Cró: as termas rejuvenesceram e querem jovens a banhos

A promessa já vinha de 2018 – e a petição ainda antes disso – , mas agora parece estar mesmo definida: os tratamentos termais vão voltar a ser comparticipados pelo Estado em 35%, mas até um limite máximo de 95 euros. A portaria que estabelece as novas regras foi publicada no último dia de 2018, na segunda-feira, 31 de janeiro. No momento em que se fala do regresso desta comparticipação, releia a reportagem do Delas.pt feita num dos segredos termais do país: o Cró.

Casais de meia-idade, chinelos e roupões, copos de água a horas marcadas e passeios pelas alamedas verdejantes das estâncias termais. É esta a ideia que todos temos das termas? Sim, e a literatura reforçou-a ainda mais. Quem não se lembra do Comissário Maigret que decidiu ir a Vichy de férias, mas a quem o autor George Simenon não deu descanso?

Afinal, escrevia que “ali [nas termas] cada qual não só fazia os mesmos gestos em torno das nascentes, para beber os copos de água sacrossanta, mas, também, adquirira hábitos quotidianos, nas outras horas do dia”. E prosseguia: “Após alguns dias de estada, cada qual se integrara num pequeno círculo e a maioria dos olhares manifestavam a mesma serenidade, um tanto ou quanto vazia, com exceção dos seriamente doentes que se reconheciam pelas deformações, pela maneira de andar e, sobretudo, pela expressão mesclada de angústia e de esperança”.

Pois, este é o imaginário que perpassa a memória coletiva das termas e é com ela que a rede que compõem as do Centro quer pôr fim. Aliás, grande parte das estâncias – das 22 que integram o programa de rejuvenescimento destas estruturas – foram sujeitas a obras profundas.

Algumas ganharam hotéis em que a arquitetura pretende ser mais um chamariz para uma estadia mais longa e cada vez mais apostada no bem-estar. Sobretudo, no que diz respeito às termas que têm prazos muito definidos para abrir e fechar portas anualmente, decisões que decorrem da qualidade das águas e dos custos e benefícios que as mantêm.

No Cró, na Beira Interior, a história conta-se assim. Quando se chega a Rapoula do Côa, freguesia do Sabugal, e se dá de caras com uma arquitetura fora do comum para a região, a vontade não é exatamente a de ir embora. É de ir espreitar o que afinal se passa ali. E é mesmo tempo de apurar a curiosidade!

O Cró: Termas até novembro, SPA seco até abril.

Perdida pelos arredores da Guarda, na vizinhança de Sabugal e a apontar a Vilar Formoso, a estância termal do Cró há muito que queria ganhar uma vida nova. Tanto que, em 2011, a autarquia decidiu investir a sério nuns balneários que ficassem na memória. E o arquiteto Manuel Abreu respondeu e apostou numa piscina algo invulgar: onde os fins de tarde merecem ser passados com tempo e descanso.

Mas isso talvez não tenha sido suficiente para atrair turistas às famosas águas, cujas referências benfazejas datam de 1726, mas que os romanos, mais de milénio e meio antes, já teriam identificado.

Adquirida por uma empresa privada, a estância termal ganhou, em 2015, um hotel e o Cró já não fecha portas em novembro, como era tradição. Prossegue a sua atividade até abril e aposta no bem-estar e no SPA seco para atrair visitantes.

Mas SPA sem água não é uma contradição?

O Cró quer acabar com esta ideia. Por isso, durante o tempo em que as águas termais não permitem que o espaço funcione com regularidade, a proposta passa por criar fins de semana só de relaxamento e parte dos tratamentos mantêm-se: os que não usam água ou os que usam, mas não a termal.


Incêndios podem comprometer a água termal?


Assim, o bem-estar a seco existe o ano inteiro, bem como os tratamentos com água regular, embora esta seja substituída por termal de abril a novembro. Os programas integrados – o Cró Corpus e o Cro Ludic não vão para lá dos dois a três dias, e Cristina Mota explica o porquê. “As pessoas podem desenhar o seu próprio programa, mas para fazer tratamentos mais do que cinco dias implicará sempre uma consulta médica”, refere a diretora terapêutica desta estância (e também das termas da Longroiva).

“Está a haver uma preocupação maior e a associação de unidades hoteleiras às termas permite-nos estar abertos todo o ano, aumentar a oferta e receber outro tipo de clientes que se preocupam com o bem-estar”, refere a responsável, que nota haver “uma procura por parte das classes mais jovens”.

Cró: Relax, problemas respiratórios, doenças músculo-esqueléticas e de pele

O ritual é simples: uns chinelos, um roupão, uma touca – se se for à piscina – e cuidado porque, por aqui, há sempre água e escorregar pode ser sempre um risco. De resto, é aproveitar. Entrar numa banheira para fazer hidromassagem [10€] valerá a pena se conseguir deixar todos os problemas no cacifo.

Olhar para a janela sobre a banheira e ver a luz a entrar também ajuda a afastar o stress do dia-a-dia. No aerobanho [10 €], as bolhas de água termal prometem “ajudar a aliviar problemas de pele como os eczemas, a oxigenar e a limpar as células mortas”, conta a especialista ao Delas.pt. Quinze minutos não dá para conseguir verificar resultados imediatos, mas os dois juntos já ajudaram a aliviar algumas dores nas costas e nos ombros.

Mas o grande embate ainda está para vir. O duche de Vichy – não, nada a ver com o comissário Maigret – teve o mérito de, para quem não é utente nestas andanças, encontrar músculos novos nas zonas cervical e lombar a precisar de massagens. Cláudia e Fabiana foram as responsáveis por esta descoberta com cheiro a óleo de amêndoas doces [28 €], . Há dor? Claro que sim, bolas. Mas, ao fim de 15 minutos, começa aquela sensação – estranhamente – agradável da cabeça a querer separar-se do corpo, o alívio e a vontade de ficar ali deitada durante horas.

Já com a cabeça da utente do Delas.pt no lugar, Cláudia explica que “há muitas mulheres que procuram este tratamento”.

Chegam-lhe, revela ainda, pacientes com perturbações da cervical “fruto de muitas posturas incorretas nos trabalhos que desenvolvem”.

As indicações e as contraindicações. Basta ter cuidado!

Para fazer tratamentos ao nível do bem-estar (no máximo até três dias), não é preciso indicação médica. Porém, é preciso assinar um consentimento informado em que o utente garante não ter contraindicações no uso de águas minerais naturais. Doenças cardíacas ou respiratórias, hipertensão arterial, doença renal ou hepática, diabetes, obesidade patológica, doença infecciosa ou cancro não devem ir a banhos sem uma prévia opinião informada.

É, ainda, preciso garantir pessoalmente, neste capítulo, que não existem mal-estar geral, estados febris, problemas psíquicos aparentes, alcoolismo ou que não se está grávida.

Para lá do bem-estar, há a vertente terapêutica, que implica sempre marcação, uma consulta médica prévia [55 €] e uma estadia um pouco mais longa. “Entre as indicações terapêuticas a nível dermatológico, estas águas são boas no combate ao acne, a todo o tipo de eczemas e psoríase”, explica Cristina Mota.

Também os problemas respiratórios têm uma área específica de tratamento, que estão adaptados para adultos, mas também para crianças. Neste último caso, “os planos variam entre os 7 e os 14 dias, com preços que oscilam entre os 70 e 140 euros”, lê-se na informação disponibilizada pela estância termal.

Tratamentos dos 7,50€ aos 120 €

No âmbito dos tratamentos de bem-estar, os preços variam entre os 7,50 e os 40 euros. Os do corpo podem ir dos 20 aos 50 € e os do rosto têm intervalos entre os 38€ e o 60€. Por aqui também há massagens, a partir de 25€, e podem ser feitas a dois e com velas (entre os 100 e os 120€). O Cró Ludic tem programas até três dias, com tratamentos que vão desde os 4,50 aos 150 euros.

A piscina – que não é de água termal da cariz sulfuroso -, essa está sempre aberta todo o ano, mesmo fora da época termal. No entanto, é importante deixar um aviso: “a procura é tanta que, no verão, já chegamos a ter duas e a três horas de fila para entrar na piscina”, conta um dos funcionários ao Delas.pt.

Já agora, estar hospedado no hotel não é indicativo de entrada prioritária. Em época alta, o melhor é – para lá do hotel – pensar em marcar tratamentos e idas à piscina com antecedência.

Apostar na arquitetura como solução para renascer

Há cerca de dois anos, a estância ganhou um hotel – já nas mãos de uma empresa privada – que decidiu reforçar a cura pela arquitetura.

Nasceu uma unidade hoteleira de quatro estrelas que, contam os responsáveis, nem sempre foi compreendido pela população local, mas que agora – pelo menos enquanto o Delas.pt lá esteve – parece não gerar celeuma e cumprir o desígnio a que se se impõe: atrair casais com filhos, grupos de amigos e termalistas de todas as idades.

Os corredores a negro, terminados com janelões de luz com vista para a paisagem, convocam miúdos e graúdos a correr no espaço.

Nos quartos, as banheiras rebaixadas e apontadas também para vidros que acompanham todo o pé direito convidam a banhos mais longos e descansados, em que a transparência em nada compromete a intimidade.

Veja imagens do Cró Hotel Rural & Termal SPA percorrendo a galeria abaixo.

No hotel – da assinatura do arquiteto Pedro Santos -, os pequenos-almoços são variados e generosos. Também é possível almoçar e jantar, mas há uma limitação: há dois pratos do dia, com sopa incluída, e um menu infantil. O preço médio é de 14 euros (mais barato para quem é termalista), mas as opções são escassas.

Para lá da piscina, há bicicletas e há trilhos na natureza para conhecer as redondezas: da serra da Malcata a praias fluviais, banhadas pelo rio Côa. Há, ainda, programas que conciliam as aldeias históricas, com a de Sabugal a ganhar destaque pela proximidade, e a garantia de que é possível acordar a ouvir a passarada.

Termas do Centro: este turismo já não é só para velhos

São mais de duas dezenas as estâncias que integram este projeto que quer acabar de vez com as ideias feitas e apostar em programas de bem-estar alinhados com propostas que conciliam natureza, património e gastronomia. “Para lá dos tratamentos, temos fins de semana específicos em cada estância termal – que no Cró será a 14 de outubro – em que há percursos pedestres interpretativos, com um guia, visitas gastronómicas a quintas de produção agrícola ou vinícola e programação especial”, conta Cátia Marques.

Esta responsável pelo programa das Termas do Centro conta que as propostas “não têm custos acrescidos” para quem está instalado nas estâncias termais. A programação inclui “visitas aos balneários das termas”.

“O que tem acontecido é que pessoas que nunca entraram num balneário termal, inscrevem-se no fim da visita”, refere.

Cátia Marques acredita que, assim, se põe termo a uma “barreira mental” que associa estas estâncias a classes etárias mais velhas. E diz já notar diferenças desde julho. “O que temos visto são muitas famílias a participar em atividades que são direcionadas para elas: em jogos de cariz tradicional em grande escala, que permitem a participação em conjunto, em oficinas”, conta, explicando que os termalistas também aderem.

O universo feminino continua a ser predominante e, ao longo deste percurso, temos visto que as termas não são realmente para o público mais sénior, encontramos pessoas mais jovens, crianças que até já acompanham os avós porque há sítios que têm oferta para o público infantil: os avós podem fazer os tratamentos e eles podem fazer outras atividades. Também há casais mais jovens: dos 30 e 40 anos”.

Imagem de destaque: DR