Contra tudo, outra vez

Antes de escrever isto estive a fazer ilustrações para um jornal. E pela primeira vez, desde que o faço, decidi que não as acabaria em modo bonitinho e lambido, o mais perfeito possível, e que pediria ao rapaz das artes gráficas para as acabar à tesourada grossa, assumidamente grossa, porque isso seria o melhor para aquele artigo, nesta altura das nossas vidas.


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Ontem vi a capa da AD espanhola (para quem não conhece, uma das publicações deco mais bem feitas no mercado revisteiro), que tinha como parangona “el anti chic”. Anti é sempre uma expressão bem recompensada neste tipo de publicações; todos nós somos, afinal, revoltados tímidos que estamos sempre em busca da próxima motivação para apedrejar, seja o Parlamento seja o bairro de refugiados mais próximo. E as publicações, as deco e as outras, conhecem-nos bem, a nós pessoas, ao ponto de tirar disso partido e parangonam assim para vender o máximo de exemplares possível, ou ter o maior número de clicks nas suas publicações. É assim, é o desenho da vida.

Desde que há artistas (ou seja, mais ou menos desde sempre), existem contracorrentes que desafiam a moda instituída; antes desta ‘contra’ que parece despontar agora, têm existido muitas outras: há sempre um estilista que faz roupa de esponja ou um designer que recupera lixo, mas neste caso tivemos que esperar meio século para ver uma fronda ao nível do design de interiores como vimos agora.

Para quem desistiu de Filosofia no 8º ano temos que abrir um breve parêntesis e falar da trilogia tese-antítese-síntese. A raiz desta linha de pensamento é antiga bastante para se encontrar no berço da ciência, a Grécia de Platão e Sócrates. A forma corrente mais adotada é a de Hegel, que consiste em abordar a questão (seja ela qual for) sob a forma de tese (o instituído à altura) à qual se contrapõe uma antítese (uma anti tese), com o objetivo de se chegar à transcendência de ambas, uma síntese, que se gera numa nova tese. E por aí afora.


O que agora é anti-chic tornar-se-á o novo chic


Esta antítese de agora, como todas as outras anteriores, gerar-se-á mais ou menos brevemente em síntese e tese, e fará parte do establishment: o que agora é anti-chic tornar-se-á o novo chic. Como todos os anteriores gritos de revolta também ela se aburguesará e tornará domesticada. É assim desde sempre, afinal as pessoas são sempre pessoas, não é? Mas durante um breve período de tempo teremos a ilusão benfazeja de que estamos a lutar contra poderes instituídos que não nos deixam progredir e contra tudo aquilo que carimbamos como ‘o estilo da minha mãe’. O psiché em cerejeira de que tínhamos vergonha quando levávamos os amigos adolescentes lá a casa é agora motivo de disputa entre irmãos, e a cama de paletes que a nossa filha nos obrigou a montar, e que tapamos com colcha até ao chão quando temos visitas, em breve fará capa de revista, com parangonas do tipo ‘como vivem os millennials’ e outras que tais.

Existem contras na decoração ‘contra’? Existem com certeza, e o primeiro da lista é que esta onda não convive, de todo, com outras correntes. Uma coisa é ter um candeeiro da década de setenta na sala Luís XV, ou um quadro pop art ladeado de tocheiros em talha dourada; é o suficiente para salvar a divisão de se tornar um cenário de opereta e a reenquadrar no nosso tempo, e o chic continua lá. Outra coisa muito diferente é prescindir de tudo o que se tem e começar de novo, do zero: o anti-chic, para ser conseguido tem que ser o mais integral possível; a não ser, arriscamo-nos a que a sala pareça um projeto inacabado ou remendão.

Como conseguir este estilo em casa? Antes do mais é mesmo preciso querê-lo e aposto que nem todos temos lata suficiente. Depois é contrariar todas as diretivas que compõe a base do chic: harmonia, requinte, simetria, materiais nobres, acabamentos apurados e equilíbrio. É toda uma nova cartilha tão difícil se seguir quanto a do chic a que esta se opõe e tão fora da caixa e feita com peças e materiais ainda tão inusitados que será bem mais difícil de concretizar que a sua némesis.

O melhor dos prós, se for o seu desejo ter coisas que ninguém mais tem, é ser dono de uma decoração que dificilmente mais alguém abrace; como todas as radicalidades esta também não terá muitos devotos que a desejem na totalidade. Outra benesse deste tipo de layout é a facilidade de encontrar onde menos se espera, por vezes gratuitamente ou quase, alguns dos componentes necessários para o realizar. Uma vez que não obedece a regras, bem pelo contrário, tudo é permitido, quanto mais fora da caixa e distante do status quo, melhor.

Mas não pense que a sala anti-chic é toda fruto de safaris noturnos pelos melhores caixotes de lixo da cidade; sendo ainda a antítese da decoração atual, os designers mais vanguardistas estão já a tratar do assunto, usando-a como inspiração e fazendo dela a próxima tese, ou seja, fazendo do anti-chic o futuro chic. Veja na galeria de imagens acima como o estão já a conseguir.