Cyberbullying, quando o alvo é a mulher

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“É preciso desumanizar a pessoa para agredi-la e a internet permite que se faça isso de diferentes formas (…) fazendo de conta que essa pessoa não é real.” A frase de Marai Larasi, diretora executiva da ONG britânica End Violence Against Women Coalition, sintetiza bem a visão do agressor em relação à vítima na prática do Cyberbullying.

Não é novidade que as agressões no espaço virtual (nomeadamente o que acontece nas redes sociais, mas também nos blogs, sites, etc.), se tornam cada vez mais violentas e cruéis; é como se trepássemos uma espiral ascendente, onde agindo sob a máscara de outra identidade ou do anonimato (individual ou coletivo), não existissem limites para a violência (verbal e/ou imagética).

As mulheres devido aos espartilhos sociais que ainda existem, no que diz respeito à moral e bons costumes, tornaram-se alvos recorrentes deste tipo de agressão virtual; estatísticas comprovam que são as mulheres e as crianças os principais alvos de cyberbullying. A internet é a grande aliada dos agressores, utilizando as suas ferramentas para humilhar, agredir, devassar e até chantagear, os alvos escolhidos. É verdade que a prática do cyberbullying pode atingir qualquer pessoa, mas geralmente esta forma de violência mobiliza sistemas discriminatórios, como o sexismo, o preconceito de classe, o racismo e a homofobia.
Quando a humilhação vende
Poder-se-á dizer que o primeiro caso de ciberbullying no feminino com repercussões internacionais, terá acontecido há dezoito anos, no célebre caso de Monika Lewinski com o ex-presidente norte-americano Bill Clinton. Lewinski só recentemente foi capaz de verbalizar publicamente, através de uma palestra TED em Vancouver, ter sido alvo daquilo que considera um “desporto sangrento”.

Na realidade, existe de facto, uma nova “indústria da humilhação”, em que os cliques representam dinheiro e aumentam de acordo com o nível de constrangimento dos sujeitos em causa. A repercussão destes casos chega a ser tão dramática, que se tornou necessário agrupar a informação disponível, para que a história real seja perpetuada. Algumas histórias vão mesmo parar à Wikipédia; por exemplo., o caso de Megan Meier, uma rapariga de 13 anos, que se enforcou após ter sido vítima de cyberbullying na rede social MySpace. Há aqui, portanto, uma lógica subjacente de divulgar a degradação ou até a morte de alguém, neste caso da mulher, através da comercialização do horror.
Sexting e Pornografia da Vingança
O chamado sexting consiste em enviar conteúdos sexuais provocatórios como imagens, mensagens ou clips de vídeo, através do telefone ou da internet. Trata-se de uma nova forma de cyberbullying, uma prática que afeta, sobretudo, raparigas adolescentes (mas mulheres em todas as idades). Normalmente é um processo continuado e a vítima vive em tensão e constrangimento constantes, não sabendo quando receberá nova agressão.
Na pornografia da vingança (um crime que não para de aumentar), que se baseia no facto de algum ex-namorado, descontente com o término da relação, postar vídeos onde mostra a sua ex-companheira a ter relações sexuais, são maioritariamente os homens os agressores. E isto acontece porque, muitas vezes, ter uma foto ou um vídeo íntimo divulgado não é razão para se sentirem julgados de forma negativa; pelo contrário, revela-se como afirmação da masculinidade.
É, contudo, de referir que algumas das agressões no universo cyber cometidas contra as mulheres, são feitas pelas próprias mulheres. Circulou um pouco por toda a imprensa portuguesa, há cerca de um ano e meio, o célebre caso da atriz Jessica Athayde. Após ter desfilado em biquíni na ModaLisboa, viu a sua imagem ser severamente criticada, por um grupo de blogueiras da mesma geração; um ato de violência gratuita e fútil.
A Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) apresentou no ano passado uma sondagem sobre “stalking” (perseguição”), “cyberstalking” (perseguição pela Internet), “bullying” (uma forma de agressão física ou moral reiterada) e “cyberbullying” (uma forma de agressão física ou moral reiterada que ocorre através da internet) em que mais de um quarto dos inquiridos admitia conhecer alguém que tinha sido vítima de algum destes fenómenos e 5% assumia-se como vítima.
Só agora começa a ser legalmente reconhecido o cyberbullying como uma agressão, sendo necessário criar-se medidas no sentido da prevenção e combate. Os profissionais que lidam com este tipo de crimes alertam que as consequências não são menos graves; muitas vezes, devido ao alcance e a permanência das ferramentas online, intensifica-se o trauma das agressões sofridas. A reflexão passará pelo debate sobre a violência contra as mulheres e a conscientização nas pessoas de que o espaço virtual não é desligado do mundo real. As ações tomadas terão de ter consequências legais. A internet tornou-se há muito num enorme terreno de caça, onde os cobardes enxovalham os mais frágeis e/ou expostos; espécie de recreio para adultos. Apalpões e porrada foram substituídos por “vídeos porno”, “imagens constrangedoras” ou “insultos verbais”. Os requintes cruéis das agressões e da humilhação mantêm-se, agora, na idade adulta. E parecem dizer, recorrendo a máxima maquiavélica, “é melhor ser temido, do que amado.”