Crise aumentou mesmo os problemas mentais dos portugueses, e das mulheres, em particular

Depressão

Muito se foi falando ao longo destes anos sobre a possível relação entre a crise económica e social e um aumento de casos de saúde mental, em Portugal, mas os dados eram poucos e ainda não eram conclusivos. Agora, os resultados preliminares do estudo “Crisis Impact” mostram que, entre 2008 e 2015, a alteração de rendimentos da população teve mesmo um impacto significativo na sua saúde mental.

Os dados, que são apresentados esta sexta-feira, 25 de novembro, no fórum “Crises Socioeconómicas e Saúde Mental: da Investigação à Ação”, a decorrer na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, mostram um aumento da prevalência de problemas de saúde mental – atinge um terço da população – e que as mulheres são um dos grupos mais afetados.

A análise compara os dados da investigação nacional de saúde mental feita no início da crise, entre 2008 e 2009, com os obtidos no final de 2015. Dessa comparação concluiu-se que a prevalência de problemas de saúde mental passou de 19,8%,em 2008, para 31,2%, em 2015, e que existe uma relação estreita entre os problemas de saúde mental identificados o último ano e vários fatores sociais e económicos resultantes da crise económica vivida a partir de 2008.

Outra das grandes conclusões que os dados preliminares do “Crisis Impact” revelam é o facto do aumento de prevalência ter revelado uma variação maior nos casos mais graves, que passaram de uma representação de 1,8% para 6,8%. Já nos casos ligeiros registou-se uma subida 13,6% para 16,8%, enquanto os problemas moderados passaram 4,4% para 7,6%.

Mais de 40% das pessoas da amostra reportaram descida de rendimentos desde 2008: cerca de metade por corte de salários e pensões, 14% por desemprego, 6% por mudança de emprego e 5% por reforma. E quase 40% dos inquiridos referem não ter rendimentos suficientes para pagar as suas despesas e mostram uma prevalência significativamente mais elevada de problemas de saúde mental do que os que não reportam privação financeira. Esta associação é especialmente marcada na privação relacionada com o grupo das despesas básicas (comida, eletricidade, água) e o grupo das dívidas com empréstimos para compra de casa e dívidas de cartão de crédito.

A investigação mostra que entre em 2015, a prevalência de problemas de saúde mental mostrou-se especialmente elevada entre as mulheres, os mais idosos, os viúvos e separados e as pessoas com níveis mais baixos de educação. Segundo dados da Portada, do início deste ano, à exceção de 2012, a taxa de desemprego nas mulheres foi sempre superior à dos homens, com uma diferença maior entre 2008 e 2010.


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O estudo, coordenado por José Caldas de Almeida, presidente do Lisbon Institute of Global Mental Health, demonstra também que o aumento da prevalência de problemas de saúde mental, desde 2008, foi acompanhado de uma subida progressiva do consumo de psicofármacos, sobretudo antidepressivos e ansiolíticos, que, em valores absolutos, é muito mais elevado entre as mulheres.

Resposta aos problemas
Segundo a investigação, o impacto da crise na saúde mental dos portugueses foi atenuado sempre que se verificou a existência de um elevado suporte social. O facto de as pessoas se sentirem bem integradas e seguras nos bairros onde viviam, revelaram-se, de acordo com os resultados preliminares, fatores protetores do risco de sofrer de problemas de saúde mental.

Em relação à resposta dos serviços, no período analisado, 27,9% das pessoas recorreu aos cuidados de saúde por problemas de saúde mental, sendo os médicos de medicina geral os mais procurados, seguidos dos psiquiatras e psicólogos.

O sistema de saúde revelou capacidade de resposta, embora com alguns problemas a nível do acesso aos cuidados e sobretudo em relação à continuidade e qualidade dos mesmos. Se entre 70 e 80% das pessoas conseguiram ter acesso a cuidados, apenas cerca de 40% tiveram acesso a cuidados adequados, indica os dados do estudo. As barreiras mais referidas pelas pessoas foram as dificuldades em cobrir os custos e em marcar consultas.

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