Dava Newman: “Vamos ter pessoas a viver em Marte, mas não muitas”

Foi viceadministradora da NASA durante o segundo mandato de Obama, é professora do Programa Apollo no Massachusetts Institute of Technology e especialista em engenharia biomédica aeroespacial. A Dava Newman não lhe faltam distinções, mas o seu importante trabalho acaba de ser novamente assinalado, desta vez com um prémio diferente: uma barbie. A iniciativa foi da Matel, que comemorou os 60 anos da Barbie esta sexta-feira, Dia Internacional da Mulher, distinguindo a engenheira aeroespacial com um modelo Dava Newman, feito à sua imagem.

A entrega aconteceu durante a palestra organizada pelo Centro Ciência Viva no Pavilhão do Conhecimento, em Lisboa, focada no tema as Mulheres e a Ciência, que contou com a presença de várias cientistas na plateia, com o Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Manuel Heitor, e ainda alunos de duas escolas secundárias. Newman foi a convidada principal e subiu ao palco para dar a conhecer aquele a que chama “o melhor emprego do mundo” e os progressos aeroespaciais. Mais tarde, falou ainda com o Delas.pt sobre a falta de mulheres na ciência e a importância da Geração Marte.

Dois mil e trinta é mesmo o ano a que chegamos a Marte?
Com esperança, no final dessa década estaremos em Marte. Vamos voltar à Lua em 2020, o que é um passo gigante. As pessoas habituaram-se a ver astronautas no espaço porque temos lá estado em estações espaciais nos últimos 20 anos. Mas já estão aborrecidas. Temos veículos de exploração espacial (rovers) na Lua, voltaremos a ter pessoas e isso é muito entusiasmante. Precisamos de lá estar em 2020 para podermos testar, testar e testar as nossas tecnologias. E depois precisamos de mais 10-15 anos para chegar a Marte.

Em 2019, comemoram-se 50 anos desde que o primeiro homem pisou a superfície lunar, mas desde 1972 que nunca mais regressámos. Porquê?

Precisamos de veículos de lançamento de carga pesada que têm estado a ser desenvolvidos, mas são muito caros. O mundo não teve esses veículos nos últimos 50 anos, mas agora temos três possibilidades. A NASA está a desenvolver um sistema de lançamento espacial, bem como outras duas companhias privadas. Nós podemos ir lá agora, mas com rovers. Quando se fala na vida humana no espaço, precisamos dos nossos suportes de vida, os nossos fatos. É um voo muito pesado. Mas estamos num momento muito emocionante chamado o renascimento espacial. Os governos estão a investir, as companhias privadas também. Veja-se Portugal, que teve agora aprovação para a sua agência espacial.

O que podemos esperar de Marte?

É um planeta frio e seco. Mas parece que há imensa água. O próximo rover que a NASA enviar a Marte em 2020 vai fazer oxigénio a partir da atmosfera de dióxido de carbono. Separa-se os átomos de carbono e o que sobra é oxigénio. Não será o suficiente para um humano respirar, mas vamos fazer oxigénio noutro planeta e esse é um grande passo.

E vamos conseguir lá viver?

Acho que vamos ser interplanetários. Sim, vão viver lá pessoas, mas não muitas, penso. Porque a maioria vai estar a viver em órbita terrestre baixa, a 400 quilómetros da superfície da Terra porque é um bom sítio e vamos querer sempre voltar a casa. Vamos ter pessoas na Lua, mas mais como exploradores. É como na Antártida. É um sítio lindo, mas há um motivo pelo qual não tem muitos habitantes. São sítios extremos para se viver, com condições extremas.

Durante a palestra mostrou um vídeo com as várias conquistas da NASA. Não pude deixar de notar que a maioria dos cientistas eram homens.

Na NASA tínhamos 13% de mulheres engenheiras e 20% de mulheres cientistas. Ficarei feliz no dia em que estes números chegarem aos 50%. Não há mulheres suficientes a trabalhar na ciência ainda. Não temos no ensino, no governo e definitivamente na ciência também não. No MIT somos uma escola de ciência e tecnologia e atingimos a paridade com os licenciados, mas foi um longo caminho nos últimos 20 anos porque queríamos que os nossos estudantes representassem a população. 50%-50% é a nossa referência. Vamos saber que chegámos lá a partir do momento em que já não tivermos que falar sobre isto.

De que forma se podem inverter esses números?
Acho que precisamos de parcerias entre as faculdades e os governos, estamos todos a batalhar pelo mesmo, mas com esforços individuais. Vamos ter de pensar em alianças para o empoderamento das mulheres, como aconteceu com o #MeToo. Mas temos de ser proativos e garantir que damos iguais oportunidades a todos, escolhendo o candidato mais adequado.

Fala muito de uma nova geração, a Mars Generation. O que é?
Trata-se da atual geração de jovens e estudantes. São eles que vão pisar Marte, não somos nós. Nas minhas palestras tento mostrar aos jovens que é possível concretizarem os seus sonhos. Digo às raparigas que preciso delas, que se querem ir a Marte ou ajudar a combater as mudanças climáticas podem fazê-lo. Precisamos das suas mentes brilhantes.

Em que consiste o seu trabalho diário no MIT?
Enquanto professora do Programa Apollo passo o meu tempo a pensar em levar as pessoas à Lua e a Marte. Metade do meu tempo é dedicado a fatos espaciais e desempenho dos astronautas e a outra metade é passada a estudar sistemas terrestres, como estruturar os oceanos, a terra, e viver em equilíbrio com a natureza.

É da sua responsabilidade o desenvolvimento do biofato. De que forma é diferente dos fatos espaciais que conhecemos?
Pensei nisso quando fiz uma circum-navegação à volta do mundo com o meu marido. Trabalhei com fatos aeroespaciais a minha carreira inteira, desde há 30 anos que dedico o meu trabalho a manter os astronautas seguros, vivos e saudáveis nos seus voos. Achei que podíamos repensar o fato pressurizado que pesa 130 quilos. É muito pesado e não vai resultar bem para a Lua e Marte. Retirei inspiração das girafas, das cobras que vimos durante essa viagem e, enquanto designer, surgiu-me a inspiração de aplicarmos a pressão diretamente na pele. Parecia uma ideia maluca, mas temos já protótipos que aplicam a pressão exata necessária. Ainda não estão prontos para voar, mas estamos a testá-los. O futuro passa por termos um fato o mais leve possível, pressurizado e que garante mobilidade.