiseres manter estes privilégios, trata de servir bem o Divino
Senhor, pois vais fazer muitas inimigas no harém. Tadukhipa e Ahmose
hão-de recorrer a toda a sua perfídia para tramar intrigas e causar a
tua desgraça.

Sarai passou a gozar da posição e privilégios de uma princesa da Casa
Real de Tebas, a quem o poderoso Faraó do Egipto vinha visitar todos os
dias, para lhe mostrar um mundo de coisas novas e admiráveis, ensinando-
lhe os requintes de uma corte que fazia do luxo e do prazer uma
arte. A pastora nómada de Ur surpreendera-se a ansiar por essas visitas,
cada vez com maior inquietação e deleite, para se oferecer como cera
macia às mãos divinas e, deslumbrada, deixar-se moldar segundo o desejo
e a imaginação do mestre, tomando a forma das suas fantasias.

 

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