Dasha Laschenko chegou a Portugal, a 9 de março, com “apenas uma mala com algum dinheiro, documentos e umas T-shirts”. A manequim ucraniana, natural de Kyiv, sempre sonhou com as passereles, e a da ModaLisboa, que pisou este domingo, 13 de março, é uma das muitas que soma em dois anos de carreira. Porém, nunca nenhuma delas pode ter sido tão diferente como esta.
A manequim e antiga jogadora de voleibol federada, de 20 anos, conseguiu fugir da Ucrânia depois de cinco dias de viagem de carro. Rita Markitan, 20, ficou ‘retida’ do lado de fora do conflito – já estava em Portugal quando a guerra eclodiu -, e não muda o voo de regresso a Kyiv, Yana Brana, de 23, tem a casa emprestada em Chisinau, Moldavia, para receber refugiados.
Todas são de nacionalidade ucraniana, estão em Portugal a trabalhar após terem sido acolhidas pela agencia Best Models – estando a ser apoiadas pela empresa – e estiveram a desfilar na ModaLisboa este fim de semana, procuram mais trabalho porque querem arranjar dinheiro para mandar para a família. Encolhem os ombros diante da palavra futuro. Talvez na Europa, mas sobretudo onde houver trabalho e as pessoas de quem gostam. Essa agora é a nova casa e sem fim à vista.
“Posso trabalhar e mandar dinheiro para a minha família”
Fugida da guerra da Ucrânia, primeiro para o campo nos arredores da capital, depois Lviv e Polónia, Dasha Laschenko lembra: “a vida no meu apartamento esta muito assustadora, estávamos sempre a descer aos bunkers por causa das sirenes.” Para se sentir mais segura, foi para uma outra casa, onde esteve dois dias, e seguiu depois viagem de carro.
“Levei cinco dias de Kyiv até à fronteira, com muitos atrasos devido a postos de controlo, muitos carros, muita gente, muitas pessoas a quererem ir para sítios seguros”, descreve. “Na Polónia, a pessoa que me acolheu ajudou-me e sai da Polónia sem as minhas coisas, sem nada. Trouxe apenas uma única mala com documentos, dinheiro e algumas T-shirts”, conta Dasha.
Por cá, a antiga federada de voleibol foi recebida pela agência de manequins Best, com sede no Porto que tem parcerias com uma homóloga ucraniana e que se disponibilizou para receber quem quisesse vir e, se possível, arranjar trabalho. Dasha é uma das dez manequins que já chegou a território nacional e uma das três que aceitou relatar como se vivem estes dias.
Não é de lágrimas em público que se fala, é de longos suspiros e silêncios a cada pergunta, é de olhar fixo antes de cada resposta, é de agradecimento por poderem estar a trabalhar no meio dos estilhaços de uma guerra que já fez até domingo, 13 de março, mais de dois milhões e 700 mil refugiados.
“É tão estranho quando sentimos que não temos a nossa casa. Estamos sempre a sair de todo o lado”, afirma Dasha, de olhos fixos em quem fala com ela. Futuro próximo? “Sinto-me segura aqui, tenho alimentação, posso trabalhar e mandar dinheiro para a minha família. Talvez possa mudar para outro país, mas irei onde possa trabalhar”, antevê.
“Emprestei a minha casa a uma mulher de 24 anos
com uma filha de dois meses”
Yana Brana também chegou ao Porto na semana passada. Natural da Moldávia e filha de mãe russa e pai ucraniano, saiu da capital moldava Chisinau pouco tempo depois das primeiros disparos na madrugada de 24 de fevereiro.
Yana Brana também chegou ao Porto na semana passada. Natural da Moldávia e filha de mãe russa e pai ucraniano, saiu da capital moldava Chisinau pouco tempo depois das primeiros disparos na madrugada de 24 de fevereiro.
“Com os voos suspensos, saí de autocarro, cheio de ucranianos tal como eu que tenho passaporte, primeiro para a República Checa, onde está o meu pai. Depois vim procurar trabalho e estou em Portugal”. Este domingo desfilou na ModaLisboa e, quem sabe, se não encontra novas campanhas para fazer.
Antes de sair do seu país, Yana teve tempo de – em conjunto com conhecidos – ajudar quem tentava escapar da guerra. “Estamos a 80 quilómetros de Odessa, deste lado da fronteira moldava e começamos a ver a chegar até nós, de repente, 300 mil pessoas, com os seus filhos, sem comida, sem nada, só com os bilhetes. Quando vemos essas pessoas e o que aconteceu na Ucrânia, já ninguém sabe depois o que nos vai acontecer a nós. Pode acontecer tudo. A seguir pode ser connosco, na Moldavia”, atira a manequim, de 23 anos e que está a estudar gestão de negócios em esquema online.
Aliás, as portas da sua casa, onde não pensa voltar tão depressa, estão agora abertas para quem mais precisa. “Emprestei a minha casa a uma mulher que tinha 24 anos, pouco mais velha que eu, e trazia uma criança de dois meses. Como é que é possível? Não têm nada. Diziam que iam ficar uns dias e que iam depois para a Europa, mas percebemos que não tinham sequer para onde ir. Saíram ontem [sexta-feira, 11 de março] de minha casa e foram para a Alemanha, o meu pai tem amigos lá e encontrou-lhe trabalho”, revela Yana.
Agora, é possível que a casa – que a modelo tenciona vender “numa altura em que ninguém quer comprar” – venha a receber mais gente fugida à guerra. Sobre os próximos tempos? “Não sei. Ninguém sabe. Vou para a Europa, sinto-me segura aqui, quero fazer dinheiro e tirar a minha mãe de lá [russa na Moldávia], não sei o que vai acontecer lá, preciso mesmo de os tirar.”
“Ainda tenho o bilhete de avião para Ucrânia, em abril,
e não tenho pressa nenhuma de o alterar”
Rita Markitan estava em Portugal há cerca de um mês quando a guerra rebentou. Esta manequim natural da capital ucraniana esperava – e espera, aliás – ficar mais um mês porque tem bilhete de volta a Kyiv. “Ainda tenho o bilhete de avião para Ucrânia, em abril, e não tenho pressa nenhuma de o alterar”, revela, crendo no fim desta guerra.
A vinda antecipada de Rita para Portugal acaba por a colocar numa posição-chave numa altura em que há profissionais fugidas da guerra a chegarem a território nacional. “Sem as modelos e as estruturas portuguesas não saberia o que fazer, eles dizem-me onde ir, pedir ajuda humanitária, alojamento e eu faço depois a ponte com quem chega”, explica Rita.
De resposta pronta e ágil, esta modelo, que está a formar-se em Economia e com os olhos postos nas Relações Internacionais, crê que, para lá dos bens básicos, “talvez as escolas sejam prioritárias porque não se sabe como é que os miúdos vão chegar e espalhar o que está a acontecer na Ucrânia”. Dasha Laschenko acrescenta e pede “mais psicólogos, está a ser devastador”.
Manequim desde os 16 anos, a moda pôs Rita Markitan a viajar pelo mundo. E agora não vê como possa diferente. Tem saudades de casa, dos jogos de tabuleiro que juntam crianças e adultos, mas admite que o conceito está a começar a mudar. “Estou à procura da palavra que signifique do que tenho saudades, a minha família, os meus amigos, quem eu conheci antes da guerra. A minha casa agora são as pessoas. Quando estiver com elas, então estarei em casa, de novo”, acredita.
Na Ucrânia, tem os pais e duas irmãs que “ainda estão a fazer o seu caminho face ao conflito”. “A minha irmã mais velha está na Ucrânia ocidental, mas não sei os planos, estão para ficar, pelo menos para já. A minha irmã mais nova, 17, quer ser voluntária, estou a tentar falar com ela, mas ela quer fazer isto”, diz Rita.
Irmãos na guerra
As três manequins têm família na linha de combate. Dasha e Yana têm irmãos na guerra. A primeira conta que ele, de 30 anos, “é voluntário no exército”, “mas não está no combate, graças a Deus”. Yana lida com outra circunstância: “o meu pai que é ucraniano quer ser voluntário nesta guerra, percebo-o, é a terra dele.” As preocupações agudizam-se, ainda mais, quando a modelo fala do irmão. “Tem apenas 18 anos, é tão pequeno ainda, o que sabe ele da guerra, ele quis ir defender?”, pergunta Yana enquanto mostra uma imagem do irmão no Instagram e que está na cidade sitiada de Mariupol.