O Relatório Global sobre os salários 2020/21 revela que nem todos os trabalhadores foram afetados do mesmo modo pela crise, mostrando que o impacto sobre as mulheres tem sido mais grave e desproporcional do que nos homens.
Olhando para os dados de Portugal que constam do estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT) divulgado esta quarta-feira, 2 de dezembro, fica claro que a perda de massa salarial entre o primeiro e o segundo trimestres de 2020 foi de 16% para as mulheres e de 11,4% para os homens portugueses.
“Em todos os países europeus, a proporção das mulheres na massa salarial foi atingida de forma mais severa pela perda de empregos sem precedentes e pela redução de horário de trabalho ocorrida em devida à crise da covid-19”, justifica o documento, especificando: “Enquanto a diferença média nas perdas salariais causadas por demissões foi menor que 0,4 % entre mulheres e homens, a perda média da massa salarial devido a quebra nas horas de trabalho foi de 6,9% para as mulheres em comparação com 4,7% para os homens.”
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Portugal é um dos seis países onde essas diferenças de género foram mais observadas e acentuadas, inserindo-se no mesmo grupo da Bélgica, França, Alemanha, Eslováquia e no Reino Unido.
Refere o relatório da OIT que, sem as subvenções aos salários, as mulheres teriam perdido 8,1% dos salários no segundo trimestre de 2020, em comparação com 5,4% por cento para os homens. Ora, perdas de rendimentos que decorreram da redução da jornada de trabalho – como, por exemplo, os lay-offs – , mais do que pela diferença no número de dispensas. “A folha de salários perdida como o resultado da queda no horário de trabalho foi de 6,9 % para as mulheres, em comparação com 4,7% para os homens”, lê-se no relatório.
A juntar a esta quebra, é de notar o ponto de partida do sexo feminino em matéria de salário: sempre atrás dos homens. “Globalmente, estima-se que 327 milhões de assalariados são pagos no valor ou abaixo do horário aplicável salário mínimo. Este número representa 19 por cento de todos os assalariados e inclui 152 milhões mulheres. Embora, em número absoluto, mais homens do que mulheres ganhem salários mínimos ou menos, as mulheres estão sobrerrepresentados nesta categoria de trabalhadores”, refere o documento.
Os salários mensais baixaram ou aumentaram mais lentamente nos primeiros seis meses deste ano devido à pandemia em dois terços dos países para os quais existem dados oficiais. O relatório também refere que, num futuro próximo, a crise poderá exercer uma forte pressão no sentido da baixa dos salários. A OIT sublinha que, embora os salários médios num terço dos países que forneceram dados parecessem aumentar, tal resultava em grande parte do facto de um número substancial de trabalhadores com salários mais baixos terem perdido os empregos e, por conseguinte, enviesarem a média, uma vez que já não estavam incluídos nos dados estatísticos relativos às remunerações das pessoas empregadas.
Nos países onde foram tomadas fortes medidas para preservar o emprego, os efeitos da crise foram sentidos principalmente ao nível da baixa dos salários e menos nas perdas massivas de emprego, indica a OIT.
A crise também afetou severamente os trabalhadores com salários mais baixos, adianta o relatório, sublinhando que os que exercem profissões menos qualificadas perderam mais horas de trabalho do que os que exercem funções de gestão e os profissionais com empregos qualificados mais bem remunerados.
Utilizando dados do grupo de 28 países europeus, o relatório mostra que, sem as subvenções temporárias, metade dos trabalhadores com remunerações mais baixas teriam perdido cerca de 17,3% dos salários.
Sem as subvenções, a redução do montante médio dos salários perdidos em todos os grupos teria sido de 6,5%, já que as subvenções aos salários permitiram compensar 40% deste montante. “O crescimento da desigualdade criada pela crise da covid-19 ameaça deixar para trás de si um legado de pobreza e instabilidade social e económica que seria devastador”, afirmou o diretor-geral da OIT, Guy Ryder.
“A nossa estratégia de recuperação deve ser centrada no ser humano. São necessárias políticas salariais adequadas que tenham em conta a sustentabilidade dos empregos e das empresas, e que abordem também as desigualdades e a necessidade de sustentar a procura. Se vamos construir um futuro melhor, temos também de lidar com algumas questões incómodas sobre a razão pela qual os empregos com elevado valor social, como os da prestação de cuidados e do ensino, estão muitas vezes ligados a baixos salários”, afirmou Ryder.
O Relatório, que inclui uma análise dos sistemas de salário mínimo, afirma que estes poderiam desempenhar um papel importante na construção de uma recuperação que seja sustentável e equitativa.
Os salários mínimos estão, atualmente, em vigor, numa qualquer forma, em 90% dos Estados-membros da OIT, mas, mesmo antes do início da pandemia da covid-19, o relatório conclui que, globalmente, 266 milhões de pessoas — 15% de todas as pessoas empregadas — eram remuneradas a um nível inferior ao salário mínimo por hora, quer por incumprimento, quer por terem sido legalmente excluídas de tais regimes e que as mulheres estão sobre-representadas entre os trabalhadores remunerados a um nível igual ou inferior ao salário mínimo.
“Salários mínimos adequados podem proteger os trabalhadores e trabalhadoras dos baixos salários e reduzir as desigualdades”, afirmou Rosalia Vázquez-Alvarez, uma das autoras do relatório.
O Relatório Global sobre os Salários 2020/21, que também analisa as tendências salariais em 136 países nos quatro anos que precederam a pandemia, constatou que o crescimento global dos salários reais flutuou entre 1,6% e 2,2% e que os salários reais aumentaram mais rapidamente na Ásia e no Pacífico e na Europa de Leste e muito mais lentamente na América do Norte e na Europa do Norte, do Sul e Ocidental.
O Relatório Global sobre os Salários é um dos relatórios de referência da OIT, analisa a evolução dos salários a nível global, apresentando um quadro das tendências a nível mundial e regional e a edição de 2020-21 analisa a relação entre salário mínimo e desigualdade, bem como o impacto da crise da covid-19 nos salários.
Com Lusa