Para os portugueses, Débora Falabella ainda é Nina Hernandéz, a mediática personagem da novela da Globo Avenida Brasil (2012), que está neste momento em reposição na SIC. A menção ao seu trabalho como protagonista desta novela é inevitável, no entanto a atriz brasileira acaba de se estrear num novo thriller ambiental, que promete dar que falar.

Intitulada Aruanas, esta nova série da TV Globo com a produtora Maria Farinha Filmes é inspirada em factos reais, e conta a história de quatro mulheres ativistas que investigam uma exploração mineira ilegal e vários crimes ambientais na Amazónia. Para contar a sua história e a desta produção – que envolveu 28 ONGs do mundo inteiro (incluindo a GreenPeace) e uma equipa de 131 atores e 2000 figurantes, dos quais 33% moravam na região da floresta – a atriz esteve em Lisboa à conversa com o Delas.pt.

No último andar do Hotel D. Pedro V, Débora Falabella recordou as gravações na Amazónia, apresentou a sua personagem, Natalie, e contou tudo o que aprendeu sobre ativismo ambiental com Aruanas. O primeiro de 10 episódios é transmitido esta terça-feira na Globo Now, mas a série completa estará disponível na plataforma aruanas.tv por 11 euros, para 150 países e em 11 línguas diferentes. Veja abaixo o vídeo e continue a ler a entrevista.

Numa das imagens de Aruanas, as quatro protagonistas (interpretadas por Débora, Taís Araújo, Leandra Leal e Thainá Duarte) surgem no ecrã emocionadas, a gritar nomes de vários ativistas mortos no Brasil, entre os quais está o de Marielle Franco, assassinada em 2019. Qual é a mensagem?
É uma das cenas que fecham a série, na qual quisemos mostrar o poder e a força do ativismo. Esta série fala sobre a defesa do meio ambiente, mas também sobre estas pessoas que são tão importantes, os ativistas. Nunca tínhamos falado sobre eles desta forma, no Brasil. É muito bonito falar destas pessoas de uma forma humana, contar as suas histórias e mostrar que são pessoas reais que optaram por ajudar o próximo e defender uma determinada causa. Aquela cena é quase uma homenagem a esses ativistas que foram mortos. O Brasil infelizmente carrega a posição de ser o país que mata mais ativistas no mundo. Isso é um grande peso e precisamos de falar com os espectadores e mostrar-lhes que os ativistas são importantíssimos no mundo em que vivemos.

É verdade que, em cada gravação, vocês recordavam um ativista diferente?
É. Em cada roteiro que recebíamos, por semana, no final havia um texto sobre um ativista. Era uma forma de conhecermos estas pessoas e o seu trabalho.

O que sabia sobre ativismo ambiental antes de começar a gravar a série?
Eu tinha muito pouca noção, claro que o meio ambiente era algo que me preocupava no dia-a-dia, em casa. Já me preocupava com o meu consumo, mas nunca tinha sido a minha causa. Eu acho que Aruanas teve o poder de nos modificar a todas e a toda a gente que esteve envolvido na produção. Hoje eu acredito que tenho muito mais consciência da importância da defesa desta causa do que antes. E até nas pequenas coisas, nos pequenos gestos que eu passo para a minha filha. Acho que todos podemos exercer um ativismo nas pequenas coisas. É preciso pararmos de ser egoístas, olharmos mais para o próximo.

Mudou alguns comportamentos em casa?
Acho que principalmente a preocupação com o lixo aumentou. Às vezes existe uma dificuldade grande em encontrar produtos que não estejam embalados em plástico, mas sempre que posso evito, tento não consumir ou fazer um trabalho de reciclagem maior do que fazia. No outro dia, por exemplo, encomendei comida e vinha numa embalagem plástica e fiz questão de avisar a empresa que já não faz muito sentido. Em algumas cidades do Brasil, já foi inclusive proibido o uso de palhinha. E é algo que a minha filha já faz, quando viaja ou ao vai cinema leva a sua palhinha de metal. Se cada um fizer um bocadinho, já é muito.

Sei que na série também usaram apenas roupas recicladas e tinham uma filosofia muito sustentável.
Tivemos uma grande preocupação com a nossa pegada ambiental. Até porque estando a falar sobre este tema, não fazia sentido sairmos como loucos a consumir coisas. Tínhamos realmente esta preocupação, dentro e fora das cenas. Usámos roupas que vinham de acervos, recicladas, já usadas, quase não existiu compra de roupa. Nas gravações, a equipa recebia garrafinhas de alumínio para não usar de plástico e, depois, no final, conseguimos dizer a nossa emissão de gás de carbono.

Qual é a história de Aruanas?
A série fala sobre quatro ativistas ambientais, três das quais se conhecem desde a adolescência, quando resolveram formar uma ONG. Este trio defendeu um parque da cidade que estava em risco de ser destruído e elas, subindo a uma árvore durante dias, conseguiram defender esta causa. A partir daí fundaram a ONG Aruanas e esta temporada arranca com uma denúncia de extração de minerais ilegal de uma grande empresa, que finge defender a floresta. O grupo vai para a Amazónia, para uma cidade fictícia chamada Cari e é aí que acontece a investigação grande sobre esta empresa que tem uma ligação com Brasília, com os políticos. E estas quatro mulheres (uma advogada, uma jornalista, uma ativista e uma estagiária) lutam muito pela sua causa.

Ficou surpreendida por terem escolhido quatro mulheres como ativistas desta série?
Fiquei muito feliz com esta produção, não só pela escolha das protagonistas, mas também por serem mulheres com uma história principal que não é a relação com os seus maridos, namorados ou problemas amorosos e outros mais superficiais. São mulheres com dramas reais, fortes, importantes e que defendem uma causa mundial. Fico feliz porque quase 50% da equipa era composta por mulheres e é algo que nos meus anos de carreira nunca testemunhei. Essa representatividade feminina fora da cena impressionou-me e deixou-me muito à vontade.

Na série interpreta a personagem Natalie, uma jornalista. Li que durante a preparação conviveu com jornalistas envolvidos nestas causas. O que aprendeu com eles sobre a Amazónia?
O mais importante foi perceber que eles não só cobrem o meio ambiente, como também se envolvem como ativistas. As pessoas que estão na Amazónia, no meio da zona de guerra, correm riscos todos os dias. Estão no olho do furacão, como costumamos dizer, e só mesmo com muita paixão é que se continua ali a trabalhar, investigar e denunciar. Essa paixão por esta causa foi o que me impressionou. Através de uma jornalista, fiquei a conhecer casos como o do José Cláudio, um ativista que foi assassinado com a sua mulher. Ele defendia a exploração da floresta de forma sustentável, mas era ameaçado por madeireiros constantemente. E é algo que nós só sabemos depois. E sabemos graças a estes jornalistas que vão atrás da história e são ameaçados, investigam e denunciam. Imagino a quantidade de histórias das quais não temos conhecimento e que acontecem no meio da Amazónia. Esta quantidade de ativistas mortos que o Brasil carrega nas costas deve ser um número ainda maior.

As mulheres ativistas políticas ou ambientais correm mais riscos do que os homens?
Eu acho que nós já saímos a perder por sermos mulheres e infelizmente as mulheres ativistas são uma ameaça maior. Acho que é muito significativo na série serem quatro mulheres a defender o meio ambiente e a exercer o seu ativismo de forma muito poderosa. Nós mulheres passamos muitas dificuldades, acho que agora estamos a viver uma nova onda do feminismo e acredito que vamos conseguir modificar o planeta. Uma mulher ativista, que mora no interior da Amazónia, uma mulher indígena, nem imagino o quão difícil será para ela. Os homens que lutam por esta causa já sofrem, uma mulher, é muito mais complicado. Mas acho que quando o objetivo é alcançado sente-se uma força muito grande também.

Como foi filmar na Amazónia?
Já conhecia a Amazónia, já tinha ido com a minha filha, mas começar a filmar aí foi muito importante. A minha primeira cena foi muito forte, tratava-se de um massacre indígena. Nós estávamos no meio da floresta, tínhamos atores e figurantes caracterizados e ensanguentados e era muito real. Estava um calor muito próprio da Amazónia e nós ali no meio da imensidão que é o Rio Negro e a floresta. E mesmo sendo fictícia, a situação era muito próxima da realidade e estávamos com pessoas que vivem assim no dia-a-dia. Depois filmámos em São Paulo, mas a Amazónia foi um grande alimento para o resto da série. Filmávamos muito no Rio Negro, tínhamos barcos e era uma produção atípica, a nossa base era flutuante. Foi uma experiência muito bonita.

Receberam formação pela Greenpeace, uma das ONG que participaram no projeto?
Fizemos a mesma formação que as pessoas que são voluntárias ou que vão trabalhar para a Greenpeace. Recebemos informações, vídeos, participámos em palestras, o que ajudou muito a perceber este ativismo de ação, que coloca o corpo à disposição para defender uma causa.

Muitos dos atores eram indígenas. O que lhe contaram sobre a vida na Amazónia?
Fiquei muito próxima de uma atriz chamada Sara, e embora ela não more numa aldeia, mas sim na cidade, foi muito rico estar perto da sua família. Foi importante perceber que olhamos para o mundo de forma diferente. Os povos indígenas não têm uma ligação forte com o seu Eu, estão muito mais preocupados com o coletivo e isso é uma das bases também do ativismo, é importarmo-nos com os outros.

A série também aborda um caso de violência doméstica. No Brasil, tal como em Portugal, estes casos têm estado a aumentar. É importante não esquecer estes problemas também na ficção?
Sim e esta série faz isso muito bem, permite-nos falar de outros assuntos também importantes. Acaba-se por falar de feminismo, de prostituição infantil, de abuso e da relação mãe-filho, em que a mulher vive em constante sentimento de culpa.

Sente que as mulheres são retratadas na TV sempre como o elo mais fraco ou vítimas?
Mais do que isso, acho que são mostradas de uma forma redutora, em que é preciso falar das relações amorosas, com quem vive, mas nunca fala do trabalho, das suas paixões, das convicções. Em Aruanas, o mote principal é a paixão destas mulheres por esta causa. Claro que se fala de outros problemas, das suas vidas pessoais e dramas, mas a acção está focada naquilo em que elas acreditam.

Fala-se muito da insegurança no Brasil, neste momento. Alguma vez pensou mudar-se para Portugal?
Estamos a viver um momento em que toda a gente está com medo do que está por vir, está tudo a tentar perceber o que aí vem. É uma altura muito sombria, não sabemos o que vai acontecer com o país. Estamos a viver tempos loucos no Brasil, mas também no mundo inteiro. Existe uma onda reacionária muito forte, mas ao mesmo tempo não tenho vontade de abandonar o barco. Tenho vontade de ficar como artista. Talvez fosse muita cobardia sair de lá, não digo que não vou sair e eu sei que tenho possibilidades e poderia fazê-lo. Mas existe tanta gente que não pode, que vai sofrer muito mais, que não vai poder abandonar o barco que é triste pensar nisso.