Covid-19: um dia na vida de uma intensivista portuguesa

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Ana Isabel Pedroso tem 35 anos e é médica há 10. É especialista em medicina interna e intensivista no Hospital de Cascais e lida diariamente com doentes internados e positivos para a Covid-19. Em entrevista ao Delas.pt, explica o seu dia-a-dia e ainda afirma que o Governo pode até abrir mais 30 vagas para intensivistas, mas será que existem médicos especializados para preencher esses lugares?

Numa altura em que o país volta a entrar em estado de calamidade e se debate o uso obrigatório de máscaras de proteção individual nas ruas, bem como a obrigatoriedade de uso da App Stayaway Covid temas que têm criado muita polémica – entrevistámos uma das mulheres que tem como rotina diária o cuidado de doentes internados nos cuidados intensivos, devido ao Novo Coronavírus.

Ana Isabel Pedroso, médica especialista em medicina interna e intensivista no Hospital de Cascais. Nas suas redes sociais, a especialista costuma abordar várias vezes temas relacionados com o Novo Coronavírus. [Imagem: DR]

Sobre a relação com as máscaras, a médica afirmou que a imposição do seu uso em ambientes que não apenas os fechados já deveria ter vigorado há mais tempo. Mas, afinal, como é que é a vida de uma intensivista em Portugal? “Cansativo”.

Turnos de 24 horas, sem pausas

A vida de um intensivista não tem sido fácil, começa desde logo por esclarecer a especialista. “O nosso trabalho sempre foi complicado, é um trabalho muito stressante porque trabalhamos no limiar da vida e da morte. Por outro lado, também tem muita adrenalina e normalmente quem anda nestas andanças é porque gosta de estar neste limite”, descreve a médica.

Não será de estranhar que Ana Isabel Pedroso diga que os últimos meses têm sido acompanhados, especialmente, de trabalho extra. “Ultimamente temos tido mais trabalho e temos todos uma nova zona de trabalho, que é a zona Covid. Isto porque os doentes em zona Covid não podem estar perto de outros doentes. Esta é uma zona isolada e em que utilizamos fatos que têm o máximo de duração de 4 a 6 horas. Fatos esses que nós não podemos tirar. Se a pessoa tem comichão no nariz, não vai coçar com as luvas, a pessoa não pode ir à casa de banho durante aquele tempo, não pode beber água, não pode tirar a máscara. Portanto, as nossas condições de trabalho neste momento são bastante complicadas, comparativamente com o que tínhamos antes, que era um open space“, explica.

Para além do mais, a grande maioria trabalha em turnos de 24 horas, o que também não é fácil. “Entramos às 8h30 da manhã e saímos no dia a seguir. Isto para nós já é quase o normal, e claro que isto de normal não tem nada, mas a verdade é que fazemos isto várias vezes por semana. E por isso estamos todos muito cansados”, desabafa a intensivista.

O medo pela segunda vaga

Quando questionada sobre não apenas as situações atuais como também para fazer uma antevisão do que poderá vir a surgir, Ana não adivinha tempos fáceis – pelo contrário.

“Na primeira vaga, nós estávamos emocionalmente preparados para isto e estávamos cheios de força. Víamos as imagens de Itália e de Espanha e tínhamos muito receio de que isso acontecesse aqui. E não aconteceu. Estávamos preparados para o pior mas acabou por não existir essa imensidão de casos, apesar de ter existido muita gente positiva claro. E isso acabou por não se traduzir numa superação da capacidade do Sistema Nacional de Saúde, que era o que tínhamos medo”, reflete. Mas, e agora, nesta segunda vaga?

“Nesta segunda fase, não estamos preparados e estamos cansados. E a vaga que estávamos à espera que acontecesse na primeira vez e não aconteceu, temos medo que chegue agora, sem sequer estarmos para aí orientados. Acho que não vai correr bem desta vez e que vai sobrecarregar o Sistema Nacional de Saúde”, prevê a especialista.

Sobre a época de gripe, que já está mesmo aí ao virar da esquina, a especialista vai ao encontro da opinião de vários outros médicos: poderá ser mais leve. “Este ano a vacinação foi apelada mais cedo e andamos mais de máscara e com cuidados na higienização das mãos. Isso poderá fazer com que a gripe não tenha o impacto de costuma ter. Tudo aquilo que normalmente propaga a gripe, não existirá tão facilmente. Mas claro que vão existir casos e nós não vamos ter a capacidade de ver se é gripe ou não”, termina por explicar Ana Isabel Pedroso.

Onde se vão arranjar 3o intensivistas?

O Governo prometeu abrir vagas para mais 30 médicos intensivistas. Mas será esta a verdadeira questão do problema? Ao Delas.pt, a médica relata outro medo: será que existem, em Portugal, mais 30 intensivistas?

“Aqui a questão não é o Estado contratar mais 30 intensivistas, a minha questão é: existem esses 30 intensivistas? Nós somos muito poucos. A medicina intensivista é uma raridade e há muito poucos especialistas em Portugal, sendo que existem muitos mais no norte do que no sul”, começa desde logo por relatar a médica de cuidados intensivos.

“Portanto, não é por abrirem 30 vagas que vão aparecer 30 especialistas – eles têm de existir. Se eu acho que é o suficiente? Claro que não. Mas é por isso que se têm dado formações, cursos e treinos para os médicos, colegas de outras especialidades, que têm alguma formação na área, como por exemplo as pessoas de medicina interna que fizeram estágios nos intensivos e que possam vir ajudar nesta altura de pandemia”, descreve.

As 30 pessoas não chegam, além do mais, os hospitais na zona de Lisboa já estão cheios, garante Ana Isabel Pedroso. “Já há pessoas a ser transferidas para muito longe. Isto é muito complicado no geral”, termina por dizer.